Quando a imprensa inglesa e americana anuncia que a proibição de fumar em restaurantes não teve efeitos visíveis na saúde pública, em Portugal essa mesma proibição entrará em vigor a 1 de Janeiro de 2008. O que me espanta nisto não é a extravagância do acto em si. Duas coisas me parecem muito piores. Em primeiro lugar, a facilidade com que em todo o Ocidente o Estado resolveu intervir na vida privada de cada um e negar radicalmente o direito de propriedade (impedindo, por exemplo, que se criem restaurantes de fumadores), sem um protesto sério em parte alguma. Em segundo lugar, a rapidez com que o fumador foi socialmente estigmatizado e o vício de fumar (há 20 anos, normal e aceitável) se tornou quase o que era antigamente uma blasfémia, uma profanação ou uma heresia. Isto não anuncia nada de bom. Por um lado, porque fatalmente à campanha contra quem fuma se vai seguir a campanha contra quem bebe e a campanha contra quem come o que não deve ou come demais. E talvez, mais tarde, a campanha contra o “sedentarismo” e a falta de exercício. Não custa nada argumentar com as doenças que o álcool e a gordura provocam (tantas como o tabaco), ou retirar do mercado “produtos de risco”, ou vigiar o que os restaurantes servem. Por outro lado, já se viu que o poder do Estado para converter a populaça ao objectivo tenebroso de “melhorar o homem” é hoje ilimitado. A metamorfose das democracias do Ocidente em totalitarismos de uma nova espécie não incomoda ninguém. Não uso a palavra descuidadamente (não uso, de resto, nenhuma palavra descuidadamente): para Hitler (que não fumava, nem bebia), o alemão perfeito não andava muito longe do perfeito espécime do Ocidente contemporâneo. Imagino muitas vezes quem, de facto, quererá este mundo sufocante e asséptico, obcecado com a “saúde”? Gente, como é óbvio, com pouca imaginação. Por mais forte que seja o culto e a idolatria do corpo, a velhice chega. E, com ela, a irrelevância, a obsolescência, a solidão. Esta sociedade de velhos trata muito mal os velhos. A ideia (e a propaganda) de uma adaptação contínua é uma grande e cruel mentira. Os velhos são um embaraço. Um peso que se atura, que se arruma num canto, que se mete num “lar”. Setenta anos de esforço para durar acabam num limbo à margem da verdadeira vida, quando não acabam no sofrimento e na miséria. O Ocidente está a criar um inferno. Por bondade, claro.
Crónica assinada por Vasco Pulido Valente no Público
(Há dias escrevi um post relacionado com o assunto: quem tiver paciência, clique aqui)
4 comentários:
Não sou fumador... mas vejo todas estas proibições com grandes reticências. E do futuro, nem é bom falar, com todas as formas que se estão a criar, para nos controlar.
Malditas ditaduras de tudo, até do gosto e dos prazeres...
Acho que ninguém quer ser excessivamente saudável, todos temos noção que a única certeza que temos, é que não vamos ficar por cá eternamente...
Como dizia em tempos o Herberto, "vamos morrer cheios de saúde"
Não acredito em toxicodependentes que vêm a público defender a liberdade de cultivarem o seu vício para cima dos outros. Queria era vê-lo a defender a liberdade para os que a não têm. Ou já não há oprimidos? Sim, parece que já só há fumadores. Estou farto de anarco-conservadores bêbados convencidos que têm a verdade. Ah! E fumar mata.
também a estupidez mata e não há quem nos livre dela
quanto aos (outros) oprimidos, é defendê-los, é defendê-los. estarei consigo
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