30/06/10

Esta gente do governo é tão tonta que me obriga a concordar com um iluminado como o Macário Correia

Apesar do assunto das SCUTs não me interessar por aí além, reconheço que quando penso nele (o que nunca faço nos dias da semana divisíveis por dois) acabo sempre um pouco confusa.
A última proposta do governo (última, naturalmente, é uma forma de expressão...) acerca de quem deve e não deve pagar portagem — só paga a malta dos concelhos mais ricos — suscitara-me uma dúvida. Passo a expô-la.
Eu vivo num concelho dos mais pobres. Tenho três Ferraris (é um exemplo; eu nem gramo Ferraris). Não pago portagem?
Então não é que vejo hoje a minha dúvida ser expressa pelo Macário Correia?! Confesso o meu incómodo. E prometo nunca mais pensar no assunto.

28/06/10

Ismail Kadaré, um jantar a mais e a delegação albanesa do partido comunista lá do sítio na Lisboa dos idos de 70

Dantes havia uns livros de capas amarelas debruadas a vermelho (ou vice-versa) que traziam, salvo erro, uma foice e um martelo em baixo. Apesar das cores chamativas eram sóbrios no design, palavra estrangeira que não fazia então parte do vocabulário comum e que muitos, erroneamente, vieram a confundir mais tarde com cayatte, talvez por também esta parecer uma palavra estrangeira.
Infelizmente, creio tê-los vendido há vários anos a um alfarrabista do Largo da Misericórdia. O alfarrabista foi misericordioso e ficou-me com aquilo tudo. O que me pagou deu-me, na altura, para vários maços de Português Suave sem filtro.
[E antes que a propósito do Português Suave sem filtro alguns clientes mais cuscos da Pastelaria se ponham a fazer contas à minha idade, informo já que sobre esse assunto só vou dizer o seguinte: sou, como a maioria esmagadora da população portuguesa, mais nova do que o Manoel de Oliveira.]
Voltando aos livros, quase todos literatura de auto-ajuda cujos títulos seriam coisas do género, Como Depenar Galinhas, Perus e Aves em Geral sem Estrangular a Reforma Agrária ou Como Virar o Volante à Direita sem Atraiçoar os Princípios Marxistas-leninistas Quando um Contra-revolucionário se Atravessa no Nosso Caminho...
Digo que os vendi infelizmente porque com eles foi-se também a única coisa decente que li na referida colecção: um romance de Ismail Kadaré chamado O General do Exército Morto.
Se me perguntarem, e espero que não o façam, não me lembro de grande coisa. Só sei que havia um general que ia, salvo erro a Itália, buscar os cadáveres dos soldados mortos durante a guerra. Creio que era a segunda, mas também podia dar-se o caso de ser a primeira. De qualquer modo, ainda não era nascida.
Gostei imenso do livro. Guardei-o na memória (mesmo não me lembrando de grande coisa), enquanto, em simultâneo, fui esquecendo outros que li, também de autores albaneses, como por exemplo A Luta Ideológica e a Educação do Homem Novo, título escrito por Enver Hoxha que acabo de encontrar neste momento na NET e de que nunca ouvira falar.
A minha relação com a Albânia saltou para fora dos livros no dia em que fomos informados que chegaria à Portela uma delegação do Partido Comunista Albanês.
[Aos cuscos: quando eu era mais nova a Portela já era na Portela, o que dava imenso jeito porque o bar do aeroporto era praticamente o único que se podia frequentar fora de horas…]
Embora a Revolução Cultural Chinesa tivesse acrescentado à lista dos 7 pecados mortais incontáveis pecadilhos pequeno-burgueses, o que tornava a lista tendencialmente infinita e, como tal, difícil de enunciar mesmo por aqueles que dominavam o Teorema da Incompletude de Gödel, o que não era, manifestamente, o meu caso, e nesse role actualizado de interditos constasse agora a vaidade no vestir — a verdade é que nos aprontámos à maneira para ir esperar os albaneses!
Então lá fomos, julgo que de socas e camisas de flanela aos quadrados que na altura a Miuccia Prada era comunista e não fazia roupa, em direcção ao aeroporto. Havia bandeiras, havia cartazes e havia uns cantos revolucionários que seriam cantados na hora H. A hora, contudo, insistia em manter-se entre o F e o G e os albaneses nunca mais chegavam. E embora tivéssemos almoçado, alguns de nós já comiam qualquer coisinha.
Estava-se mesmo a ver que íamos perder o episódio da Gabriela, quando alguém anunciou: Vêm aí os albaneses!
Perfilámo-nos. Mal os primeiros passageiros deram o ar da sua graça, as vozes, altas, unidas como os dedos da mão, desataram a cantar a Internacional (e não o Fernando Lopes Graça que era simpatizante de um partido diferente).
Nunca tinha visto albaneses. Não sei como os imaginava. Verdes? De orelhas em bico? Julgo que não. Mas que aqueles passageiros não me pareciam nada albaneses, não pareciam.
Puxando as malas e mostrando um ar fatigado, apesar de sorrirem muito, acenava-nos um colorido grupo de turistas, camisas havaianas, bermudas, barrigas proeminentes e sandálias com meias pelo tornozelo. O que os denunciou foram as meias. Americanos! Alguém ainda pôs a hipótese de que seriam ingleses mas a falta de chapéus expedicionários não deixava margens para dúvidas. Sabendo-se como dão valor às coisas práticas, nunca um inglês partiria para África sem o chapéu de colonizador que lhe garante a protecção da nuca.
Como parecia mal interromper a Internacional a meio, cantámo-la até ao fim enquanto o grupo de imperialistas nos agradecia efusivamente. Entretanto, os camaradas albaneses, ao que parece, haviam sido atrasados na alfândega pela polícia capitalista-ó-burguesa.
Vim para casa, porventura a tempo da Gabriela, e nunca mais pensei no assunto. Até que há uns meses dei por mim a traduzir um livro do Ismail Kadaré.
Chama-se Um Jantar a Mais e foi editado agora pela Quetzal. Eu já não fumo Português Suave sem filtro, o Enver Hoxha foi-se, mas o Kadaré continua um grande escritor. Quanto ao Manoel de Oliveira, não entra nesta história.

27/06/10

Fish and chips, perdão, scutes e chipes embora o assunto não me interesse por aí além

Scutes lembra-me escuteiros e chipes, claro, batatas fritas. O assunto, apesar de não ter a certeza de poder chamar assunto às batatas fritas, não me interessa por aí além. Como diria Benchley.
Fazendo, contudo, um esforço de descentramento cívico, estou disposta a apostar que nas análises profundas que se farão ouvir após as próximas eleições legislativas (digo já que não arrisco datas…) a coisa será dada como a gota de água que fez cair José Sócrates.
De facto, a embrulhada é de monta. Promete-se a uns dinamarqueses que a gente não conhece de lado nenhum um negócio da China em Portugal. Como Portugal fica mais perto, os dinamarqueses, que também não nos conhecem de lado nenhum, aceitam sem saber no que se metem.
O assessor de um secretário de Estado chega mesmo a despedir-se do cargo para representar voluntariamente os escandinavos no nosso país, arriscando-se, afinal, a ir engrossar as filas do Fundo de Desemprego onde, como se sabe, dada as restrições impostas pela crise, já não há ninguém para servir salmão.
Ao desemprego terá, pois, o pobre assessor de somar o deficit de ómega 3, o que evidentemente resultará numa diminuição acentuada do seu bom colesterol, facto sobremaneira injusto dado Pedro Bento ser rapaz ainda jovem e para mais empreendedor, que é do que este país mais precisa como bem disse Cavaco Silva, cujo antigo governo by the way também terá caído por causa de umas portagens na ponte 25 de Abril, o que não deixa de denunciar um curioso padrão no comportamento político dos portugueses que já terá sido com certeza analisado pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos.
E tudo isto porque alguém decidiu que só a região norte passaria a pagar portagens. Os tipos da região norte ficaram naturalmente chateados (eu também ficaria, mesmo se o assunto não me interessa por aí além…) e garantem que ou há moralidade ou comem todos. Parece que vão todos comer pela medida grande. Mas, por enquanto, sem chips nem fish.
Entretanto, na Dinamarca, um pescador de salmão, entediado enquanto esperava pela passagem dos peixes, decifrou a sigla SCUT (SEM CUSTO PARA O UTILIZADOR), que até aí pensava ser uma variante portuguesa de salsichas.
Incrédulo, telefonou ao seu conterrâneo (e novo empregador do ex-assessor do secretário de Estado Paulo Campos), que ficou tão surpreendido como ele, e depois foram os dois beber umas Carlsberg, provavelmente a melhor cerveja do mundo.

26/06/10

Eu também gosto muito de Camões mas não gosto nada, nadinha mesmo, do José Sócrates

E uma das razões porque não gosto de José Sócrates — além de, em geral, não gostar de engenheiros formados ao domingo nem de pessoas de mão na anca que estão sempre a dizer "era o que mais faltava" — é ficar envergonhada sempre que o primeiro-ministro abre a boca para anunciar qualquer coisa mais profunda.
Atente-se, por exemplo, neste heterotético silogismo conjugado, como habitualmente, na primeira pessoa: "Mário Soares é um patriota, gosta de Camões. Eu gosto dos políticos que gostam de Camões. Eu gosto muito de Mário Soares."
A outra razão para não gostar dele é que, tendo-se os portugueses habituado ao género Sócrates, parece que querem mantê-lo em vigência preparando-se para votar em massa no seu gemelgo Passos Coelho.
Quanto ao poeta, como penso ter deixado claro... gosto muito de Camões.

23/06/10

Esta gente enoja-me: o tipo que demoliu a casa do Garrett foi nomeado presidente do Conselho de Administração da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva

Manuel de Pinho, o famigerado inventor da palavra "allgarve" e ex-ministro da Economia e da Inovação, crânio visionário agora elevado à condição de "coleccionador de arte" (já não nos bastava o Berardo), foi nomeado pela Canavilhas (quem?) para o cargo de presidente da administração da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva.
Informa-nos também o artigo do Público que o gajo que não teve pejo em demolir a casa onde morreu Almeida Garrett, transformando-a num bunker de luxo, até possui uma aguarela da pintora, comprada há cerca de 20 anos na Galeria 111. Fiquei comovida!
Mas mais comovida fiquei quando, a propósito, me lembrei do Cesariny que um dia, no atelier dele, à pergunta sobre onde estava a Vieira da Silva que a própria lhe oferecera, retorquiu com elegância que a trocara por uma carcaça.
Na altura, recordo, achei a resposta educada. Pela parte que me toca, contudo, de momento só me ocorre isto: bardamerda.

Especial clientes insones da Pastelaria: How to sleep

... enquanto me preparo para ler os "Ensaios Humorísticos" do mesmo Robert Benchley, acabadinhos de editar pela Tinta-da-China.

22/06/10

Sabedoria de vida: em jeito de proposta alternativa

Junto a uma estrada, estavam dois alentejanos sentados à sombra de um sobreiro. Passa por eles um carro que encosta um pouco mais à frente. Sai um estrangeiro da viatura com um mapa na mão. Dirigindo-se aos homens, pergunta-lhes:
— Entschuldigung, können Sie Deutsch sprechen?
Os dois alentejanos permanecem mudos.
O estrangeiro tenta de novo:
— Excusez-moi, parlez-vous français?
Os dois continuam a olhá-lo impávidos e serenos.
— Prego signori, parlate italiano?
Nada.
— Hablan ustedes español?
Nenhuma resposta.
— Please, do you speak english?
Silêncio.
O alemão acaba por desistir e vai-se embora.
Um dos alentejanos vira-se então para o outro e diz:
— Talvez devêssemos aprender uma língua estrange'ra...
— Pra quê, compadre? Aquele que ali vai sabia cinco... Adiantou-lhe alguma coisa?
Fotografia gamada aqui

21/06/10

Confirma-se: sou desprovida de killer instinct (embora não completamente)

Fiquei contente pela vitória da selecção. Mas, como por mais que torça por quem vence acabo sempre com pena dos que perdem, a dada altura achei que bolas! sempre podiam deixar os coreanos marcar um (claro, é fácil ser generoso quando se acaba a 7 a 0...).
[na fotografia, Mário Coluna, Chico Buarque e Eusébio que eu cá não sou de patriotismos exagerados]

19/06/10

Foi o único português a ganhar o Nobel da Literatura: nem por isso sou obrigada a gostar

Não se tem de gostar do homem para se gostar dos livros. Ou vice-versa. Talvez até a maioria dos bons escritores não seja flor que se cheire. É possível.
No caso de Saramago, não apreciava a literatura nem o autor. E não vale a pena repisar o seu passado no "Diário de Notícias" ou o mistério das dedicatórias desaparecidas. Por exemplo.
Quanto aos livros, a primeira coisa que li dele foi "Memorial do Convento". Acabei-o irritada com a mensagem: fazer equivaler os obreiros de Mafra aos operários da modernidade era demasiado anacronismo, mesmo para uma alegoria.
No resto dos textos, a coisa repetia-se. Romances que defendiam ideias escritos segundo uma fórmula estilística usada à exaustão.
Resumindo: para mim, literatura é outra coisa. Ofício de palavras e não de ideologias. Com ou sem vírgulas, com ou sem parágrafos, com ou sem maísculas. Até porque muitas vezes o estilo, como bem disse o Mário Quintana, "é uma dificuldade de expressão".
desenho de António

16/06/10

Em São Paulo o Churchill nem cigarro quanto mais charuto

Após dez horas de voo e mais duas dentro de um aeroporto tentando sair dali e não me deixam é natural que um pobre fumador queira repor os seus níveis de nicotina. Já na rua, acendo um Lucky Strike. Sou imediatamente abordada pela autoridade que me explica que não posso fumar à porta do terminal. Só do outro lado da rua. Debaixo da cobertura é proibido! O mesmo dois dias depois, na esplanada de um botequim numa transversal da Avenida Paulista. Um risco amarelo divide o passeio: aqui as mesas e as cadeiras, ali uma faixa estreita junto à estrada de trânsito ininterrupto. Se quiser fumar, só lá. Em pé, naturalmente. E apesar da loucura proibicionista eu e os descendentes de japoneses fumamos para caramba.
Mario Quintana, que não era paulista, escreveu:“Desconfia dos que não fumam: esses não têm vida interior, não têm sentimentos.O cigarro é uma maneira sutil, e disfarçada de suspirar". Ora bem.

09/06/10

Educação sexual dos 6 aos 16 ou a modernidade húmida


Estamos completamente quilhados (a palavra talvez devesse ser "fornicados" por mais apropriada ao assunto).
Tolhido pela profundidade do pensamento de D. Duarte de Bragança — "Tornar obrigatório a educação sexual resume-se a dizer: forniquem à vontade" — e/ou a pedagogia iluminada dos que acham indispensável introduzir a disciplina nas escolas primárias (penso que agora já não se chamam assim), Portugal dá mais um passo gigantesco em direcção a essa incontestada e incontestável coisa chamada Modernidade, que já no meu tempo era um conceito um bocado antigo.
Sobre a sexualidade infantil ainda nada foi dito de mais profundo do que isto: A teoria antiga negava a sexualidade dos adultos. A moderna diz que os bebés têm prazer sexual enquanto defecam. A antiga era melhor, ao menos podia ser contraditada pelas partes envolvidas.
O autor foi, claro, Karl Kraus e a frase visava Freud.
Quanto a mim, que nada tenho contra as cegonhas (o mesmo já não podendo dizer de Freud), estou com Kraus.
E acrescento: e se deixassem as crianças em paz? Não se preocupem com elas: quando estão interessadas, perguntam.
Isto, claro, se não estiverem demasiado ensonadas derivado ao facto de se levantarem às 6 da manhã para chegarem à escola às 8 (tudo em nome do seu sucesso escolar, claro). Mas também é verdade que já era esse o horário durante a Revolução Industrial, glorioso momento histórico que nos tornou a todos modernos.
Depois, contudo, não se admirem.
[O velhíssimo vídeo aí em cima, dos velhíssimos Monty Python, está classificado no YouTube para maiores de 18 anos — ora aí está uma medida adequada a estes tempos sombrios]

A Pastelaria do Cesariny

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
– ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos
frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir
de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

08/06/10

A notícia é ambígua: são mil e duzentas crianças vestidas à Mocidade Portuguesa ou algumas vão de três pastorinhos?

É que pelo texto não se percebe. Mas, no seu afã inclusivo e pedagógico de "proporcionar não só aos alunos como à própria cidade de Aveiro um belo momento de revisão da nossa história recente", é inaceitável que Joaquina Moura exclua os pastorinhos de Fátima das comemorações dos 100 anos da República.

07/06/10

A book a day keeps the doctor away: "O Sorriso Enigmático do Javali", António Manuel Venda

Vagar é a palavra. É ela que nos ocorre ao percorrermos estas doze histórias de António Manuel Venda. Doze como os meses do ano, doze como as horas diurnas e doze como as horas nocturnas. E podia até ser um livro de horas, “O Sorriso Enigmático do Javali”. Cada história uma iluminura, cada ilustração um desenho naturalista, em todas se insinuando — apenas se insinuando — elementos encantatórios. Nada de cobras aladas, águias guerreiras ou gatos embruxados. Ao mistério basta-lhe o mundo natural, ele próprio e por si próprio um enigma a requerer atenção.
Epifania que se desenrola sem alarde sob o olhar pasmado e interrogativo do pequeno Tukie, a criança que une as narrativas, símbolo de uma inocência que se deixa fascinar — e consigo nos fascina — pelas mutações inesperadas que tomam conta do seu universo: javalis que riem, águias que podiam ser bombas, gatos que ressuscitam, lebres que enganam tolos, texugos que parecem cães…
“O Sorriso Enigmático do Javali” é um livro que nos recorda a frase de Sagan, “somos filhos das estrelas”, reconciliando-nos com uma natureza cada vez mais distante, mas que pulsa ainda na “Herdade do Convento” onde Tukie tem a felicidade de poder viver com o pai, a mãe e uma irmã bebé.
Narrativa em redondo, na qual cada episódio se fecha num anticlímax que dá lugar a outro, o mais recente livro de António Manuel Venda soube furtar-se com inteligência às fantasias de efeito fácil e às pedagogias de fácil efeito (um reparo: seriam dispensáveis as incursões políticas cujas mensagens, na minha opinião, apenas poluem o texto). O livro vai-se desenrolando como se nada acontecesse — a acção é sem efeitos especiais, com excepção, talvez, do deputado a quem faltava um bocado de cabeça — e, ainda assim, permite-nos descobrir um mundo febril e imprevisível que se agita sob a aparente calma. A escrita de António Manuel Venda acompanha-o sem alarde, usando-a o escritor com recato e parcimónia, sem nunca se pôr em bicos de pés, o que com certeza afugentaria os elementos que compõem o livro, a exigirem silêncio e discrição.
O Sorriso Enigmático do Javali, António Manuel Venda, Quetzal, 2010

01/06/10

A Faixa de Gaza: porque não sou apreciadora de avestruzes

1. O ataque ao navio de ajuda humanitária que seguia para a Faixa de Gaza e a morte de alguns passageiros a bordo é um crime e um desastre moral para Israel.
2. O bloqueio à Faixa de Gaza é uma tragédia.
3. A quantidade de comentários anti-semitas a propósito destes acontecimentos provoca-me asco (é sempre curioso verificar que, em outros casos, acusam-se os políticos ou os governos em exercício — no caso de Israel... acusa-se Israel).
4. A decisão egípcia de abrir a SUA fronteira com a Faixa de Gaza é louvável e devia levar alguns comentadores a reflectir sobre o que falam. Ao menos, a estudarem geografia.
5. Em Israel, não são poucos os isrealitas que têm condenado o ataque.

Eu sei que não devia personalizar mas o que é que João César das Neves poderá ter contra os meus orgasmos?


João César das Neves tem uma coluna onde escreve sobre coisas. Desta vez a coisa era o narcisismo.
No essencial, concordo com ele: o narcisismo raramente é aceitável, excepto, por exemplo, se o João César das Neves fosse o Gregory Peck e eu a Rita Hayworth.
Mas se quanto ao narcisismo ok,o mesmo já não posso dizer dos orgasmos.
Dando a César o que é de César (e os orgasmos para quem os queira...), escreve o próprio: “por detrás de leis como o aborto, divórcio, procriação artificial, educação sexual e outras está o totalitarismo do orgasmo”.
Totalitarismo do orgasmo?!
Pus-me a pensar. Primeiro, ocorreu-me aquela expressão “o que é bom nunca foi demais”; depois lembrei-me de um episódio já antigo, passado com uma figura pública cujo nome não interessa para a história.
Estávamos num daqueles simpáticos jantares anos 80 onde, em consciência, ninguém sabia quem pagava a conta. Comemorava-se qualquer coisa ou era o lançamento de qualquer coisa. A figura pública, tida por especialista em medicina oriental e temas adjacentes, pontificava numa mesa totalmente feminina.
Dado que as conversas são como as cerejas, foi o referido especialista passando da sopa fria de melão para a acupunctura, do filet de thon para a celulite, do carpaccio de canard para a macrobiótica, da mousse de manga para a astrologia chinesa e da astrologia chinesa para o ioga tântrico estava-se mesmo a ver.
Chegados aos digestivos, iam altas as confidências. Tendo tido o bom gosto de nos poupar aos pormenores à mesa, o especialista declarara-se praticante exímio da difícil modalidade. E sem que ninguém lhe perguntasse nada, garantia que, com ele, numa só noite qualquer mulher atingia pelos menos dez orgasmos.
Dez orgasmos?! engasgámo-nos em uníssono eu e uma amiga do peito. E acrescentámos também em coro, engolido o Jameson muito em voga nessa época, para grande desconsolo do nosso contorcionista: Que canseira!
Não sei se é a este tipo de totalitarismo que se refere João César das Neves mas se for estou com ele e a minha amiga também.
Post inspirado daqui