MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Ode Triste à Alegria»

 «(...) Uma tristeza mansa – que a guerra na Ucrânia mascarou, e mascara, de bravura por procuração – combatida cientificamente por pílulas antidepressivas para consumidores dos sete aos 77, medidas proteccionistas alicerçadas em estudos estonteantes, estatísticas assombrosas e provas fenomenais, um controlo exponencial de vícios públicos e privados, eticismo publicitário e propagandístico (a chamada "capitalização do Bem"…) e, tão inevitável como a morte e os impostos, um quadro legislativo! Ah! O quadro legislativo, o nosso amado Santo Graal.

Entre nós, onde pára a alegria? Em Coimbra, no rescaldo dos concertos dos Coldplay? No riso amarelo que nos provoca a novela imaginária escrita pelo ministro do Planeamento e das Infra-Estruturas, 'O Estranho Caso do Assessor Que me Entrou pelo Ministério adentro' (José Pinto Carneiro e André Fernandes Jorge que me perdoem)? (...)»

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «PROÍBE QUE EU GOSTO»

 

« (...) Se o novo delírio higienista e proibitivo for avante – relembro: interdita a venda de tabaco em restaurantes, cafés, bombas de gasolina e etc.; proibido fumar em esplanadas com algum tipo de cobertura, assim como à porta dos estabelecimentos… – será um entre os quase todos que fecharão as portas. E se já em nenhum local do concelho se vende jornais ou revistas (livros nem se fala…), é só acrescentar que em nenhum local do concelho se venderá tabaco (a tabacaria mais próxima fica a cerca de 40 quilómetros tanto para norte como para sul, sendo que para norte não há transportes e para sul só durante o período escolar). Os velhos e os loucos, estes últimos todos fumadores, morrerão fechados em casa por certo cheios de saúde!

Por falar em loucos – são vários os vizinhos que confessadamente ouvem vozes e entre os que não as ouvem não falta desalento –, em Outubro de 2022 o nosso jardim à beira-mar era considerado o segundo país da OCDE com maior consumo de antidepressivos, com um aumento desde 2015 de 45%! Quanto ao álcool, “Portugal é o país do mundo que consome mais vinho per capita”, noticiava há dias a Lusa. E se nunca se viu ninguém matar por engolir o fumo de um cigarro, não poucas vezes do vinho resulta grossa violência.

Considerados os dois dados – e, no que respeita ao álcool, os estragos são bem visíveis, além de hereditariamente transmissíveis –, a obsessão com o tabaco mostra-se ainda mais estranha, mesmo supondo que o pesadelo de uma sociedade asséptica e livre de riscos fosse possível.

Zygmunt Bauman escreve em "Modernity and the Holocaust" (sem tradução em Portugal): “Sem se ter refeito completamente da demolidora verdade do Holocausto, Dwight Macdonald advertia em 1945 que devemos agora temer mais a pessoa que obedece à lei do que a pessoa que a viola”.

Esperemos não ter de chegar a tanto. Ou como dizia o grande autor e actor cómico Karl Valentin: “Esperemos que não seja tão grave como já é”.»

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Mas as crianças, Senhor»

« (...) às crianças de sete e oito anos era pedido nas tais provas de aferição de Expressão Artística que imitassem o som de um sapo cego.

(...) Chegados aqui, só podemos concluir que se atingiu o paroxismo, não da inovação pedagógica, mas de uma verdadeira revolução pedagógica. Os infantes deste país a trautear a famosa canção "Eu vi um sapo", agora na versão invisual do anfíbio, filas e filas de miúdos alegres e saltitantes, cantando e rindo e lá vão eles coaxando de Norte a Sul incluindo Madeira e Açores, quiçá pelos caminhos de todos os países de língua oficial portuguesa, incluindo a Guiné Equatorial.

(...) As provas de aferição já tinham tido aquele pequeno problema de serem este ano realizadas digitalmente.

(...) Num paralelo com a quadra de António Aleixo – “A rica tem nome fino/ A pobre tem nome grosso/ A rica teve um menino/ A pobre pariu um moço” – aos filhos pequenos dos gurus da informática, os pais inscrevem-nos em escolas onde o recurso a computadores é reduzido; já as cabeças brilhantes que dirigem o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) consideram que o uso precoce de computadores não traz problema nenhum, antes pelo contrário.

Cito as declarações do presidente do IAVE publicadas neste jornal, garantindo que “os alunos não irão notar qualquer diferença, ‘vão achar que estão a aceder a um browser e à Internet’”. Naturalmente, estaria a referir-se (espero!) a estudantes mais velhos, mas porquê a teimosia em alargar o processo a alunos tão novos? (...)

Uma explicação plausível. À imagem dos filhos dos operários de antanho que convinha aprenderem um ofício mal largavam as fraldas, também agora as criancinhas, com excepção dos filhos dos muito ricos, devem ser imediatamente preparadas para a vida real, até porque no futuro subir às árvores e esfolar os joelhos, por exemplo, será uma actividade a que só terão acesso os privilegiados com direito a desfrutar… de árvores, precisamente. (...)»

MUITO BEM, LULA A FALAR DE JULIAN ASSANGE EM LONDRES

 

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Quando os livros, e não o céu, nos caem na cabeça»

« (...) Rendida ao desmoronamento e ao caos, acabo por adiar a acareação com os estragos. Saco do chão um título ao acaso e calha-me o recente ensaio da Dom Quixote Linguagem e Verdade, de Salman Rushdie, esparramado no capítulo “A Caneta e a Espada. O Congresso Internacional do PEN de 1986”.

Leio que as mulheres presentes reclamaram da escassa presença feminina e que, a contracorrente, Susan Sontag declarou que “a literatura não é um empregador de igualdade de oportunidades” – começo a sorrir –, depois que o próprio Rushdie, tentando acalmar os ânimos, lembrou que “era o único representante do subcontinente indiano, ou seja, de um quinto da espécie humana” – continuo a sorrir –, e chego à parte em que ele conhece Donald Barthelme [escritor singular falecido em 1989 com dois livros de contos publicados na Antígona]: “Lembro-me de ter conhecido Donald Barthelme, cujo trabalho eu adorava, mas que estava tão bêbedo que tive a sensação de não o ter realmente conhecido. (Quando falei disto a um escritor americano amigo, ele disse-me: ‘Não, tu conheceste-o. Ele era assim.’).” Chegada aqui, já me estou a rir e esqueci Manguel.

E agora para terminar e porque escrevo no dia 1 de Maio e falei de livros, nada como regressar ao humor do velhinho Sholom Aleichem: “Meu caro Yankel: pedes-me que te escreva uma carta longa […] mas de facto não há muito para dizer. Os ricos continuam ricos e os pobres estão a morrer de fome, como sempre. O que é que isso tem de novo?”

Ah! E, entretanto, também li que Lídia Jorge ganhou mais um prémio literário. Bisando a pergunta anterior: o que é que isso tem de novo?»

MOMENTO TEATRAL A PROPÓSITO DE GALAMBA

DIÁLOGO NA VIA PÚBLICA ALGURES EM LISBOA, NOITE CERRADA

Tipo do SIS: Então, o que traz no regaço? São rosas?

Assessor: Não, é o computador.