30/11/07

Confirma-se: a Sociologia Política É uma Treta e Há Coisas que só mesmo a Genética Poderá Explicar - II

«Ninguém se aproximava dele, no meio da imensa impressão que causava nos moços de fretes. Por fim, pouco a pouco, alguns jornalistas mais curiosos foram-se chegando, começaram a tocar-lhe com o dedo, a ver se era de pau. Era de carne, verdadeiro. Percebeu-se mesmo que falava. Então os mais audaciosos fizeram-lhe perguntas.
– Senhor – disseram – espalhou-se por aí que vindes restaurar o País. Ora deveis saber que um partido que traz uma missão de reconstituição deve ter um sistema, um princípio que domine toda a vida social, uma ideia sobre moral, sobre educação, sobre trabalho, etc. Assim, por exemplo, a questão religiosa é complicada. Qual é o vosso princípio nesta questão?
– Economias! – disse com voz potente o partido reformista.
Espanto geral.
– Bem! e em moral?
– Economias! – bradou.
– Viva! e em educação?
– Economias! – roncou.
– Safa! e nas questões de trabalho?
– Economias! – mugiu.
– Apre! e em questões de jurisprudência?
– Economias! – rugiu.
– Santo Deus! e em questões de literatura, de arte?
– Economias! – uivou.
Havia em torno um terror. Aquilo não dizia mais nada. Fizeram-se novas experiências. Perguntaram-lhe:
– Que horas são?
– Economias! – rouquejou.
Todo o mundo tinha os cabelos em pé. Fez-se uma nova tentativa, mais doce.
– De quem gosta mais, do papá, ou da mamã?
– Economias! – bravejou.
Um suor frio humedecia as camisas. Interrogaram-no então sobre a tabuada, sobre a questão do Oriente...
– Economias! – gania.
Foi necessário reconhecer, com mágoa, que o partido reformista não tinha ideias.
(...)»
Eça de Queiroz, Uma Campanha Alegre, Maio 1871

Só Queria Dizer uma Coisa: NÃO HÁ MEDÍOCRES INOCENTES

Queixa das almas jovens censuradas, José Mário Branco (poema de Natália Correia)

29/11/07

Confirma-se: a Sociologia Política É uma Treta e Há Coisas que só mesmo a Genética Poderá Explicar - I

«Debalde porém se esperaria que milagrosamente, por efeito de varinha mágica, mudassem as circunstâncias da vida portuguesa. Pouco mesmo se conseguiria se o País não estivesse disposto a todos os sacrifícios necessários e a acompanhar-me com confiança na minha inteligência e na minha honestidade – confiança absoluta mas serena, calma, sem entusiasmos exagerados nem desânimos depressivos. Eu o elucidarei sobre o caminho que penso trilhar, sobre os motivos e a significação de tudo que não seja claro de si próprio; ele terá sempre ao seu dispor todos os elementos necessários ao juízo da situação.
Sei muito bem o que quero e para onde vou, mas não se me exija que chegue ao fim em poucos meses. No mais, que o País estude, represente, reclame, discuta, mas que obedeça quando se chegar à altura de mandar.»
Dicurso de António Oliveira Salazar, 27 de Abril de 1928

Uma Canção Melancolicamente Socrática que Eu Já não me Lembrava que Sabia


Jean Gabin, Maintenant je sais

Au milieu de ma vie, j'ai encore appris.
C'que j'ai appris, ça tient en trois, quatre mots:
Le jour où quelqu'un vous aime, il fait très beau,
j'peux pas mieux dire, il fait très beau.

28/11/07

De Maio de 68 a Novembro 07 ― Sinais do Progresso (Post Modificado e, Espera-se, Melhorado)

Paris, Maio 1968
Paris, Novembro 2007
«Dissemos que o objecto do Espírito não é se não ele próprio. Nada há de mais elevado do que o Espírito, nada seria mais digno de se tornar no seu próprio objecto. O Espírito não encontra paz, não pode ocupar-se de mais nada antes de se conhecer e saber o que é (...) O Espírito deve, pois, chegar ao saber do que é verdadeiramente e objectivar esse saber, transformá-lo num mundo real e produzir-se a si próprio objectivamente. É esse o fito da história universal. (...) O Espírito não é um ser natural, como o animal que é aquilo que é imediatamente. O Espírito produz-se a si próprio, faz-se a si próprio o que é. O seu ser não é existência em repouso, mas actividade pura: o seu ser é ter sido produzido por si, ter-se tornado por si, ter-se feito por si. Para existir verdadeiramente é necessário que tenha sido criado por si: o seu ser é o processo absoluto. Esse processo, mediação de si próprio consigo próprio e por si próprio (e não por um outro) implica que o Espírito se diferencie em Momentos distintos, se entregue ao movimento e à mudança e se deixe determinar de diversas maneiras. Esse processo é também, essencialmente, um processo gradual, e a história universal é a manifestação do processo divino, da marcha gradual através da qual o Espírito conhece e realiza a sua verdade. Tudo o que é histórico é uma etapa desse conhecimento de si. O dever supremo, a essência do Espírito, é conhecer-se e realizar-se. É o que ele leva a cabo na história: produz-se sob certas formas determinadas, e essas formas são os povos históricos. Cada um desses povos exprime uma etapa, designa uma época da história universal. Mais profundamente: esses povos encarnam os princípios que o Espírito encontrou em si e que deve realizar no mundo. Existe, pois, entre eles uma conexão necessária que não exprime se não a natureza mesma do Espírito. A história universal é a manifestação do processo divino absoluto do Espírito nas suas mais elevadas formas: marcha gradual pela qual ele alcança a sua própria verdade e toma consciência de si. Os povos históricos, as características determinadas da sua ética colectiva, da sua constituição, da sua arte, da sua religião, da sua ciência, constituem as figurações desta marcha gradual.»
E estava eu a encontrar consolo nestas palavras de Hegel, escritas em A Razão na História, quando o poeta Borges me saltou ao caminho no meio dos escombros da periferia parisiense e filosofou do alto da sua cegueira: «A metafísica é um ramo da literatura fantástica». Porra!

27/11/07

Era uma vez um Ursinho de Peluche Chamado Maomé... — a História Parece Ter Graça mas não Tem Graça nenhuma

Este texto foi escrito a propósito da contestação histérica às caricaturas de Maomé publicadas em Setembro de 2005 por um jornal dinamarquês. Tudo o que nele está dito se aplica, por maioria de razão, ao actual caso da professora primária britânica, presa no Sudão por ter permitido que a um ursinho de peluche fosse dado o nome do Profeta. Está sujeita a 40 chibatadas, 6 meses de prisão e uma multa em dinheiro. Parece mentira mas não é.



Estes são os meus princípios. Se não gostarem, arranjo outros. A frase é de Groucho Marx e há quem ande a levá-la a sério. Os pedidos de desculpa — os «apelos ao respeito e ao bom senso», eufemisticamente falando — multiplicaram-se nas últimas semanas, encabeçados pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, que veio apelar ao perdão dos ofendidos e lembrar que a liberdade de imprensa se deve exercer respeitando «plenamente os princípios e crenças de todas as religiões».
No já remoto dia 12 de Maio de 1952, no New York Herald Tribune, o cardeal espanhol Pedro Segura arriscava ser mais claro: «A liberdade de imprensa é um dos maiores males que ameaçam a sociedade moderna». Apesar das suas desavenças com Franco, Pedro Segura era um homem de direita. Também por isso, não deixa de ser curioso que, com algumas excepções, sejam os media posicionados desse lado quem mais vem reproduzindo os cartoons da discórdia. Razão invocada? Haja liberdade de opinião! O mundo anda confuso.
Em 1859, no ensaio On Liberty (Ensaio sobre a Liberdade, Arcádia, 1973), John Stuart Mill escrevia que «o único fim pelo qual a humanidade está autorizada, individual ou colectivamente, a interferir na liberdade de acção de qualquer um dos seus é para sua própria protecção». Cerca de 100 anos antes, Voltaire terá dito: «Não concordo com uma única palavra do que dizeis, mas defenderei até à morte o vosso direito a dizê-lo».
Esta tolerância inegociável, assente numa liberdade axiomática que tanto tempo levou a conquistar — recorde-se que o Index do Vaticano apenas foi suprimido pelo Papa Paulo VI em 1965 e que a reabilitação oficial de Galileu data de 1992, 359 anos após o célebre «Eppur si muove» —, parecia, pelo menos para alguns e até há poucas semanas, prerrogativa da nossa cultura. Engano nosso?
A gaguez com que muitos vêm reagindo à vaga de fundo dos fundamentalistas islâmicos permite-nos suspeitar que, também deste lado (talvez porque o mundo é redondo e não tem lados), o princípio da liberdade, nomeadamente o da liberdade de expressão, pode estar a preços de saldo.
Acrescentando à lista de citações outro notável, note-se apenas como Bertrand Russell, a propósito da censura, definia «obscenidade» ainda em tempos bem recentes: «Obscenidade não é termo passível de definição legal exacta: na prática dos tribunais, significa 'tudo o que choca o magistrado'». À luz da actual e piedosa compreensão pela revolta dos fiéis, o termo (agora chamam-lhe blasfémia) parece ter-se tornado em «tudo o que choca as multidões em fúria».
Não sejamos ingénuos. Por detrás do caso dos cartoons espreitam, também na Europa, coisas com muito menos graça. A xenofobia é, com certeza, uma delas. Ainda assim, alguém consegue imaginar os Estados membros da União Europeia reunidos de urgência em 1978, a braços com uma revolta cristã contra A Vida de Brian, o último Monty Python acabado de estrear?
Pois é o que vem acontecendo em Bruxelas, vários séculos passados sobre a chamada Idade das Trevas, aquela durante a qual, na opinião de Jim Hankinson, «a pouca filosofia que existia na Europa sofreu uma viragem depressivamente teológica, centrando-se em disputas tais como se Deus era Uma Pessoa em Três ou Três Pessoas Numa, a natureza exacta da Substância do Espírito Santo e quantos anjos podem dançar na cabeça de um alfinete (no caso improvável de desejarem realmente fazê-lo)» (in O Especialista Instantâneo em Filosofia, Gradiva/Público, 1996).
Hankinson é um brincalhão, mas Aristóteles estava a falar a sério quando concluiu que «as cobras não têm pénis porque não têm pernas; e não têm testículos por serem tão compridas». Hoje rimo-nos desta precipitação empírica, mas tenderá o (nosso) riso a desaparecer, como previu o francês Marcel Schwob?
«Esta prova física grosseira do sentido que temos de uma certa desarmonia no mundo deverá apagar-se face ao cepticismo total, à ciência absoluta, à piedade geral e ao respeito por todas as coisas. Rir é deixar-se surpreender por uma negligência das leis (...)», escreveu o autor de Vidas Imaginárias (Teorema, 1990). Nesta altura, os simpatizantes do respeito e do bom senso dirão que há limites para tudo. 35 anos depois de Jesus Cristo (Superstar) ter dançado na Broadway, teremos de começar de novo?
Sobram os adeptos do «bom gosto». Sobre esses, o filósofo espanhol Fernando Savater disse o que havia a dizer na edição de 11-02-2006 do El País: «Jean Daniel (reputado jornalista francês, fundador e director de Le Nouvel Observateur) informou-nos, nestas mesmas páginas, que aceita a blasfémia sempre que acompanhada de bom gosto e dignidade artística: ele é daqueles que apenas apreciam stripteases quando são feitos ao som de Mozart».
Guardados para o fim os que se indignam com «o insulto gratuito e permanente a uma cultura» («Choque e Pavor», Daniel Oliveira, Expresso, 4-02-2006) e, fazendo minhas as palavras do cronista, «só para sabermos do que estamos a falar», repare-se na confusão instalada, para desconforto de muitos (mais à esquerda do que à direita), entre três conceitos distintos: tolerância, cepticismo e relativismo (no qual nem Einstein acreditava).
Simon Blackburn, filósofo inglês, autor, entre outros, do útil e divertido Dicionário de Filosofia (Gradiva, 1997), deu, a 13-12-2001, uma palestra sobre o tema no King's College londrino.

«A tolerância é a disposição para combater a opinião apenas com a opinião: por outras palavras, a disposição para proteger a liberdade de expressão e para enfrentar as divergências de opinião apenas com a reflexão crítica e não com a repressão ou a força», resumiu, sublinhando depois uma evidência histórica que nem todo o esforço doutrinário do padre Carreira das Neves (ver Expresso, «Actual», 11-02-2006) consegue obliterar: «A tolerância deu entrada na vida política com o Iluminismo. Trata-se de uma virtude caracteristicamente secular (...). De um modo diferente, o relativismo presume que "não existem assimetrias na razão e no conhecimento, na objectividade e na verdade (...)". Tudo o que há são diferentes pontos de vista, cada um dos quais "verdadeiro" para aqueles que o defendem (...). Não só devemos tentar compreendê-los (aos vários proponentes dos vários pontos de vista), mas também reconhecer a existência de uma simetria de estatutos. As suas opiniões "merecem o mesmo respeito que as nossas" (...) podemos ter valores ocidentais, mas eles têm outros; nós temos uma visão ocidental do universo, eles têm a deles; nós temos a ciência ocidental, eles têm a ciência tradicional», etc., etc.
Resta a especificação de «cepticismo». Blackburn fá-la com clareza: «Segundo o relativista, a crença e a convicção voam pela janela fora porque (...) há por aí demasiadas verdades (...). Para o céptico, a crença e a verdade voam pela janela fora porque a verdade é demasiado rara. Ao contrário da atitude mental relativista, a do céptico é muitas vezes merecedora de admiração».
O resultado patético da promoção generalizada do «ponto de vista» a princípio gnoseológico e ético é bem ilustrado por Blackburn, que narra, nem a propósito, um episódio retirado de um encontro ecuménico: «Primeiro os budistas falaram das vias para a serenidade, da subjugação do desejo, do caminho da luz, e os seus colegas do painel disseram todos: "Eh pá, fixe, se te dás bem com isso é porreiro". Então o hindu falou dos ciclos de sofrimento, nascimento e renascimento, dos ensinamentos de Krishna e da via para a libertação, e todos disseram: "Eh pá, fixe, se te dás bem com isso é porreiro". E assim sucessivamente, até que chegou a vez do sacerdote católico falar da mensagem de Jesus Cristo, da promessa de salvação e do caminho para a vida eterna. Nessa altura, todos disseram: "Eh pá, fixe, se te dás bem com isso é porreiro". Mas ele deu um murro na mesa e gritou: "Não! Não é uma questão de eu me dar bem com isso! É a verdadeira palavra de Deus, e se não acreditam vão todos direitos para o Inferno!" E todos disseram: "Eh pá, fixe, se te dás bem com isso é porreiro"».

Marguerite Yourcenar estava convencida que as religiões monoteístas tinham sido a desgraça dos homens. Nietzsche anunciava que os deuses tinham morrido de riso ao ouvirem um deles dizer que era o único. Alfred Jarry garantia que «Deus é o caminho mais curto entre o zero e o infinito, tanto numa direcção como noutra». São opiniões estimáveis, mesmo se não temos de concordar com elas.
Entretanto, há gente condenada ao silêncio, à morte, desaparecida, facto que os ocidentais preocupados «com insultos gratuitos permanentes» tendem a esquecer com total liberdade. Leia-se novamente Savater: «Sei - disse-mo Cioran - que todas as religiões são cruzadas contra o sentido de humor, nego-me, contudo, a acreditar que mil e quinhentos milhões de muçulmanos se tenham forçosamente de sentir ofendidos: seria tomá-los a todos por imbecis, o que me parece sumamente injusto. Se fosse muçulmano (...) perguntar-me-ia, como fez o semanário jordano Shihane, "o que prejudica mais o Islão, estas caricaturas ou um sequestrador que degola a sua vítima em frente às câmaras?" Infelizmente, já não teremos resposta nem debate, porque o semanário foi imediatamente fechado e o seu director despedido».
Como lembrou Susan Neiman em O Mal no Pensamento Moderno (Gradiva, 2005) - ela sim, com inegável bom senso - «lamentar a perda absoluta de referências para julgar o certo e o errado devia ser supérfluo um século depois de Nietzsche». Nem por isso a filósofa norte-americana deixa de realçar que «a perda de certezas sobre os alicerces gerais dos valores não afectou as certezas sobre os exemplos particulares». Por esta razão, a advertência sobre o risco de pensarmos que «os "bons" somos nós e os "maus" são os outros» (Carreira das Neves) não acrescenta nada ao assunto, escamoteando apenas uma realidade que importa condenar, sem ilusões na «conciliação do inconciliável» (ver Vasco Pulido Valente, Público, 12-02-2006): sistemas teocráticos onde o petróleo flui por entre a maior miséria e as mulheres vivem subtraídas aos mais elementares direitos.

E agora: podemos falar a sério ou já não se pode brincar?

26/11/07

Enquanto Pulido Valente desanca em Sousa Tavares...

A Gradiva acaba de publicar o livro do cientista Filipe Duarte Santos Que Futuro? Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento e Ambiente. Não li, logo, não tenho opinião (e se há livros que não precisam de ser lidos para opinarmos sobre eles, outros há que obrigam mesmo à leitura).
Das citações acerca deste retive o seguinte:
«A ciência pode prever o futuro a um prazo de 500 milhões de anos, altura em que a Terra será submetida ao brilho mais intenso do Sol, ficando com atmosfera semelhante à de Vénus. A ciência é capaz de fazer o retrato da história do próprio Universo, a ponto de saber como ele começou. E, no entanto, em relação aos próximos 50 ou 100 anos, é difícil fazer previsões, dadas as incertezas que envolvem o futuro próximo da humanidade.»
Não será reconfortante como ideia mas Do Androids Dream of Electric Sheep? de Philip K. Dick também não o era e voltei há dias a ir buscá-lo à estante. Anda a fazer companhia à Poesia Toda de Herberto Helder. Confesso que quando era pequena o meu sonho era estudar as estrelas quando fosse grande. Coisa que nunca me ocorreu foi querer ser latifundiária alentejana. Talvez por ter nascido à borda d'água. Mas claro que este post foi só um pretexto para recordar Philip K. Dick e Herberto Helder. Há autores que ficam e outros que passam à história. E nem temos sequer de lê-los para saber isso.

25/11/07

Apesar de tudo, na Pastelaria Continua-se a Dançar The Old Fashion Way


Brenda Lee -I'm sorry

Alto e Pára o Baile!

ASAE/DGS encerra a cozinha da «Casa do Alentejo».
À velocidade a que se vêm fechando restaurantes e similares pelo país, há que concluir que muitos portugueses, sem o saber, estariam à beira do óbito, precedido por vómitos, náuseas, confusão mental e dificuldades respiratórias. O que nos tranquiliza [não é a ASAE/DGS] é Paracelso: «O veneno está na dose»

24/11/07

O Prometido É Devido: Cormac McCarthy, «Este País não É para Velhos»

«That is no country for old men»: Cormac McCarthy foi buscar a Yeats o verso que dá título ao romance. Sylvia Plath também não estaria mal: «I talk to God but the sky is empty». Por aqui não há ninguém a quem o céu proteja.
O catolicismo tem, que me ocorra de repente, duas coisas boas: os filmes de Martin Scorsese e os livros de Cormac McCarthy. É verdade que em Este País não É para Velhos o Ser Supremo pode ser uma desilusão. Mas até o xerife Bell, assaltado por visões de Satanás entre os homens, compreenderia Hemingway quando este um dia, inquirido sobre se acreditava em Deus, respondeu: «À noite, às vezes».
Quando escrevo, a versão cinematográfica deste romance já estreou nos EUA. Não por acaso, decerto, sob a batuta de Joel e Ethan Cohen, a dupla responsável pelo maior tratado moral alguma vez transposto para o ecrã: Miller's Crossing, em português, História de Gangsters. Porque McCarthy escreve livros morais. Com o adjectivo a encarnar o seu sentido mais nobre, aquele que percorre autores tão diversos como Defoe, Flaubert, Dostoievski, Conrad ou Melville. O cenário da acção é, como já o era em todos os títulos da Triologia da Fronteira, a América profunda que havia também fascinado Faulkner. Um caçador de antílopes a contas com o passado, Llewelyn Moss, encontra por acaso, ao lado de um monte de cadáveres, uma mala com dois milhões de dólares. Alguma coisa correu mal no que se percebe ter sido uma transacção de droga e o único sobrevivente é um mexicano moribundo que implora por água. Moss não tem como lhe matar a sede, mas tomará duas decisões morais que lhe irão determinar a vida (e a de outros) para sempre: rouba a mala dos dólares e volta ao lugar do crime para dessedentar o homem.
A partir deste fait-divers tantas vezes glosado, McCarthy produz um romance poderoso, um western moderno e metafísico que nos confronta, num registo slow motion que lembra Rulfo, com a condição humana no que ela tem de mais terrível. Porque, claro, Moss não se safará impunemente com a mala dos milhões: «(...) Ficou sentado a olhar para as notas, depois fechou a aba e continuou sentado de cabeça baixa. Tinha ali a sua vida inteira, pousada na sua frente. Dia após dia, do nascer ao pôr do Sol, até ao momento da sua morte. Tudo resumido a dezoito quilos de papel dentro de uma mala.»
Ao brilhantismo estilístico (e sobre isso escreve e bem o tradutor Paulo Faria em nota introdutória), acresce a construção romanesca. Este País não É para Velhos não começa sequer com o resumido fait-divers. A abrir, algumas reflexões proferidas na primeira pessoa pelo desencantado e velho xerife Bell, as quais irão pontuando o desenrolar da acção sem que em nada satisfaçam, esclareça-se já, a nossa necessidade de consolo: «Lembram-se do que eu disse no outro dia sobre os jornais. Na semana passada lá na Califórnia, apanharam um casal que alugava quartos a idosos e depois matava-os e enterrava-os no quintal. A seguir iam levantar os cheques das pensões de reforma. Mas primeiro torturavam-nos, não sei porquê. Se calhar tinham a televisão avariada».
É Bell quem sai em socorro de Moss e da mulher deste, alvos visados por Chigurh, um assassino a soldo dos patrões da droga que tem por missão recuperar o largo punhado de dólares. Desde sempre se percebe que o casal tem todos os motivos para não dormir descansado:
«Estou-me aqui a preparar para fazer uma coisa completamente estúpida, mas mesmo assim vou seguir em frente. Se eu não voltar, diz à minha mãe que gosto imenso dela.
A tua mãe já morreu, Llewelyn.
Bom, então eu mesmo lhe digo.»
E a coisa estúpida é ir dar água a um moribundo.
Chigurh, que não é um sádico, ao contrário do juiz Holden desse outro livro de McCarthy para «leitores corajosos», Meridiano de Sangue, apenas um homem zeloso do seu destino de matador, não sofre da doença humana da compaixão. É isso mesmo que explica a Carla Jean:

«Estás a pedir-me que me torne vulnerável, e isso é coisa que eu nunca poderei fazer. (...) A grande maioria das pessoas não acredita que possa existir alguém assim. Isso deve constituir para elas um grande problema (...). Como levar a melhor sobre uma coisa cuja existência nos recusamos a reconhecer. Compreendes? Assim que eu entrei na tua vida, a tua vida terminou. Teve um começo, um meio e um fim. O fim é agora. Dirás que as coisas podiam ter sido diferentes. Que podiam ter corrido de outra maneira. Mas o que é que isso significa? As coisas não correram de outra maneira. Correram desta. Estás a pedir-me que desminta o mundo. Percebes?
Sim, disse ela, a soluçar. Percebo. A sério que percebo.
Ainda bem, disse ele. Óptimo. Depois deu-lhe um tiro.»
E é sobre Chigurh que Bell, logo a abrir, fará a pergunta mais inquietante de todas: «O que é que se diz a um homem que é o primeiro a reconhecer que não tem alma?» Daqui ninguém sai vivo? Bom, quase ninguém. Talvez Loretta, a mulher do xerife. Mas só porque não lia jornais.

Desculpem Lá a Insistência mas Ando a Assobiar isto desde Segunda-Feira


Roger Miller (o autor legítimo da coisa) e Dean Martin, King on the road

23/11/07

Antes que nos Venham Selar o Guarda-Vestidos, Anunciamos já a Cor das nossas Cuecas. É Trabalho que se Poupa à ASAE

Vem isto a propósito do encerramento da «Ginginha» do Rossio pelos serviços da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica [ASAE - uns rapazes que entram pelos locais adentro de colete à prova de balas e barrete na cabeça e, que eu saiba, ainda não encerraram nenhuma cantina escolar, essas onde os putos - eles que me perdoem o vernáculo - "comem mal como à merda"], informação que me chegou via José Agostinho Baptista, com o seguinte comentário:
«A prepotência, os desmandos e as poucas-vergonhas da ASAE continuam. Agora a vítima foi a velha Ginginha do Rossio. Qualquer dia até vão investigar a cor das nossas cuecas. As minhas são às riscas. Mas não sei se me será permitido continuar a usá-las
Zé, as minhas são lisas e assalta-me a mesma dúvida.

22/11/07

M'Espanto às Vezes, Outras M'Avergonho e não, não Vou de Novo Meter-me com o Pacheco Pereira. É outra Coisa

O caso é este: «Em Dezembro, fará agora um ano, uma criança de 4 anos, em Waco, Texas, foi acusada e declarada culpada de assédio sexual numa escola local. Segundo a imprensa, a criança encostou o rosto aos seios da educadora de infância. Na mesma altura, uma escola infantil de Hagerstown, Maryland, acusou uma criança de 5 anos de assédio sexual a uma colega (tendo-a «condenado» a pena suspensa até entrar na escola primária). Entre 2005 e 2006, 25 crianças de jardins de infância no estado de Maryland foram alvo de inquéritos por assédio sexual na suas escolas.» Pode continuar a ler em A Origem das Espécies.

E o caso é, também, que ainda não me refiz da notícia. O mundo entrou em movimento espiralado aceleradíssimo ou sou que ando com a graduação errada? É que nem São João, por muito pedrado que estivesse, se lembraria de identificar a Besta pelas fraldas.
Tomada por um pensamento reaccionário (como já não uso fraldas, permito-me ser reaccionária de quando em vez...), pus-me a congeminar se a origem disto tudo não estaria em Freud e na sua teoria da sexualidade infantil.
E, de repente, senti-me bem acompanhada nas minhas congeminações quando me recordei de Karl Kraus e da frase dele sobre a psicanálise, já aqui uma vez citada na Pastelaria: «A teoria antiga negava a sexualidade dos adultos. A moderna diz que os bebés têm prazer sexual enquanto defecam. A antiga era melhor, ao menos podia ser contraditada pelas partes envolvidas». Ser reaccionária, às vezes, é um descanso.

21/11/07

Coisas que Realmente Importam: Cormac McCarthy

Estreou hoje nos EUA a adaptação para cinema, feita pelos irmãos Cohen, do romance do norte-americano Cormac McCarthy, No Country for Old Men. Publicado originalmente em 2005, acaba de sair na Relógio D'Água, com tradução de Paulo Faria e sob o título Este País não É para Velhos.
Os Cohen que têm no currículo coisas tão conseguidas como Blood Simple (e ainda me lembro de o ver afundada numa cadeira do velho Quarteto, estarrecida pela reviravolta de horror que chegava logo a seguir ao intervalo), Miller's Crossing (um filme capaz de sintetizar todos os grandes tratados de ética logo na cena de abertura), Fargo (a maior homenagem a uma personagem feminina a que já assisti no cinema), ou o delirante e mordaz The Big Lebowski talvez sejam mesmo a escolha certa para passar ao grande ecrã este romance para «leitores corajosos» — uma expressão que Harold Bloom usou para Meridiano de Sangue (McCarthy, Relógio D'Água) mas que também aqui se aplica (embora Meridiano de Sangue requeira estômagos ainda mais sólidos do que Este País não É para Velhos) —, sobretudo agora que Huston já não está cá. Mas se quanto ao filme só posso especular, o livro é outra conversa. Voltarei a ele Sábado. Entretanto, deixo um pequeno excerto como aperitivo.
«Ele abanou a cabeça. Estás a pedir-me que me torne vulnerável, e isso é coisa que eu nunca poderei fazer. Só tenho uma maneira de viver, que não admite casos excepcionais. Uma moeda ao ar, no máximo. Sem grande utilidade neste caso. A maioria das pessoas não acredita que possa existir alguém assim. Isso deve constituir para elas um grande problema, como facilmente entenderás. Como levar a melhor sobre uma coisa cuja existência nos recusamos a reconhecer. Compreendes? Assim que eu entrei na tua vida, a tua vida terminou. Teve um começo, um meio e um fim. O fim é agora. Dirás que as coisas podiam ter sido diferentes. Que podiam ter corrido de outra maneira. Mas o que é que isso significa? As coisas não correram de outra maneira. Correram desta. Estás a pedir-me que desminta o mundo. Percebes?
Sim, disse ela, a soluçar. Percebo. A sério que percebo.
Ainda bem, disse ele. Óptimo. Depois deu-lhe um tiro.»
Foto: Marion Ettlinger, Cormac McCarthy, New York City, 1991

Post que Desagradará a alguns Frequentadores da Pastelaria mas Quem não Tiver Sentido de Humor Terá de Ir Comer Bolas de Berlim noutro Estabelecimento

Comentário sobre o nosso jardim à beira-mar plantado proferido por um emigrante de Leste - engenheiro na terra dele mas que aqui trabalha nas obras - todos os dias confrontado com novas desventuras casapianas: «País de pedreiros e paneleiros!».

Voltando a Coisas mais Divertidas e menos Abruptas: Apreciem bem este Duo de Ouro. Sobre Ele nem o meu Pai poderia dizer: que Grande Par de Jarras!

Dean Martin conduz a orquestra, Jerry Lewis canta Because of you

Agora é ao contrário. Lewis dirige e Dean canta There's No Tomorrow

20/11/07

M'Espanto às Vezes, Outras M'Avergonho - Cadeia de Solidariedade que Visa Colocar o Abrupto nos Tops das Audiências

Alguém me chamou a atenção para isto. Fui ver.
A neve não caía do azul cinzento do céu, mas eu fiquei pasmada na mesma. Ele tinha mesmo escrito aquilo.
E eu pensei: mas o que é que terá dado ao Pacheco para vir denunciar uma cabala contra o Abrupto, que passa, entre outras coisas terríveis, pelas citações sem link, por se insistir em fazer de conta que ele não existe e até - pasme-se! - por truques «que misturam blogues genuínos com falsos blogues pornográficos [e porque não verdadeiros, já agora, sempre o truque era mais eficaz?], na maioria dos casos com o evidente objectivo de evitar que o Abrupto apareça sempre nos primeiros lugares».
E depois pensei: das duas uma. Ou isto é mesmo uma cabala contra o Abrupto, e este post delirante foi criado por alguém para o denegrir, ou, então, que seja dado o 1º lugar ao homem para ver se ele se acalma.
Cá para mim, e vendo bem, trata-se mas é de propaganda... e da melhor. Tiro-lhe o chapéu, portanto. E como diz o próprio: «Tudo isto sem comentários abertos, um dos meios mais fáceis para obter "audiências"». Importa-se de repetir?!
PS: Se bem percebo o raciocínio, daqui a uns dias teremos Pacheco Pereira a afirmar que andam por aí uns blogues a querer subir nas audiências à conta do Abrupto. Raciocínio que estalinisticamente seria assim: «Se não foste tu, foi o teu pai», ou, indo directo ao assunto: «Preso por ter cão e preso por não ter».

19/11/07

Há muito que não Vinha à Pastelaria. Senhoras e Senhores: o Grande o Maior o Único o Incomparável Dean Martin. Wit + Wit não Há. Ouçam, Riam e Dancem!


King on the road


Everybody loves somebody sometime

Há Gente que Quando Fala Devia Ser Obrigada a Lavar a Boca com Sabão e ainda Seria Pouco ou, Dito de Modo mais Prosaico, Sai Merda e não Entra Mosca

De uma entrevista de Durão Barroso, lida hoje no Diário de Notícias:
«Houve informações que me foram dadas, a mim e a outros, que não corresponderam à verdade. Tive documentos na minha frente dizendo que o Iraque tinha armas de destruição maciça. Isso não correspondeu à verdade»
E mais à frente:
«Portugal, ao dizer que sim ao seu aliado norte-americano, não perdeu espaço com isso, nem tem que estar arrependido. Eu fui, depois dessas decisões, convidado a ser Presidente da Comissão Europeia, e tive o consenso de todos os países europeus.»
É só para lembrar que, segundo números oficiais fornecidos pelos ministérios iraquianos do Interior, Defesa e Saúde, só no mês de Outubro morreram 840 iraquianos. Mais de metade eram civis. Mas o que é isso comparado com o facto de Durão Barroso ter podido concretizar o seu sonho de Presidente?

17/11/07

O que Eu Disse ao Jornal Público sobre o «Debaixo do Vulcão»

Disse que mais depressa pertenceria ao Clube dos Amantes de Debaixo do Vulcão do que a um partido político
Disse que quando volto ao livro de Lowry não consigo reler as páginas finais porque já as sei de cor e são demasiado terríveis
Disse que não se deve recomendar o Debaixo do Vulcão a pessoas demasiado impressionáveis
Disse que me tinha apaixonado por um homem porque ele tinha o Debaixo do Vulcão na mesa de cabeceira mas que depois, como muitas vezes acontece, uma coisa não tinha a ver com a outra
Disse que o México do Lowry é o México. Ponto final
Disse que o livro de Lowry é um livro com tomates
Disse que nos dias de hoje, se encontrasse alguém a ler o Debaixo do Vulcão no comboio, convidaria esse passageiro para tomar um café
Disse que o Debaixo do Vulcão sobreviveu ao tempo, ao contrário de outros livros, como por exemplo, Os Cem Anos de Solidão, que vivem do efeito surpresa
Disse que o Debaixo do Vulcão é uma obra total. Talvez o último grande romance, à maneira de Tolstoi
E disse que era mesmo verdade que no se puede vivir sin amar

Esta Asserção já não se Aplica: a Culpa É da Globalização e, no Caso Português, também do Stress Provocado pelo Programa da Fátima Campos Ferreira

«In America, sex is an obsession, in other parts of the world it's a fact», Marlene Dietrich

A Música É Mesmo a Grande Arte e Quem Disser o Contrário É Porque É Surdo

PURA EMOÇÃO - (PART1)

David Oistrakh toca Tchaikovsky Violin Concerto in D Major, Op. 35: 1st Movement; Orquestra Filarmónica de Moscovo dirigida por Gennady Rozhdestvensky, 1968

PURA EMOÇÃO - (PART2)

Este extraordinário violinista judeu russo (nasceu em Odessa em 1908 e faleceu em Amesterdão de um ataque cardíaco em 1974) tem um asteróide com o seu nome: 42516 Oistrach. Mais sobre ele aqui.

16/11/07

Há Criaturas Tão Inteligentes que Percebê-las É mais Difícil do que Compreender o Último Teorema de Fermat

Entre o número de empregados que se desempregaram e de desempregados que se empregaram o saldo é positivo, há mais 60 mil postos de trabalho [relativamente a Março de 2005], depois, em termos de taxa de desemprego, isto é contrariado porque também houve mais pessoas que chegaram pela primeira vez, disse Mário Lino.
Tomei conhecimento destas espantosas declarações do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações através do Táxi Pluvioso, as quais se inserem em elucidativo texto de teor ecuménico/poético/musical/ assinado pelo bloguista do Pratinho de Couratos.
É caso para se dizer: volta Américo, estás perdoado!

15/11/07

Bom, Interrompe-se aqui a Brincadeira, porque Isto Agora É a Sério e Muito, Muito Wired

Regulamentos e procedimentos oficiais da prisão de Guantánamo Bay andam a circular por aí. Tinham sido postados pela Wikileaks.org. mas o link deixou de funcionar. A revista Wired deu com a coisa e postou a notícia com link para o documento em PDF. Quem queira ler a notícia, é só clicar aqui. Ou aceder directamente ao documento for official use only aqui. Aviso à nevegação: a leitura é indigesta.

Uma Musiquita para Descontrair, já que, como Dizia o Keynes, «a Longo Prazo Estamos Todos Mortos»


Cena de Cien Muchachas, filme mexicano de 1957

14/11/07

De como a Cóltura Pode Subir à Cabeça das Pessoas com Evidente Mau Resultado ou, Citando António Maria Lisboa, «Eu num Camelo a Atravessar o Deserto»

É de um provincianismo atroz pensar que só se qualifica a cultura mostrando o que é nosso. Isso é serôdio e provinciano, exclamou, indignada, a Ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, uma mulher do mundo, supõe-se, apesar de só na década de 90 do século XX ter descoberto que Estaline fora um ditador sanguinário.
Descontada a falta de vocabulário visível na repetição dos termos «provincianismo» e «provinciano», pouco abonatória da responsável máxima da cultura nacional, e o facto de, apesar de ter estudado Eça, parecer ter esquecido os ensinamentos do mestre – o qual bem lembrou que «Por toda essa antiga Europa real, se vêem multidões de politiquetes e de politicões enflorados, emplumados, atordoadores, cacarejando infernalmente, de crista alta» –, gostaria de perguntar de que cosmopolitismo se reclama alguém que a última vez que foi vista montava um dromedário num dos paises mais serôdios da actualidade, a saber, a Arábia Sáudita, e que, além de serôdio, é também uma das ditaduras mais repressivas do planeta? Ou terá a senhora ministra aprendido o significado da palavra com esse milionário tão, tão cosmopolita que conseguiu fazer fortuna num terra onde nem brancos e pretos se podiam misturar?

13/11/07

Café Philo: a Alta-Filosofia Bebe-se na Pastelaria

The Philosophers' Drinking Song



SEGUE A LETRA

Immanuel Kant was a real pissant
Who was very rarely stable.
Heidegger, Heidegger was a boozy beggar
Who could think you under the table.
David Hume could out-consume
Wilhelm Friedrich Hegel, [some versions have 'Schopenhauer and Hegel']
And Wittgenstein was a beery swine
Who was just as schloshed as Schlegel.
There's nothing Nietzsche couldn't teach ya
'Bout the raising of the wrist.
Socrates, himself, was permanently pissed.
John Stuart Mill, of his own free will,

On half a pint of shandy was particularly ill.
Plato, they say, could stick it away-

-Half a crate of whisky every day.
Aristotle, Aristotle was a bugger for the bottle.

Hobbes was fond of his dram,
And René Descartes was a drunken fart.

'I drink, therefore I am.'
Yes, Socrates, himself, is particularly missed,

A lovely little thinker,
But a bugger when he's pissed.

12/11/07

Um Poeta na Pastelaria. Servido a Quente. A Pastelaria Agradece. Na Verdade não Sabe como Agradecer. E Reafirma: ainda não Estamos Todos Parvos!

Texto e foto enviados por José Agostinho Baptista para a Pastelaria e que com muita honra se publicam
ASAE ... Entretanto, o coelhinho beirão, que ao fim de tantos anos acabou por comprar uma Gillette Mach 3 Turbo, made in largo do rato, e quis limpar a sua face poluída, como acólito supremo do sistema maçónico e tenebroso, fala da grandiosidade do paraíso sochialista que já esqueceu os entre-os-rios e todas as outras tragédias lusitanas e democráticas. Casas pias, apitos dourados, e outros que tais, como, por exemplo, o roubo de galinhas no quintal da princesa de Caneças. Para eles, é tudo igual.
Eu também seria capaz de amar este e outros homens da mesma estirpe, se tivesse o orgulho nacional de ter perdido todos os jogos do Campeonato do Mundo de Rugby e fosse o lobo que já não existe em serra nenhuma de Portugal. Eu seria capaz de amar o primeiro-ministro com o meu nome próprio (que infelicidade a minha, meu pai!) e outro (apelido?) de um grego maluco e genial, eu seria capaz de amar este rapaz quarentão e elegante que inventou cursos superiores (?) e gosta de percorrer, seminu, as cidades decadentes da sua Europa. Que corpo aceitável, se ao menos, por dentro, tivesse uma alma...
Depois, eles surgem, flamejantes, os rambos do novo fascismo, os fiscais castradores do prazer e da economia. Os lacaios do "homem melhorado". Com os seus blazers da Maconde, invadem cidades, litorais e serras, oferecem chocolates e gelados às criancinhas, manipulando-as até à delacção. Medronho caseiro, "rancho", "dobrada" chouriços que não passam pelos famosos computadores nacionais do primeiro-ministro doutor-engenheiro-imperador, corredor de maratonas da treta, frio e cibernético homem moderno que acha que nas Beiras e em Trás-os Montes os que lá vivem devem fazer farinheiras informatizadas, tudo deverá ser proibido e penalizado com coimas para o Estado da penúria.
Por isso, os rambos lusitanos, à boa maneira dos Reagan, Ford e Bush, depois de despirem os blazers que lhes realçam a pança, trazem à presença dos pais e familiares das crianças ludibriadas, as suas verdadeiras vestes de polícias de choque. São estes representantes do mau-gosto, da destruição da sensibilidade e do prazer que querem zelar pelos nossos hábitos (pela nossa saúde, salvo seja), líquidos e sólidos. Heróis do homem novo (?) é vê-los, intrepidamente, a invadir o dia-a-dia de quem só quer degustar. Destroem tudo, menos o que não presta. Impõem pizzas e hamburgers, coca-cola e sumol, sumos diversos a martelo, fumos de fábricas e automóveis, mas do demoníaco tabaco, nunca.
Manipuladas pela TV, as mentes escravizadas olham para o lado e aceitam. Os "pivôs" (que palavrão das modernas mentiras ortográficas) dirigem-se-nos, impávidos ou sorridentes, quer anunciem a dor ou a morte, ou um concurso de parolos. Cumprem a mensagem dos chefes, sejam eles do capital ou da política, irmãos siameses da mesma desgraça. Muito futebol (mau futebol), axns e doutores house, ou a burguesia entulhada em psiquiatras e farmácias. Vivam os pachecos e os marcelos, as águas pôdres do pântano, e o nosso querido presidente que desde Boliqueime só viu as praias à distância.

Seja o que For que se Pense do Caso Maddie ou Mesmo que não se Pense Nada

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10/11/07

Norman Mailer

Deixou hoje de ser visto. Quem nunca leu Praias da Barbaria (Portugália, 1961) perdeu um dos grandes romances do século XX. Tinha dentro uma rapariga com os dedos que pareciam de madeira, amarelos do tabaco. É um livro estranho e relativamente curto (bem mais curto e bem melhor do que Os Nus e os Mortos...). Andará, talvez, pelos alfarrabistas.

Ah! Grande Vasco! ou como ainda não Estamos Todos Parvos

Quando a imprensa inglesa e americana anuncia que a proibição de fumar em restaurantes não teve efeitos visíveis na saúde pública, em Portugal essa mesma proibição entrará em vigor a 1 de Janeiro de 2008. O que me espanta nisto não é a extravagância do acto em si. Duas coisas me parecem muito piores. Em primeiro lugar, a facilidade com que em todo o Ocidente o Estado resolveu intervir na vida privada de cada um e negar radicalmente o direito de propriedade (impedindo, por exemplo, que se criem restaurantes de fumadores), sem um protesto sério em parte alguma. Em segundo lugar, a rapidez com que o fumador foi socialmente estigmatizado e o vício de fumar (há 20 anos, normal e aceitável) se tornou quase o que era antigamente uma blasfémia, uma profanação ou uma heresia. Isto não anuncia nada de bom. Por um lado, porque fatalmente à campanha contra quem fuma se vai seguir a campanha contra quem bebe e a campanha contra quem come o que não deve ou come demais. E talvez, mais tarde, a campanha contra o “sedentarismo” e a falta de exercício. Não custa nada argumentar com as doenças que o álcool e a gordura provocam (tantas como o tabaco), ou retirar do mercado “produtos de risco”, ou vigiar o que os restaurantes servem. Por outro lado, já se viu que o poder do Estado para converter a populaça ao objectivo tenebroso de “melhorar o homem” é hoje ilimitado. A metamorfose das democracias do Ocidente em totalitarismos de uma nova espécie não incomoda ninguém. Não uso a palavra descuidadamente (não uso, de resto, nenhuma palavra descuidadamente): para Hitler (que não fumava, nem bebia), o alemão perfeito não andava muito longe do perfeito espécime do Ocidente contemporâneo. Imagino muitas vezes quem, de facto, quererá este mundo sufocante e asséptico, obcecado com a “saúde”? Gente, como é óbvio, com pouca imaginação. Por mais forte que seja o culto e a idolatria do corpo, a velhice chega. E, com ela, a irrelevância, a obsolescência, a solidão. Esta sociedade de velhos trata muito mal os velhos. A ideia (e a propaganda) de uma adaptação contínua é uma grande e cruel mentira. Os velhos são um embaraço. Um peso que se atura, que se arruma num canto, que se mete num “lar”. Setenta anos de esforço para durar acabam num limbo à margem da verdadeira vida, quando não acabam no sofrimento e na miséria. O Ocidente está a criar um inferno. Por bondade, claro.
Crónica assinada por Vasco Pulido Valente no Público
(Há dias escrevi um post relacionado com o assunto: quem tiver paciência, clique aqui)

Mudança de Visual

Deus ajuda quem muda e eu mudei. Limitada à minha parca sabedoria, a brincadeira ficou-se por umas pinceladas de tinta e uns ajustes no lettring. Não sei se gosto do resultado. E andava eu a reflectir sobre isso quando descobri isto:



Depois descobri isto:



Como terá verificado quem se deu ao trabalho de clicar nos vídeos, também eles mudaram. Contudo, se repararem bem, continuam a dançar mal pra caraças. Pois. Não sei se gosto do resultado... mas sempre ouvi dizer que Deus ajuda quem muda. Até os ateus. Desabafo final: pede-se aos eventuais opinion makers das caixa de comentários que se abstenham da piada do "mudasti! mudasti!"

08/11/07

O Almocreve das Petas e a Síndrome de Bartleby

Todos os bloguistas sofreram, sofrem ou sofrerão um dia da síndrome de Bartleby: a caixa de mensagens em branco e uma vontade danada de silêncio. A todos eles, recomendo a leitura deste post inspirador:

Temos andado ... assim!
... a cavalgar o mundo, perdidos nas distâncias e nas almas. Parecemos lobos em deserto puro. Mas não muito! Fugimos à nova noite negra política que se instalou definitivamente entre nós. Não temos nada a dizer, não temos nada a contar. Não adormecemos ainda mas também não vemos o sol. Estamos cansados de estar cansados. De nós, todo "o destino é insuportável". A canalha já pouco nos importa e as manobras de todos vós não deixam de ser um raminho de dia de defuntos. Podem ser assunto civilizador mas o relógio da vida está parado. Sempre, e continuadamente, parado. Quisemos descansar de tanto palavreado inútil, de tanta propaganda pífia, de tanta soberba. Por isso só nos ocorre esse lugar-comum quanto exacto: temos a vida e os governantes que merecemos. Mas estamos de volta. Para o que der e vier. Bom dia!
Isto, com a devida vénia, foi tirado daqui.

Interregno Musical: 2 Gigantes do Flamenco


Rafael Romero e Antonio Nuñez Montoya, El Chocolate. Para o Pedro Caldeira.

07/11/07

Os Petiscos ou a História da Cenoura e do Burro

Não me interpretem mal. Eu adoro salada de rúcula, tapas de salmão fumado, pasta al dente, tomate com mozzarella e comida japonesa. Ainda assim, custa-me perceber porque desataram os pratos referidos a invadir os restaurantes portugueses de Norte a Sul, à custa de outros sabores como as sardinhas assadas, os pastéis de bacalhau, a salada de grão, os peixinhos da horta, as batatas a murro, as ameijoas à Bulhão Pato, o xarém de conquilhas, sei lá eu. Não me interpretem mal: o meu paladar não sofre de qualquer desvio nacionalista nem a globalização é para aqui chamada. Porque onde é que já se viu os franceses cortarem no camembert, os espanhóis largarem os pimentos padrón ou os belgas os mexilhões?
Eu sei que às brigadas da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica não é isto que as preocupa. Mas será o seu zelo higienista alheio ao caso? Porque o caso é este: qualquer dia, arriscamo-nos a fazer o papel daquela personagem criada em 1973 por Woody Allen para Sleeper, comédia de ficção-científica em que o dono do restaurante Happy Carrot dava entrada no hospital e, por acidente, era posto a dormir durante 200 anos, ressuscitando num mundo completamente diferente. Dois séculos passados, o que ele continuava a não perceber, in the first place, é como é que tinha adoecido se só comia cenouras.

06/11/07

Dry Martini na Pastelaria para que não Digam que isto É um Blogue de Copinhos de Leite


Cena de O Charme Discreto da Burguesia, filme de Luis Buñuel de 1972 onde havia uma rapariga que fumava mais do que eu porque fumava a comer a sopa.

05/11/07

E para Continuar com a Boa Disposição Façamos então de Conta que isto nos Consola

A arte é tudo - tudo o resto é nada. Só um livro é capaz de fazer a eternidade de um povo. Leónidas ou Péricles não bastariam para que a velha Grécia ainda vivesse, nova e radiosa, nos nossos espíritos: foi-lhe preciso ter Aristófanes e Ésquilo. Tudo é efémero e oco nas sociedades - sobretudo o que nelas mais nos deslumbra. Podes-me tu dizer quem foram, no tempo de Shakespeare, os grandes banqueiros e as formosas mulheres? Onde estão os sacos de ouro deles e o rolar do seu luxo? Onde estão os olhos claros delas? Onde estão as rosas de York que floriram então? Mas Shakespeare está realmente tão vivo como quando, no estreito tablado do Globe, ele dependurava a lanterna que devia ser a Lua, triste e amorosamente invocada, alumiando o jardim dos Capuletos. Está vivo de uma vida melhor, porque o seu espírito fulge com um sereno e contínuo esplendor, sem que o perturbem mais as humilhantes misérias da carne!
Nada há de mais ruidoso, e que mais vivamente se saracoteie com um brilho de lantejoulas - do que a política. Por toda essa antiga Europa real, se vêem multidões de politiquetes e de politicões enflorados, emplumados, atordoadores, cacarejando infernalmente, de crista alta. Mas concebes tu a possibilidade de daqui a cinquenta anos, quando se estiverem erguendo estátuas a Zola, alguém se lembre dos Ferry, dos Clemenceau, dos Cánovas, dos Brigth? Podes-me tu dizer quem eram os ministros do império em 1856, há apenas trinta anos, quando Gustave Flaubert escrevia «Madame Bovary»? Para o saber precisas desenterrar e esgaravatar com repugnância velhos jornais bolorentos: e achados os nomes nunca verdadeiramente poderás diferenciar o sujeito Baroche do sujeito Troplong: mas de «Madame Bovary» sabes a vida toda, e as paixões e os tédios, e a cadelinha que a seguia, e o vestido que punha quando partia à quinta-feira na «Hirondelle» para ir encontrar Léon a Rouen! Bismarck todo-poderoso, que é chanceler e de ferro, daqui a duzentos anos será, sob a ferrugem que o há-de cobrir, uma dessas figuras de Estado que dormem nos arquivos e que pertencem só à erudição histórica: o papa Leão XIII, tão grande, tão presente, que até as crianças lhe sabem de cor o sorriso fino, não será mais, na longa fila dos papas, que uma vaga tiara com um número; mas duzentos anos passarão, e mil - e o nome, a figura, e a vida de certo homem que não governou a Alemanha nem a Cristandade, estará tão fresca e rebrilhante como hoje na memória grata dos homens.
Eça de Queirós, Prefácio dos Azulejos do Conde de Arnoso

04/11/07

O Maestro Sacode a Batuta - e Siga a Banda!


Nino Rota, tema de 81/2 de Frederico Fellini, 1963 E parafraseando Billy Wilder: «Um mundo que conseguiu criar o Taj Mahal, William Shakespeare, (a música de Nino Rota) e pasta de dentes às riscas não pode ser assim tão mau»

Música na Pastelaria porque Hoje já não É Sábado


Ella Fitzgerald e Joe Pass, Cry Me a River

03/11/07

Porque Há Coisas que me Irritam: Michel Houellebecq

No 2+2=5, este post, que remete para uma divertida reportagem publicada no Libération, dá conta de um encontro universitário que decorreu em Amesterdão a propósito da obra de Michel Houellebecq, escritor francês perseguido pelo escândalo ou vice-versa, e no qual algumas cabeças pensantes depositaram a coroa de salvação da literatura francesa. Incompetente para falar de assunto de tal envergadura (a saber, o de saber se a literatura francesa precisa ou pode ser salva), tenho, no entanto, opinião sobre o escritor Houellebecq. Opinião que saiu reforçada pela leitura de algumas pérolas que lhe dedicaram os críticos reunidos na Holanda: agradou-me em particular esta, proferida por uma investigadora da Universidade de Oslo (seja qual for o seu significado):«Num mundo em dissolução, incontrolável, só o corpo permanece resgatável». Lembrei-me, então, de resgatar e adaptar alguns textos sobre os livros deste autor. Começo por Plataforma (Bertrand, 2002).
A história contada em Plataforma, livro que tanto sururu provovou, resume-se em poucas penadas. Michel é um funcionário público que trabalha no Ministério da Cultura. A sua vida consiste em orçamentar eventos que quase sempre abomina, «ir dar uma volta por um peep-show» ao fim da tarde e adormecer diante do televisor ao fim da noite. Um dia, durante uma semana de férias na Tailândia, cruza-se com Valérie, jovem funcionária da agência Nouvelles Frontières, e o exotismo do local trespassa-lhe a existência: apaixona-se. Valérie idem. Michel deixa de frequentar os «peep-shows» e o casal passa a fazer amor sempre que pode, por vezes com a ajuda de um ou outro parceiro (nada de particularmente promíscuo). Entretanto, a jovem muda de agência e, em conjunto com o novo chefe, decide criar uma rede de turismo lícito e sexual, ideia que recebe o apoio de uma sociedade alemã. No dia da inauguração do primeiro clube, de novo na Tailândia, um grupo islâmico fundamentalista ataca o hotel. Há mortes, e o romance acaba mal.
À conta do livro, Houellebecq teve vários processos na Justiça. Grosso modo, as acusações diziam respeito à presumível promoção do ódio contra os árabes e defesa do proxenetismo. Uma entrevista dele à «Lire» deu o toque a rebate. Bem bebido, o escritor fez declarações chocantes (ou que, pelos vistos, chocaram). Eis alguns exemplos: «A prostituição, acho muito bem. Como profissão, não é assim tão mal paga»; «O Islão é uma religião perigosa, e isto desde que apareceu. Felizmente, está condenada»; «Claro que há vítimas nos conflitos do Terceiro Mundo, mas são elas próprias que os provocam. Se os pobres idiotas se divertem a extirpar-se, deixá-los»; «Quando era novo, ele (De Gaulle) irritava-me. (...) acabo por simpatizar mais com Pétain»; «A abolição da pena de morte está bem... mas não faço disso uma questão de princípio», etc., etc. (também disse que «não há ideias de direita», para justificar porque é que só atacava as de esquerda).
Apesar de Houellebecq insistir na clássica distinção entre autor e personagem, a referida entrevista veio permitir estabelecer uma certa proximidade entre o Michel-narrador e o Michel-escritor. A primeira questão que se coloca, contudo, é saber se o facto de o segundo preferir o colaboracionista Pétain ao resistente De Gaulle é relevante para a qualidade literária. Não, decididamente. A segunda é saber se o livro é bom, mau ou assim assim.
Pois bem, é assim assim. Começa com garra, aguenta as personagens, tem cenas de sexo bem esgalhadas, mantém um estilo coerente, neutro e seco. Então, o que falha? O reaccionarismo? Que se lixe o reaccionarimo. O problema de Houellebecq é aquilo a que poderíamos chamar simpaticamente «excesso de ideias». Se em As Partículas Elementares a fusão da biologia com a física quântica vinha permitir a clonagem do «homem novo» (através de um chato arrazoado pseudocientífico), em Plataforma, agora por intermédio do sexo (que se identifica com amor, numa repescagem requentada de Reich), o que se propõe é salvar o Ocidente caduco. Megalómano, confundindo literatura com análise sociológica, o escritor perde o pé. Não resiste a apresentar soluções pueris - Oh L’amour! - e supostamente universais. Compreende-se, assim, porque insiste tanto no seu ódio a Céline. É que esse desconhecia soluções, convicto de que o mais provável é que daqui ninguém saia vivo. Em resumo: sob o manto diáfano da irreverência esconde-se um menino de coro que tresanda a kitsch.

01/11/07

A Nomenclatura Europeia Criou um Paraíso Artificial e Chamou-lhe União*

Ninguém me mandou ser parva, mas resolvi dedicar parte deste simpático feriado ao tema do Tratado Europeu, o tal sobre o qual Sócrates não se conteve e gritou para Barroso em português técnico, «porreiro, pá». Ainda o feriado não ia a meio da manhã, e eu já desistira. Transcrevo alguns excertos breves (às cores, para ser mais fácil), só para perceberem que não foi por má vontade.
TENDO EM CONTA a importância fundamental de que o acordo quanto à decisão do Conselho respeitante à aplicação do n.º 4 do artigo 9.º-C do Tratado da União Europeia e do n.º 2 do artigo 205.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia entre 1 de Novembro de 2014 e 31 de Março de 2017, por um lado, e a partir de 1 de Abril de 2017, por outro (a seguir designada por "decisão"), se revestiu aquando da aprovação do Tratado que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia,
ACORDARAM nas disposições seguintes, que vêm anexas ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia:
(a suar do esforço, não consegui ler o resto)
A Conferência declara que a decisão relativa à aplicação do n.º 4 do artigo 9.º-C do Tratado da União Europeia e do n.º 2 do artigo 205.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia será adoptada pelo Conselho na data de assinatura do Tratado que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, e entrará em vigor na data de entrada em vigor do referido Tratado.
(não percebi do que estavam a falar e olhem que eu não me considero mais burra do que os tipos que escreveram isto)
O Parlamento Europeu é composto por representantes dos cidadãos da União. O seu número não pode ser superior a setecentos e cinquenta, mais o Presidente. A representação dos cidadãos é degressivamente proporcional, com um limiar mínimo de seis membros por Estado-Membro. A nenhum Estado-Membro podem ser atribuídos mais do que noventa e seis lugares.
(este naco, em particular, cheirou-me a esturro, principalmente porque Portugal, pelo menos desde que entrei para a escola primária, há uns aninhos, estagnou nos 10 milhões de habitantes)
A Conferência salienta que, em conformidade com o sistema de repartição de competências entre a União e os Estados-Membros, previsto no Tratado da União Europeia e no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pertencem aos Estados-Membros as competências não atribuídas à União pelos Tratados.
(pareceu-me uma verdade de La Palisse mas os gajos se calhar estão-me a enganar)
A Conferência declara que, se o Tribunal de Justiça solicitar, em conformidade com o primeiro parágrafo do artigo 222.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que o número de advogados-gerais seja aumentado de oito para onze (mais três), o Conselho, deliberando por unanimidade, aprovará o referido aumento.
Nesse caso, a Conferência acorda em que, como já acontece com a Alemanha, França, Itália, Espanha e Reino Unido, a Polónia terá um advogado-geral permanente e deixará de participar no sistema de rotação, enquanto que o actual sistema de rotação abrangerá cinco advogados-gerais em vez de três.
(então o recém-chegado par de gémeos já nos está a passar a perna?)
A Conferência declara que serão estabelecidos os contactos adequados com o Parlamento Europeu durante os trabalhos preparatórios que precederão a nomeação do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, que deverá ocorrer na data de entrada em vigor do Tratado que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, de acordo com o artigo 9.º-E do Tratado da União Europeia e com o artigo 5.º do Protocolo relativo às disposições provisórias, e cujo mandato decorrerá desde essa data até ao termo do mandato da Comissão em exercício nesse momento.
(um super-super-super-super-super polícia? Será que vai finalmente encontrar a Maddie?)
Chegada a este ponto, humilde embora tardiamente reconhecida a Platão pela clareza de Timeu, fui tomar uma Aspirina. Para quem quiser e conseguir ler o resto, informo que os excertos foram retirados daqui (e para quem for completamente masoquista...).
* Frase roubada a António Barreto