29/04/14

Os que vão morrer, te saúdam!

Pronto. Já está. Já passou. Já foi e não doeu nada. Daqui a 10 anos, os sobreviventes festejarão de novo a data apesar do reumático. A pergunta “onde é que você estava no 25 de Abril?” fará cada vez menos sentido e haverá cada vez mais gente a baralhar 1974 com 1794, ano em que Robespierre mandou guilhotinar Danton, para morrer ele próprio de cabeça decepada pouco tempo depois, episódio que ainda hoje contribuirá em muito para fundamentar a ideia de que a natureza humana é mesmo do piorio.
Por cá, tivemos o Salgueiro Maia mas, ainda assim, há quem ache que nunca fiando...
“O caso do Salgueiro Maia é um caso comovente, para nós portugueses e para nós sociedade foi um bem ele ter morrido. É muito cru dizer isto, para a família e para ele é uma infelicidade, mas nós precisávamos de um puro. (...) Se ele continuasse a viver não sei se aguentaria isso. Não é possível tanta aspiração de beleza e de pureza numa figura viva”, resumiu cruamente Lídia Jorge, naquilo que poderá ser interpretado como uma defesa do axioma “um herói bom é um herói morto”, e isto apesar de Tolstoi se ter fartado de escrever romances que provam o contrário.
Claro que Tolstoi só há um e mais nenhum, mas se o cinismo entretanto não nos matar a todos, e a descrença não nos liquidar de tristeza, alguns estarão cá para os festejos, portanto, daqui a 10 anos, mas daqui a 100, pevides.
Daqui a 100 talvez nem haja Portugal, conforme apontam as estatísticas da nossa escassa reprodução, cumprindo-se por essa via (ínvia?) o desabafo de Sena: “O nosso problema não é salvar Portugal, é salvarmo-nos de Portugal”.
O tempo, esse grande escultor, aproximará ainda mais o 25 de Abril do 5 de Outubro, mandando para o galheiro da História as declarações pomposas de Luís Montenegro (que, aliás, tinha um ano e usava fraldas no 25 de Abril): “Isto não é o 5 de Outubro na Praça do Município”, justificando assim o inconseguimento de não deixarem falar os militares de Abril na Assembleia da República, e eu se fosse militar também me chateava, pá e mandava o Luís Montenegro mudar de fraldas (citando naturalmente Eça...), já que a ingratidão é uma coisa muito feia e esta coisa do “25 de Abril é de todos”, como disse o ministro da Defesa, pode cair muito bem num salão 40 anos depois, mas o facto é que alguém teve de dar o corpo ao manifesto que não se foi lá por geração espontânea nem por obra e graça de nenhum soft power sagrado.

20/04/14

Isto não é uma parábola pascal

Não, não vou citar o "Porque Não Sou Cristão" do Bertrand Russell. Nem sequer debruçar-me sobre a contumaz questão do "porque" e do "por que". Vou apenas explicar a razão de ser do meu anti-proselitismo, incluindo o religioso.
Era eu menina e moça e fui visitar durante o Verão o Bom Jesus de Braga, na companhia de uns amigos dos meus pais que costumavam passar férias no Norte. Mais ou menos a meio da escadaria do Santuário, tropeço, quase literalmente, numa crente muito velha que subia os degraus de joelhos, ladeada por duas jovens que iam a pé agarradinhas cada uma ao seu rosário. Os joelhos da velha sangravam e o ar parecia-lhe custar a sair, ou a entrar, dos pulmões. Tive uma reacção puramente física de indignação, ou seja, a cena provocou-me vómitos.
Na minha inocência de menina e moça, o que mais me custava entender era o facto de as duas jovens parecerem não se importar com o sofrimento da crente, caminhando impávidas e alheadas a seu lado, como se não fosse nada com elas. Não me aguentei, e fui tentar ajudar a velha a levantar-se. Naturalmente, a velha não queria levantar-se.
Gerou-se pois uma grande confusão, os amigos dos meus pais tiveram de intervir, mas do que nunca mais me esqueci foi do ar desvairado e acusatório de uma das acompanhantes que gritava que agora a avó (era a avó) tinha de recomeçar tudo de novo, lá de baixo, porque eu dera cabo da promessa!
Vá lá uma menina e moça encher-me de boas intenções para ajudar o próximo!
Serviu-me de lição. Na realidade, duas. Nem sempre quem te quer bem te faz bem, e quando e se fizeres bem prepara-te para levar porrada em troca. São duas lições que me têm sido muito úteis ao longo da vida.

17/04/14

Jorge Fallorca: Junho de 1949/ Abril de 2014

Estava doente. Melhorou. Adoeceu de novo. Piorou. Depois morreu. Acho que foi Nabokov quem disse que a morte era uma banalidade. Quanto ao Pessoa, escreveu: “Morrer é só não ser visto.” Apesar disto, nem uma palavra? Afinal, caros senhores, morreu um poeta. E fosse o mundo um sítio recomendável, um poeta valeria decerto mais do que um alqueire de banqueiros.
Manuel António Pina vaticinou: “A poesia vai acabar, os poetas/ vão ser colocados em lugares mais úteis./ Por exemplo, observadores de pássaros/ (enquanto os pássaros não/ acabarem).” Sábio, porém, é quem discorre assim:
“Antes que seja tarde, devo dizer que considero o acto de escrever pouco saudável.
E gostaria que o tom fosse considerado como um desabafo, e não confessional.
Decorrido meio século de existência, aprendi a coabitar comigo mesmo.
Quer essa relação se assuma como um comovido flash back, ou um severo ajuste de contas.
Felizmente, sobra-me mais tempo para esquecer, do que para emendar.
Decorrido meio século de existência, li e escrevi o suficiente para considerar a escrita - como qualquer outro acto criador - antropófaga até à vileza.
Ninguém se surpreenderá se afirmar que a minha geração superou esse objectivo.
Excedendo-se no show off, ou no strip-tease onanista, onde um predisposto auditório se reconhece e excita.
A leitura das gerações que me precedem, em nada têm contribuído para perturbar, ou abalar, este assumido preconceito.
Os Pessoa, Kérouac, Ginsberg, Hemingway, Michaux, Aquilino, Cardoso Pires, o exaltante Saint John Perse, ou o inevitável Herberto, todos me recusaram uma escrita límpida e saudável.
Até mesmo em O Sorriso Aos Pés da Escada, o único Miller que conservo, a beleza é perversa e sublinhada por um fio de pus.
Todos eles me envenenaram uma predisposição que começou por ser saudada na escola, e onde a família se conformou em depositar esperanças de que continuasse a ser bonita.
E, sobretudo, que tivesse futuro.
Antes que seja tarde, devo esclarecer que ainda hoje tenho relutância em considerar o futuro, e que me reservo o maior desprezo pelo presente.
Sem pretender a honestidade que, dificilmente, reconheço nos outros, arrisco que a escrita - como qualquer outro acto criador - precisa de vítimas.
E alimenta vítimas.”
Desculpem-me a citação longa. Não é preguiça, é dar a palavra a quem sabe: Jorge Fallorca, “Longe do Mundo”, 2004. Partiu. Deixa mulher, um filho e dois netos.

21/02/14

A Ucrâna? Pois, é complicado.

Ler aqui como neo-nazis ucranianos estarão metidos ao barulho.

Tic-Tac-Tic-Tac-Tic-Tac... e um dia faz PUM!

Nunca fui à Suíça. Também nunca fui ao Luxemburgo. No Luxemburgo dizem-me que é mais fácil um camelo passar por um buraco de uma agulha do que um luxemburguês ter sido lá nado e criado. Mais de 30% da população é de origem estrangeira e cerca de 16% portuguesa, o que talvez explique o facto de o 1º-ministro ter contratado uma empresa do Luxemburgo para lhe atender os telefones da casa de São Bento, na eventualidade de alguém lhe querer falar - e eu sei lá, há gente capaz de tudo! –, milagre da globalização e milagre do ajuste directo, neste caso à We Promote, detida pela Sociedade Comercial Silvas (Primos), S.A., detida, por sua vez, pela Finanter Incorporation, que, por sua vez... mas eu não sou de intrigas e também me chamo Silva: voltemos à bucólica Suíça.
Como dizia, nunca lá fui. Um amigo brasileiro com quem fui há muitos anos a Paris antes de eu ter ido com ele a Paris foi sozinho à Suíça. Louro e de olhos azuis, mais louro do que um suíço louro e com os olhos mais azuis do que um suíço de olhos azuis. Na altura, imperava a ditadura brasileira e o meu amigo vivia na Europa como refugiado político. Quando chegou à fronteira da Suíça, os suíços foram muito simpáticos porque pensaram que ele era um suíço louro & tal mas mal olharam para os documentos sentiram-se ludibriados porque ele era um selvagem brasileiro vindo do Rio Grande do Sul! Engavetaram o sorriso suíço e mandaram o meu amigo tirar as malas do carro. O meu amigo obedeceu civilizadamente e eis senão quando dá pelos guardas suíços com as manápulas enfiadas nos pertences, manuseando cuecas, camisolas interiores (por causa do frio da Europa...), lâminas de barbear e panfletos anti-fascistas. O meu amigo achou aquilo muito pouco civilizado e pensou em invocar a Convenção de Genebra. Lembrando-se que haviam sido os suíços a inventar o J dos passaportes judaicos, pediu-lhe que calçassem luvas. Os guardas, respeitadores da Lei, calçaram as luvas, vasculharam o que tinham a vasculhar e em seguida desmontaram peça a peça o carro do meu amigo que era um Mini amarelo no qual muitos anos depois, mas isso os suíços não o poderiam saber, haveríamos de ir os dois a Paris.
O meu amigo ficou com um grande pó aos suíços, incluindo o Alain Tanner que tinha feito “A Cidade Branca”. Eu o suíço de que mais gosto é do Robert Walser. E pronto. Para a semana talvez fale da Dinamarca, onde também nunca fui, mas que já me descreveram como sendo um país muito civilizado onde se matam girafas.

Uma piada seca chamada Europa

Supermercados portugueses com preços iguais aos de Berlim. Salários a rondar os valores da Conchinchina. União Europeia?! Estados Unidos da Europa?! Tudo a falar inglês técnico?! É o delírio!

Salários em Portugal ainda deveriam baixar entre 2% e 5%, defende Bruxelas

17/02/14

Conselho Nacional da Ciência e Tecnologia puxa as orelhas ao governo em comunicado público

O texto, bastante crítico sobre as políticas para a ciência de Passos Coelho e de Nuno Crato, pode ser lido aqui.

Tomai, embrulhai e ide pôr a excelência que vos enche a boca num sítio que eu cá sei!

14/02/14

Daquela vez que eu fui à Ásia e se falou da Maria João Avillez

[a propósito da Maria João Avilez ter escrito um livro sobre Vítor Gaspar]

Uma vez, estava eu na Ásia, a única vez que estive na Ásia, e tive uma ideia. Eu costumo ter ideias mesmo quando não estou na Ásia mas esta ideia foi na Ásia. Estávamos num jantar e eu tive uma ideia. Partilhei-a com as pessoas que estavam a jantar comigo e depois, passado um bocado, fomos todos para a cama. No outro dia, ainda na Ásia, fui dar um mergulho na piscina. Uma das pessoas que tinha estado comigo no jantar chegou à beira da piscina e disse-me: "Olhe, aquela ideia que teve ontem... era uma óptima ideia". Eu, que sou bastante mãos largas no que respeita a ideias, respondi enquanto sacudia os meus longos cabelos molhados (esta parte é ficção): "Qual ideia?". Acho que a pessoa não ficou com muito boa impressão minha derivado a eu já não me lembrar de qual era a ideia, mas relembrou-ma cortesmente. Eu disse: "Ah, essa ideia!" E depois acrescentei: "Mas a Maria João Avilez não escreveu em tempos um livro com base numa ideia parecida?" A pessoa que estava comigo na beira da piscina respondeu um pouco laconicamente: "Hummmm". Eu disse: "Não era bom, o livro?" E a pessoa, que era uma óptima pessoa, respondeu: "Olhe, era um livro, como direi, era um livro muito... olhe, muito Maria João Avilez." E depois fomos os dois tomar um gin que era quase hora do almoço na Ásia.

O mar enrola na areia...

Mar avança Portugal adentro. E se já jardim não somos, a continuar assim nem o à beira-mar plantado nos sobrará.

Ler notícia AQUI.

13/02/14

O Estado a que isto chegou II [e ainda os cravos da Joana Vasconcelos]

Viver Dentro das Nossas Impossibilidades

O primeiro-ministro foi ao Tramagal dizer, e cito de cor, que "estamos a caminhar para viver dentro das nossas possibilidades". O uso do plural majestático é manifestamente irónico embora, decerto, as figuras da retórica clássica não devam ser o "forte" da formação intelectual de Passos Coelho. Quem o conhece bem, disse-me outro dia que o chefe do governo se "sente" como um evangelista de "igrejas" como a IURD (salvo o devido respeito) que, uma vez recolhido o dízimo junto dos suspeitos do costume, fica como que tomado por uma "visão" escatológica em relação à sua função de pastor milenar da pátria. Depois de ter conseguido, pelo menos na semântica, mudar o sintagma "acima das nossas possibilidades" para o "dentro" delas, Passos com certeza quer significar por "dentro das nossas possibilidades" coisas como "habituem-se a viver na nova normalidade". O que, para a maior parte das pessoas, quer dizer "habituem-se a viver com as vossas novas impossibilidades". O que é certo é que esta mistificação, mais "espiritual" que política, vai fazendo o seu caminho comunicacional - o único que interessa fazer - enquanto o mais próximo candidato a sucessor deste notável evangelista, A. J. Seguro, cercado por dentro e por fora, aparenta não conseguir sair dos caminhos na floresta em que tanto se enfiou como o enfiaram. Por exemplo, hoje os juros da dívida 10 anos andam pelos 5%, o ministro da Defesa Nacional terá confessado a um general não entender "nada" de Defesa, o glorioso perdão fiscal do final do ano terá "custado" quase 500 milhões de euros em juros, coimas e derivados, os ajustes directos de 2013 terão ficado na orla do 2 mil milhões de euros, os famosos submarinos, em 300 milhões, o arbítrio da "avaliação do desempenho" passa a poder despedir democrático-cristã-livremente, mas um pensionista que receba três dígitos líquidos de rendimento já não tem dinheiro a meio do mês para poder "viver dentro das suas possibilidades"? As "novas impossibilidades" existem porque subsistem "velhas possibilidades" do tipo das indicadas que escapam ao vocabulário da promessa da felicidade "empresarial" que não entra no plural majestático do primeiro-ministro. Talvez a escultora do regime, a grande navegadora de cacilheiros Vasconcelos, consiga traduzir este "desígnio" original para os quarenta anos do "25 de Abril". Quem, melhor do que ela, poderia representar as nossas novas impossiblidades?

O Estado a que isto chegou.

Os cravos gigantes serão criados pela Joana Vasconcelos com a pele cristalizada de 40 toneladas de tomate (oferta da "Guloso") - cujas sobras reverterão para um mega-gaspacho na ponte 25 de Abril, confeccionado pro bono pelo Frater Sobral - e servirão para enquadrar, nas escadarias da Assembleia da República, a declamação por José Luís Peixoto (patrocinado pela República Democrática Popular da Coreia) do poema "Abril,  ó cucamandro, morrestes-mes!", enquanto, sobre o parlamento, adejará uma imensa gaivota-que-voa-que-voa montada a partir de 40 000 pensos higiénicos Evax Fina & Segura com asas.

Informação recolhida no blogue do João Lisboa, com mais desenvolvimentos poéticos aqui.

E para que não restem dúvidas sobre o facto de eu achar o director do Zoo dinamarquês um animal...

Aquilo que nos faz ter piedade dos animais em sofrimento é, ao contrário do que pensam alguns, não uma forma retorcida de desprezo pelo humano mas uma qualidade nossa de mostrar respeito pelo que é diferente de nós.
Marguerite Yourcenar, essa Senhora com S maiúsculo, resumiu-o numa simples frase: "Et puis, il y a toujours pour moi cet aspect bouleversant de l’animal qui ne possède rien, sauf la vie, que si souvent nous lui prenons".
É a vida que nos comove. É o despojamento absoluto que nos comove. É a fragilidade que nos comove. E ainda bem. Quer dizer que ainda não embrutecemos completamente.
As crianças não precisam de ver girafas a ser esquartejadas. As crianças precisam de conviver com animais, com árvores e com a Natureza. Depois queixem-se de ter filhos insuportáveis e neuróticos e hiper-activos e outras coisas piores.


Para assinar a petição pela demissão do animal de director, assinar AQUI

Para ler sobre a previsão de mais um abate na Dinamarca, ler AQUI

[Só para quem tiver estômago] Para assistir ao espectáculo didáctico oferecido às criancinhas, não vão elas pensar que a carne que comem em casa vem das árvores, AQUI

12/02/14

Bom dia!

Os suíços inventaram o J para os passaportes judaicos e não foi há muitas décadas. Na Dinamarca de hoje esfola-se uma girafa à frente das crianças com intuitos educativos. Há dias em que gosto muito de ser portuguesa e do Sul.

11/02/14

Os biscoitos não provei mas a poesia é maravilhosa como é hábito em José Luís Peixoto



Por fim, fui à SPA levantar os biscoitos que têm um excerto de um poema meu na caixa em 4 idiomas. Gosto muito desse uso do poema e dos biscoitos. 10 cêntimos de cada caixa vão para o IPO de Lisboa.
"mãe, / às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo. / a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia/ mais bonita que tenho. gosto de quando estás feliz. // lê isto: mãe, amo-te." Não inventei nada.

02/02/14

Dando algum enquadramento à tradição da praxe...

O PRAXISMO-JAVARDISMO
Antes da REACÇÃO contra a revolução do 25 de Abril de 1974, não havia praxe em Lisboa. O espírito crítico de um escol cultural, prevalente na Universidade, tinha padrões exigentes. Ensino superior não queria dizer ensino inferior. Era uma elevação sobre a miserável circunstância dominante. A praxe era considerada – e bem -- COISA DE LABREGOS.
Em Coimbra, nos anos sessenta, após as críticas corajosas de Flávio Vara (“ O Espantalho da praxe…” 1958) e a chegada de uma geração mais desempoeirada, a praxe quase desapareceu. Reinstalaram-na depois com todo o seu fétido programa passadista.
A praxe é o abraço alcoolizado entre o ricaço marialvão, abrutalhado e analfabeto e o povoléu boçal e trauliteiro, folclorizando o servilismo medieval em vestes eclesiásticas. Ao fim e ao cabo, o velho Portugal alarve, mendigo, medievalóide e agachadinho, mas de telemóvel em riste.
Não se ponderem gradações entre um medievalismo civilizado e um medievalismo excessivo. Toda a praxe é desprezível. No estado a que as coisas, desgraçadamente, chegaram, proibir seria contraproducente. Mas há muitas formas de desencorajar. E os professores – que têm sido, aliás, de uma distracção cúmplice (mea culpa) – sabem isso bem.
Oxalá os estudantes se dêem conta de como foram inferiorizados e transformados em «jovens velhinhos» por uma súcia rasca.
Tanto mais que a situação assume contornos sinistros e mafiosos. Ao que parece, com “omertà” e tudo. Um atavismo lusitano vem fazer de hífen entre a tradição siciliana e o nórdico Nacional-Socialismo.
Pior que mera COISA DE LABREGOS.


O texto é do Mário de Carvalho.

31/01/14

O fundo do fundo do fundo

19 funcionários que trabalham no edifício da Direcção Geral de Energia e Geologia adoeceram com cancro.

"o secretário de Estado da Energia, Artur Trindade,[avançou] à TSF que se está à procura de uma outra localização para a DGEG, mas que é preciso encontrar uma renda mais barata e falta autorização do Ministério das Finanças."

DAQUI.

A vida a vingar a morte

29/01/14

Como é que isto chega a administrador de uma universidade?*

“Todos os dias morrem pessoas nas estradas e não vamos proibir alguém de andar na estrada”, Manuel Almeida Damásio, administrador da Lusófona.
*A pergunta é retórica.
Ver e ouvir este e outros argumentos do mesmo calibre AQUI.

28/01/14

Hugo Soares, a criança velha


Não verga, diz ele. A frase, para começo de conversa, denuncia um total desconhecimento da sabedoria oriental. Não é com efeito necessário ter alcançado o nirvana para saber que tudo o que não verga parte. É essa a lição dos mestres, é essa a lição do bambu: durante uma borrasca, o bambu inclina-se à passagem do vento. E o que é que aconteceu a semana passada na Assembleia da República se não um vendaval? Choveram declarações de voto: sim era afinal não. “The key word here is blackwhite”, como diria Orwell. (E o que torna tudo isto um bocadinho mais desinteressante é Orwell já o ter dito antes: “Aplicada a um membro do Partido, significa uma leal disposição para dizer que o preto é branco quando a disciplina do Partido assim o exige...”). Nada de novo debaixo do sol, portanto, descontadas as famílias concretas, as crianças concretas, que a nova lei viria proteger. Ah, o superior interesse da criança! 
Deduzo, pois, e creio que sensatamente à luz das preocupações expressas por Hugo Soares com os rebentos alheios, que é do superior interesse da criança ser retirada à família e enviada sei lá, não para a Sibéria que cá não temos disso, mas para uma instituição ou para junto de parentes distantes (mesmo sem os conhecer de lado nenhum), decerto a melhor forma de garantir a “preservação das suas ligações psicológicas profundas, nomeadamente no que concerne à continuidade das relações afectivas”, para citar algo que até um deputado obtuso conseguirá entender. Neste particular, creio, estamos conversados. 
Ainda assim ele não verga. Ele, Hugo Soares, não verga. E, como um batoteiro de Casino, faz uma “aposta tardia”, enquanto o seu Partido, parceiro do jogo, distrai o croupier. Aposta no Referendo, o número vencedor da indecente roleta em que se converteu o superior interesse da criança. Estaremos perante o caso típico de alguém que nos tenta convencer que o Manuel Germano se confunde com o género humano. A demagogia é coisa antiga. Antiga e eficaz. Mas até a demagogia tem de aparentar certa decência. Deixar crianças concretas desamparadas não é decente. Assim se explicará o desconforto e a chuva de declarações de voto. O que me conduz à regra de ouro das “Leis Fundamentais da Estupidez Humana” enunciadas por Carlo Cipolla: “Uma pessoa estúpida é aquela que causa um dano a outra pessoa ou grupo de pessoas, sem que disso resulte alguma vantagem para si, ou podendo até vir a sofrer um prejuízo.”

Pete Seeger (1919 - 2014)

26/01/14

Eu sempre achei graça a astrónomos

Carta aberta ao Senhor Ministro, da astrónoma Paula Brochado

Sr. Ministro,
Podia começar por citar Einstein com a tão badalada frase sobre a estupidez humana mas partindo do, provavelmente errado, principio que já a conhece, prefiro citar o Ricardo Araújo Pereira: “a liberdade de expressão é uma coisa linda: permite-nos distinguir os idiotas”. Salvaguardo já alguma pequena incorrecção mas ouvi isto na rádio (sabe o que é? aquele aparelho que tem no carro que lhe dá as notícias e o trânsito? já ouviu falar de Maxwell? Foi a investigação dele na teoria do campo eletromagnético que deu origem à invenção do rádio, sabia?). Pois sr. ministro, acontece que depois de ler as suas declarações em que se diz “contra bolsas científicas longe da vida real” não podia deixar de sentir a maior repulsa por tamanha idiotice.
Antes que o sr. ministro se interrogue se não serei mais uma desesperada bolseira sem bolsa deixe-me esclarece-lo: já fui, sim. Sou doutorada em astronomia numa universidade pública (a melhor do país diz-se), essa ciência que, ironia das ironias, não podia estar, segundo os seus critérios, mais longe da vida real - mas, note bem, sou agora analista de negócio na Sonae - quer mais real que isto? Tenho por isso muito mais legitimidade em falar sobre este assunto do que o sr. ministro alguma vez terá, tendo o sr. ministro feito faculdade e carreira em privadas, sem sentir o seu, ainda que exíguo, talento avaliado, enxovalhado, esmiuçado e, por fim, recusado. Pois eu, e milhares de outros em Portugal, já. E, sabe, os astrónomos já têm algum poder de encaixe e alguma tolerância jocosa tantas foram as vezes que, por um lado, os ignorantes nos perguntaram se lhes líamos as cartas astrais e, por outro, os ignóbeis nos acusaram de não fazer nada pela sociedade.
Mas é por ter sido bolseira - não se amofine, não fui bolseira FCT, fui recusada vezes a mais do que as que me dei ao trabalho de contar - que lhe posso dizer que, não fossem as suas declarações mostrarem um profundo desrespeito e desconsideração por milhares de investigadores deste país, chegaria a ser ternurenta a sua ignorância - faz lembrar a minha avó, analfabeta repare bem, que há uns anos atrás me perguntou muito indignada o que é que eu aprendia na escola se não sabia a diferença entre alcatra e chambão.
Quando falo em milhares de investigadores não é de animo leve, o número traduz não só os que agora ficaram sem bolsa, sem projectos e sem expectativas: inclui também todos os que até agora contribuíram para que Portugal deixasse a cauda da Europa e todos cujo trabalho ficou agora hipotecado porque, sem querer ser dramática, pura e simplesmente deixou de haver futuro. Da minha parte, escolhi experimentar aquela que o sr. ministro designa de “vida real” e estou cá fora - segundo o sr. ministro, estou fora do sistema das bolsas, estou agora num sistema perfeitamente bem regulado e previsível que é o mundo empresarial, correcto? Confesse sr. ministro, deu-lhe uma certa vontade de rir. O seu argumento é tão falacioso que um incauto até acredita que existe tal coisa como “ciência longe da vida real” - isso é o mesmo que dizer “astronomia longe das estrelas” ou até “futebol longe do Pinto da Costa”: a ciência nunca estará longe da vida real da mesma forma que um prédio não está longe dos tijolos.
Se se quer referir à investigação científica que gera receitas então aí sr. ministro, assusta-me mais a sua sanidade mental, ou falta dela, do que as suas idiotices. Se tiver ligação à internet sr. ministro (já ouviu falar do CERN? esse laboratório de física de partículas, longe portanto da “vida real”? Sabe então do papel do CERN no conceito da world wide web) pode procurar pelo ROI (return of investment, é a sua praia de certeza que sabe o que é) do programa Apollo (pois, imagino que o feito da humanidade que foi a ida do Homem à Lua não lhe interesse minimamente) e, com certeza para seu espanto, pode verificar que por cada dólar investido no programa, e foram 25 mil milhões de dólares, houve um retorno de 14 dólares. 14. Sabe multiplicar?
Que a vida de investigador, o bolseiro em particular, nunca foi fácil em Portugal isso é um dado adquirido - quer-se rir um bocadinho sr. ministro? Sabia que existe código de atividade profissional para astrólogo (CAE 1316) mas não existe um para investigador? LOL sr. ministro, LOL - mas já se perguntou porque é que apesar de não termos subsidio de férias nem de natal (imagine a nossa confusão em sentir a revolta dos portugueses quando o seu colega sr. primeiro-ministro cortou nos subsídios), de não sermos cobertos pela segurança social, de não fazermos descontos, de termos valores de bolsas que não são revistos há mais de uma década, e outros tantos desajustes com que, com certeza, está familiarizado, continuamos na ciência? já alguma vez pensou nisso? porque, acima de tudo, somos uns sonhadores. Temos que ser sonhadores, temos que ser loucos, acreditar no que não existe, no que não vemos, no que não podemos tocar nem ouvir, temos que ir atrás para perceber porquê, perceber como, temos que questionar, dizer que não, temos que amarrar uma chave a um papagaio e largá-lo no meio de uma trovoada, que deixar as nossas culturas ganhar bolor e ousar pensar que a terra não é plana.
Se o sr. ministro acha que o sonho não tem lugar na “vida real” então tenho pena de si - tal como as crianças acreditam que os ovos vêm do supermercado também o sr. ministro deve acreditar que o seu rato sem fios veio da fnac. Se assim é sr. ministro, está no seu direito, mas então não se envergonhe e, mais importante, não nos insulte.
Sem mais.

25/01/14

História natural dos ricos e dos pobres segundo Henrique Monteiro

Um relatório de uma ONG chocou o mundo e Henrique Monteiro: as 85 pessoas mais ricas do planeta têm os mesmos recursos do que a metade mais pobre da população mundial. Depois do estupor moral inicial, Henrique Monteiro lembrou-se de algumas das pessoas mais ricas do mundo, Bill Gates e Warren Buffett, do seu fervor caritativo e filantrópico, e discorre: se eles não existissem, não tivessem tido ideias e lances geniais, então o mundo seria mais pobre, logo o mal não está em haver ricos, mas em haver pobres, logo a igualdade que se exige nas sociedades é a de oportunidades, de direitos e de dignidade, não a de recursos ou riqueza. O argumento de Henrique Monteiro tem a desenvoltura símplice e temerária de uma reductio ad absurdum - a falácia que mas excita a lógica funicular de um doido -, como se fosse crível que sem um módico de partição justa da riqueza e de recursos houvesse um minimum de igualdade de oportunidades, de direitos e dignidade, mas o mais importante do texto de Henrique Monteiro é o subtexto que nele, à sorrelfa, perpassa: a filantropia e a caridade, como o amor cristão, a cobrir a multidão dos pecados do capitalismo global e a substituir-se à justiça (não dês por caridade o que é devido por justiça); a genialidade voluntariosa e industriosa dos ricos, contraposta à presuntiva autocomiseração fatídica dos pobres; enfoque monológico na criação da riqueza, nem uma palavra para a lógica da sua distribuição. Mas o que mais impressiona no subtexto de Henrique Monteiro sobre a pobreza e a riqueza, sempre naturalizadas e pensadas a partir da visão microscópica do indivíduo, é não haver uma palavra, quer para os complexos sociais e económicos que lhes subjazem, quer para a política como forma rever o presente e antecipar o futuro. A menos que, na sua lógica férrea, não exista essa coisa chamada sociedade.

DAQUI



24/01/14

Tenho para mim que na presença de dois seres desprezíveis o ser desprezível do sexo feminino tende a ser pior do que o ser desprezível do sexo masculino

Esta senhora é desprezível.

Este camarada é um demagogo*

A ciência de grande qualidade não cai do céu aos trambolhões como a maçã do Newton. Aposto que ele, que não é parvo apesar de demagogo (combinação explosiva!), até conhece a Teoria das Catástrofes do René Thom. Já para não falar daquela coisa de a quantidade tender a gerar qualidade, ideia que, apesar de ir beber à dialéctica marxista (coisa que deve arrepiar o Crato), continuar a fazer todo o sentido.

*e aposto com estes que a Terra há-de comer que na qualidade do Crato nem entrava o António Damásio...

Crato diz que o Governo aposta na ciência de grande qualidade!
 

23/01/14

Sobre o direito a ser-se um imbecil.

NOVA ESCRAVATURA CIVILIZADA (NEC): UM OUTRO CONCEITO DE LIBERDADE INDIVIDUAL 

Sobre estatísticas, contas e propaganda e a propósito da euforia do défice

« O governo informou que 95% dos pensionistas estarão isentos do pagamento do "complemento extraordinário de solidariedade", que abrangerá as pensões superiores a 1000 euros. Fica-se assim a saber que, em Portugal, 95% dos pensionistas vivem com menos de 34 euros por dia.»


Francisco Seixas da Costa, encontrado AQUI.

Não é tanto o que diz, é a espuma raivosa que se lhe forma aos cantos da boca



Em complemento: ler ISTO.



Sábado haverá um pós Hugo Soares



Stress
Não quero chocar ninguém. O caso é que há momentos na vida de um cronista em que um cronista daria tudo para poder plagiar uma coisinha qualquer e pronto: estava feito! «Mundo, mundo, vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução.» Drummond,  isso sei eu. Em verdade, porém, vos digo: anda por aí demasiada informação. Demasiada. De desmaiar. Razão tinha José Sócrates quando disse: “O mundo mudou muito nas últimas três semanas” (dou a mão à palmatória). Agora imagine-se isto – o mundo a mudar – mas semanalmente. A acelerar feito cavalo louco, “a galopar, a galopar”, como no poema do Rafael Alberti. 
Impossível processar tudo. Impossível! Prova: mal refeitos ainda da morte de Eusébio e do candente problema do Panteão cadente, sem esquecer a pergunta que nos provocou a todos uma carrada de nervos: onde é que você estava no dia 23 de Julho de 1966?, suspende-se de novo o país na bola do Ronaldo. E quando nos recompúnhamos da bola e do “bocadinho de Ronaldo dentro de nós” (valha-nos Deus!), eis que salta uma inusitada vara de leitões para os lados da Mealhada. Com todas as esperanças já postas na Mealhada, veio finalmente a saber-se que tudo afinal se resumira a uma dose de leitão cobrada a mais por engano, anti-climax tipicamente português (Agarrem-me se não eu mato-o! ou, na versão camiliana, Maria! Não me mates, que sou tua mãe). Siga outro assunto. 
Servirá de assunto o grupo parlamentar do PSD variar entre “co-adoção”/“adopção” e querer um referendo à força? Passo a transcrever a prosa, trimbada e tudo, mas aviso já que, embora tendo cumprido os 12 anos de escolaridade obrigatória que os mesmos (ou similares) que comeram leitões na Mealhada propunham ver reduzidos a nove (isto cada um é para o que nasce...), posso não ter alcançado o português da coisa, ortografia incluída.
Cito: “Projeto de Resolução Nº 857/XII  Propõe a realização de um referendo sobre a possibilidade de co-adoção pelo cônjugue ou unido de facto do mesmo sexo e sobre a possibilidade de adopção por casais do mesmo sexo, casados ou unidos de facto.” Pelas vossas alminhas! 
Redacção à parte, sobre esta mania de referendar certos temas gostaria de invocar Albert Camus, autor morto bastante mais recomendável do que muitos vivaços que por aí andam: “A democracia não é a lei da maioria, mas a protecção da minoria”. Fica para trabalhos de casa.