19/05/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «PROÍBE QUE EU GOSTO»

 

12/05/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Mas as crianças, Senhor»

« (...) às crianças de sete e oito anos era pedido nas tais provas de aferição de Expressão Artística que imitassem o som de um sapo cego.

(...) As provas de aferição já tinham tido aquele pequeno problema de serem este ano realizadas digitalmente.

(...) Num paralelo com a quadra de António Aleixo – “A rica tem nome fino/ A pobre tem nome grosso/ A rica teve um menino/ A pobre pariu um moço” – aos filhos pequenos dos gurus da informática, os pais inscrevem-nos em escolas onde o recurso a computadores é reduzido; já as cabeças brilhantes que dirigem o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) consideram que o uso precoce de computadores não traz problema nenhum, antes pelo contrário.

05/05/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Quando os livros, e não o céu, nos caem na cabeça»

« (...) Rendida ao desmoronamento e ao caos, acabo por adiar a acareação com os estragos. Saco do chão um título ao acaso e calha-me o recente ensaio da Dom Quixote Linguagem e Verdade, de Salman Rushdie, esparramado no capítulo “A Caneta e a Espada. O Congresso Internacional do PEN de 1986”.

Leio que as mulheres presentes reclamaram da escassa presença feminina e que, a contracorrente, Susan Sontag declarou que “a literatura não é um empregador de igualdade de oportunidades” – começo a sorrir –, depois que o próprio Rushdie, tentando acalmar os ânimos, lembrou que “era o único representante do subcontinente indiano, ou seja, de um quinto da espécie humana” – continuo a sorrir –, e chego à parte em que ele conhece Donald Barthelme [escritor singular falecido em 1989 com dois livros de contos publicados na Antígona]: “Lembro-me de ter conhecido Donald Barthelme, cujo trabalho eu adorava, mas que estava tão bêbedo que tive a sensação de não o ter realmente conhecido. (Quando falei disto a um escritor americano amigo, ele disse-me: ‘Não, tu conheceste-o. Ele era assim.’).” Chegada aqui, já me estou a rir e esqueci Manguel.

E agora para terminar e porque escrevo no dia 1 de Maio e falei de livros, nada como regressar ao humor do velhinho Sholom Aleichem: “Meu caro Yankel: pedes-me que te escreva uma carta longa […] mas de facto não há muito para dizer. Os ricos continuam ricos e os pobres estão a morrer de fome, como sempre. O que é que isso tem de novo?”

Ah! E, entretanto, também li que Lídia Jorge ganhou mais um prémio literário. Bisando a pergunta anterior: o que é que isso tem de novo?»

03/05/23

MOMENTO TEATRAL A PROPÓSITO DE GALAMBA

DIÁLOGO NA VIA PÚBLICA ALGURES EM LISBOA, NOITE CERRADA

Tipo do SIS: Então, o que traz no regaço? São rosas?
Assessor: Não, é o computador.

28/04/23

MEDITAÇÂO DE SEXTA: «O NADA É SÓ O RESTO»

 « (...) Das nêsperas à poesia, com breve desvio pela infância de onde afinal não saímos, e eis-nos chegados ao que interessa: ao poema. Assina-o Mário-Henrique Leiria: “Uma nêspera/ estava na cama/ deitada/ muito calada/ a ver/ o que acontecia// chegou a Velha/ e disse/ olha uma nêspera/ e zás comeu-a// é o que acontece/ às nêsperas/ que ficam deitadas/ caladas/ a esperar/ o que acontece.”

Sendo a época de nêsperas (há quem lhes chame magnórios) seria natural que delas me lembrasse. Mas não foi por isso. Foi por causa do parecer. Estava o parecer muito calado a ver o que acontecia, chegou uma Velha e disse: “Olha um parecer.” E, zás, comeu-o. A alternativa é imaginar a coisa substituindo parecer por ministro: estava o ministro muito calado a ver o que acontecia, chegou uma Velha e disse: “Olha um ministro.” E, zás, comeu-o.

Qualquer das hipóteses é plausível – incluindo a de Mário-Henrique Leiria – porque como disse, e muito bem, João Torres, entre os 26 e os 30 anos secretário-geral da Juventude Socialista, catapultado, chegado à idade madura dos 36, para o cargo de secretário-geral adjunto do partido: não vamos maçar o povo português com a semântica. (...)»

14/04/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «SORTUDO FOI HOMERO!»

« (...) se não temos polémicas dignas desse nome, agricultura, pouca, e se a verve de Cesariny se foi junto com o último cigarro que fumou, temos a aviação! Temos a aviação porque temos a TAP e porque temos a possibilidade de aceder ao site AeroParticipa no qual existe “um mapa, interactivo, onde as pessoas vão lá pôr o aviãozinho [no local que considerem ser adequado para o novo aeroporto].” (Rosário Partidário, coordenadora da comissão técnica, a este jornal). 

Suíça, uma democracia directa?! Helvéticos, vão buscar!

Os “aviõezinhos” são uma ternura, é um facto, mas distraíram-me e fiquei sem espaço para dizer ao que vinha. E ao que vinha era isto: a cancel culture, somada à obsessão pelas biografias, ainda nos vai enlouquecer. Chegada a vez de Picasso, além de monstro misógino, já vai de sociopata e de vampiro para cima (cito The Guardian). Claro, há os que, sem o absolverem dos epítetos, nos pedem para distinguir a obra do homem. São os puritanos queridos, como faz prova esta tirada de um artigo de 8 de Abril publicado no Economist, autorizando-nos a gostar da pintura do espanhol: “A forma como consumimos arte não faz de nós pessoas más ou boas”. Que bom saber!

Resumindo: sorte teve Homero que ainda hoje andam para descobrir quem foi.»

13/04/23

TANTA CONVERSA E ESTÁ TUDO NO BILLY WILDER

«I don't mind being treated as a sex object. But it's like any other game. You have to play according to the rules or it takes all the fun out of it.»

Pamela Piggott (Juliet Mills) in «Avanti», 1972




31/03/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Atrás dos tempos vêm tempos»

«... O que também está muito em alta são os “leitores sensíveis”. Embora não seja de hoje, a revisão de textos autorais que se vêem expurgados de vocabulário ou passagens consideradas problemáticas — em nome do combate ao racismo, misoginia, homofobia, gordofobia… — é actualmente defendida com grande à-vontade, nomeadamente no que diz respeito aos livros infanto-juvenis, como uma prática normal e pedagógica, garante de que os infantes de hoje serão adultos exemplares amanhã.

Sendo sabido que pôr uma criança em contacto com livros nos quais, por exemplo, caçar leões ou lobos ou ursos lhes é apesentado como actividade normal, não censurável, constitui meio caminho andado para mais tarde seguirem os passos do ex-Rei de Espanha e tornarem-se assassinos de elefantes, nada como oferecer-lhes apenas, desde a mais tenra idade, obras edificantes sobre a irmandade das espécies. Outro exemplo: A Bela Adormecida, texto que transmite uma visão do feminino desactualizada — recorde-se o beijo do príncipe em momento algum antecedido de permissão — também será de evitar.

O proselitismo do Bem — pedra de toque de todo e qualquer puritanismo — abarca, pois, tanto os pais conservadores da Florida que consideraram pornográfica a estátua de Miguel Ângelo e inaceitável que os seus filhos a vissem, como os mais paranoicos radicais woke capazes de descobrir debaixo de cada pedra uma realidade ou motivação censuráveis.

Entretanto, os tempos pouca importância dão às estátuas e aos livros. (...)»

30/03/23

PROVAVELMENTE A COISA MAIS IMPORTANTE (E POSITIVA) QUE ACONTECEU NOS ÚLTIMOS TEMPOS

«AI systems with human-competitive intelligence can pose profound risks to society and humanity, as shown by extensive research[1] and acknowledged by top AI labs.[2] As stated in the widely-endorsed Asilomar AI PrinciplesAdvanced AI could represent a profound change in the history of life on Earth, and should be planned for and managed with commensurate care and resources. Unfortunately, this level of planning and management is not happening, even though recent months have seen AI labs locked in an out-of-control race to develop and deploy ever more powerful digital minds that no one – not even their creators – can understand, predict, or reliably control.

Contemporary AI systems are now becoming human-competitive at general tasks,[3] and we must ask ourselves: Should we let machines flood our information channels with propaganda and untruth? Should we automate away all the jobs, including the fulfilling ones? Should we develop nonhuman minds that might eventually outnumber, outsmart, obsolete and replace us? Should we risk loss of control of our civilization? Such decisions must not be delegated to unelected tech leaders. Powerful AI systems should be developed only once we are confident that their effects will be positive and their risks will be manageable. This confidence must be well justified and increase with the magnitude of a system's potential effects. OpenAI's recent statement regarding artificial general intelligence, states that "At some point, it may be important to get independent review before starting to train future systems, and for the most advanced efforts to agree to limit the rate of growth of compute used for creating new models." We agree. That point is now.

Therefore, we call on all AI labs to immediately pause for at least 6 months the training of AI systems more powerful than GPT-4. This pause should be public and verifiable, and include all key actors. If such a pause cannot be enacted quickly, governments should step in and institute a moratorium.

AI labs and independent experts should use this pause to jointly develop and implement a set of shared safety protocols for advanced AI design and development that are rigorously audited and overseen by independent outside experts. These protocols should ensure that systems adhering to them are safe beyond a reasonable doubt.[4] This does not mean a pause on AI development in general, merely a stepping back from the dangerous race to ever-larger unpredictable black-box models with emergent capabilities.

AI research and development should be refocused on making today's powerful, state-of-the-art systems more accurate, safe, interpretable, transparent, robust, aligned, trustworthy, and loyal.

n parallel, AI developers must work with policymakers to dramatically accelerate development of robust AI governance systems. These should at a minimum include: new and capable regulatory authorities dedicated to AI; oversight and tracking of highly capable AI systems and large pools of computational capability; provenance and watermarking systems to help distinguish real from synthetic and to track model leaks; a robust auditing and certification ecosystem; liability for AI-caused harm; robust public funding for technical AI safety research; and well-resourced institutions for coping with the dramatic economic and political disruptions (especially to democracy) that AI will cause.

Humanity can enjoy a flourishing future with AI. Having succeeded in creating powerful AI systems, we can now enjoy an "AI summer" in which we reap the rewards, engineer these systems for the clear benefit of all, and give society a chance to adapt. Society has hit pause on other technologies with potentially catastrophic effects on society.[5]  We can do so here. Let's enjoy a long AI summer, not rush unprepared into a fall.»

24/03/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «TUDO EM TODO O LADO AO MESMO TEMPO»

 «... Veja-se o caso de Maria do Céu Antunes. Face à carestia galopante, e após remeter há dias para data incerta a entrada em funcionamento de um Observatório de Preços anunciado em Outubro de 2022, vem-se a saber que o tal Observatório anunciado em 2022 e cuja entrada em funcionamento se viu remetida para data incerta, afinal, já existia desde 2015!

Confused? You won’t be, after this week’s episode.

E qual foi o episódio da semana? Pois o anúncio da criação de um selo. Um selo, uma etiqueta, um carimbo, uma chancela… E é ver a inflação a fugir do selo, como Jerry de Tom ou vice-versa.

Ao contrário, porém, da canção de Noel Rosa: “Mas que mulher indigesta, indigesta /Merece um tijolo na testa…”, o selo, não o tijolo, não nos será colado à testa, mas nos produtos e embalagens, servindo de garantia de um “preço justo”, certificado de que “ninguém tem prejuízo e que foram criadas condições de sustentabilidade de toda a cadeia alimentar”. Nas palavras da ministra, “acreditamos que, com isto, o consumidor, quando for ao supermercado comprar os seus produtos, pode escolher com a convicção de que não deixou ninguém para trás”.

E isto sou eu agora a imaginar um consumidor que, soterrado entre etiquetas de produtos do dia, marcas brancas, produtos em promoção, folhetos, vales e descontos em cartão, mais o selo anunciado agora pela ministra, corre o risco real de deixar mesmo alguém para trás, por exemplo, uma criança. (...)»

22/03/23

SE NÃO FOSSE TRÁGICO!

Portanto, mais de um ano após a abertura frontal das hostilidades com recurso à artilharia pesada na Europa, andam umas criaturas a afirmar o óbvio: a Rússia cai abertamente na esfera de influência da China.

Que perspicácia! Que brilhantismo de análise!

Pena é que só tivessem chegado lá depois de andarem anos a empurrar a Rússia para a esfera de influência da China. Foi e é uma estratégia de génio!
Os portugueses, como sempre, estiveram na vanguarda. Ainda me lembro da actual ministra do Trabalho, na altura secretária de Estado do Turismo, quase em lágrimas, a implorar aos chineses: "Façam de nós cobaias! Façam de nós cobaias!"

17/03/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Olhar os lírios no campo»

« ... A esperança no controlo dos preços aumentou – mais do que a água na barragem que se mantém praticamente nua – quando ouvimos Maria do Céu Antunes, a responsável pelas hortaliças, anunciar um Observatório de Preços.

Há quem observe pássaros, como bem notou o poeta Manuel António Pina, e cito:

“A poesia vai acabar, os poetas / vão ser colocados em lugares mais úteis. / Por exemplo, observadores de pássaros / (enquanto os pássaros não / acabarem). Esta certeza tive-as hoje ao / entrar numa repartição pública (…)”

mas como é sabido Manuel António Pina está morto e Maria do Céu Antunes está viva e, sobretudo, é ministra, não poeta (ou poetisa, subentenda-se…). Assim, um observatório de preços assenta-lhe muito melhor.

Uma única coisa preocupa alguns dos habitantes do monte. Embora tenha sido anunciado em Maio de 2022 e formalizado por decreto governamental em Outubro do mesmo ano, a entrada em funcionamento do Observatório não tem data marcada: “num futuro próximo”, disse a ministra. 

Ora, compreendendo que um observatório de preços não é coisa que se construa assim do pé para a mão – até a construção de um abrigo para birdwatching tem a sua ciência –, alguns, já de idade avançada, temem que o “futuro próximo” lhes fique curto, e outros, embora mais novos, interrogam-se se será antes ou depois do final da guerra. (...)»

COMO NÃO AMAR ESTE PAÍS!

 «Não somos maluquinhos, sabemos perfeitamente que não há navios sem baterias.»

10/03/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Penélopes de todo o mundo, uni-vos!»

« (...) Escudo-me em Kafka (quando pedimos amparo a alguém, convém pedi-lo aos maiores). E se o checo pôde anotar no seu Diário (entrada de 2 de Agosto de 1914): “A Alemanha declarou guerra à Rússia. À tarde, piscina”, que me seja permitido escrever: a Rússia declarou guerra à Ucrânia. Desde então, crochet e mais crochet.

Venho sobretudo fazer a apologia do trabalho manual. O surgimento de uma forma nascida de uma massa informe. Garanto que é um milagre.

No caso específico do crochet, digamos que alia a tecedura às artes da aritmética e da geometria. Como fazer um quadrado em crochet? Um círculo? Um losango? Uma oval? E como montar losangos de maneira a criar um rectângulo, um quadrado? Todo um processo de cálculos, aumentos e diminuições que convoca as mãos e a abstracção. Afinal, o filósofo antigo Eratóstenes de Cirene não chegou à circunferência terrestre preso a equações abstrusas, mas agarrando numa vara e fazendo-se à estrada.

E se falo de equações abstrusas é para regressar a Mário Cesariny, esse poeta sábio e desconcertante que deixou dito: “… o homem precisa da mulher. É a tragédia dele. Inventou a Matemática, a Aritmética, a aviação, a Nona Sinfonia, a ida à Lua… (…) Ela, muito quietinha em casa, a tratar de coisas importantes, como a comida e a roupa, enquanto o sábio está a chorar frente às equações.” (in Uma Última Pergunta — Entrevistas com Mário Cesariny (1952-2006), Sistema Solar, 2020). 

Ora, caro Mário, quietinhas em casa, digo-lhe eu, muita aritmética é precisa para fazer um crochet flower granny square! (...)»

08/03/23

CARNE PARA CANHÃO

Se Zelensky mandou reforçar a defesa de Bakhmut, veio depois a NATO prever a derrota das forças ucranianas para breve.

Não tenho mais nada a dizer senão: desgraçados ucranianos! E fico a aguardar os incentivos do costume dos empolgados espectadores da guerra mais estúpida do século XXI (que ainda agora começou...),

07/03/23

A PEDOFILIA E O L'AIR DU TEMPS

Ainda vamos ouvir dizer que suspender padres acusados de pedofilia é um atentado aos direitos humanos!