31/01/25

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Les portugais sont toujours gais embora possam não parecer»

«O caso das malas obliterou, não sem injustiça, o caso do pudim em pó.

(...)
Se é certo que a psicologização dos agentes políticos se tornou não só banal mas também redutora — os ditadores são todos psicopatas e os candidatos a ditadores todos narcisistas e assim se entretém um público dominado pela “inteligência emocional” e pelos emoticons —, é também inegável que este caso das malas nos obriga a presumir alguma pancada, mesmo a quem, como eu, não tem formação médica. Há mistérios por esclarecer.
— Sr. Deputado, consegue explicar porque é que roubava malas?
— Roubar, Sr. Dr.?! Roubar?! Mas eu ameacei alguém?! Eu levava as malas para a casa de banho quando ninguém estava a ver. Nunca ameacei ninguém com um passa para cá a mala… Furtar ainda vá que não vá… Mas roubar?!
— Mas porquê malas e não, por exemplo, galheteiros nos restaurantes?
— O Sr. Dr. já viu o tamanho de uma mala? Mesmo das mais pequenas? E já viu o tamanho de um galheteiro? Qualquer atoleimado mete um galheteiro ao bolso… Ah! Mas uma mala é outro desafio!
Além de não ter formação médica, também não cursei Direito; contudo, cleptomania, acrescida de megalomania, ainda me parece a melhor defesa.
Se o episódio da conta na plataforma Vinted revela alguma manhosice — sem que ninguém lhe perguntasse, o deputado trouxe à colação a mulher: “A minha esposa fazia qualquer coisa desse género”, o que nos recorda o cavalheirismo (invertido, claro) da expressão atribuída a Bocage: “O peido que aquela senhora deu, não foi ela, fui eu!” –, não consta em nenhum manual estar a manhosice necessariamente ausente em casos de perturbação mental. Para mais, em defesa da esposa do deputado, nada nos impede de imaginar a surpresa da mesma ao deparar-se com o conteúdo das malas.
— Mas ó Michael [a influência americana será mais forte na Terceira, mas todo o arquipélago, talvez com excepção do Corvo, ainda hoje se lembra da fotografia tirada nas Lajes aos sorridentes Bush, Blair, Aznar e Barroso aquando da descoberta da pólvora, perdão, das armas de destruição maciça do Iraque…], para que foste tu comprar-me umas botas 42 quando eu calço o 37?! E este vestido tamanho S quando eu não visto S há que tempos…? (acrescentar itens a gosto).
E terá sido assim que aquilo foi tudo parar à Vinted, tal como as ervilhas, a preços muito em conta.
A alternativa de pensar que alguém com conhecimento da origem ilícita da mercadoria a iria expor com tanta inépcia aos olhos do mundo, correndo o risco de algum potencial comprador exclamar “Olá! Eu seja ceguinho se isto não é a gravata que me gamaram no aeroporto de Lisboa!”, parece-me insultuosa e poder figurar até um caso de bullying.
(...)
E quando me interrogo sobre a escassez do pícaro na literatura portuguesa, tendo em conta o material disponível, logo me ocorre que o pícaro é puxado pelo trágico e nós somos, em geral, mais dados à comédia ligeira. O que por vezes até consegue ter graça.»

24/01/25

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Tempo de Chuva»

 «(...) Assim: bem podem os bem-intencionados (vamos ser generosos e esquecer os mal-intencionados…) bradar aos céus pelos factos. Bem podem os mesmos arrumar qualquer teoria menos consensual na categoria das teorias da conspiração (relembro a canonização da indústria farmacêutica aquando da pandemia de covid-19: de repente, ninguém tinha lido "O Fiel Jardineiro", John le Carré decerto um amalucado anticiência, qualquer dúvida, por mais sensata, arrumada na categoria dos devaneios delirantes…); bem podem os mesmos fazer campanhas contra as “percepções” e clamar (o que depois das “impressões anteriores” da alma de Plotino, nascido no início do ano 200, parece um pouco anacrónico…) pela cientificidade das convicções humanas; bem podem hastear a bandeira da Razão das Luzes (80 anos depois de Auschwitz é obra!); bem podem varrer para debaixo do tapete as verdades inconvenientes (cf. o ódio do povo russo a Putin que, desde o começo da invasão da Ucrânia, todos os dias corre o risco de ser atirado da varanda…), esquecendo a sagacidade de Aleixo: “P’ra mentira ser segura/ e atingir profundidade,/ tem que trazer à mistura/ qualquer coisa de verdade” ou o conselho sábio de Mark Twain: “Em caso de dúvida, diga a verdade”; bem podem distinguir a censura boa da má, sendo a boa a que se aplica aos “deploráveis”, o facto — e já que se fala de factos — é que de bem-intencionados está o inferno cheio.

Os ventos não correm de feição. E temo que após o episódio da tomada de posse não fiquemos menos confusos, parafraseando a célebre frase, “Confused? You won't be, after this week's episode of ... Soap" — não é alta cultura, é de uma sitcom. (...)»

17/01/25

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «A maçã de Newton que acabará por nos cair na cabeça»


10/01/25

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Admirável mundo desconhecido»

«É inegável que ter dinheiro traz vantagens. Se Elon Musk não fosse rico, teria Mário Machado, à boleia do caso do britânico Tommy Robinson, pedido ajuda ao dono da Tesla para que intercedesse por ele junto a Donald Trump e lhe conseguisse pelo menos uma carta verde, no caso de não conseguir uma branca?

03/01/25

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «O ano de todos os perigos»

«(...) Se por aqui – algures perdidos num cenário ratado ora pelo calor, ora pelo frio e sempre pela desertificação: um “deserto de almas” despojado de jovens e de arquitetura high-tech, sem Antonioni nem críticas ao capitalismo – não se sente o cheiro a napalm pela manhã, isso não significa que não estejamos a par das notícias. Apesar de resguardados dos males maiores do mundo – bem ou mal, as couves e as batatas continuam a crescer nas hortas e as galinhas a pôr ovos (pese embora as investidas das raposas…) –, não seremos poucos no monte a aguardar, tal como em Washington, D.C., Londres, Paris, Moscovo, Pequim ou Kiev, a tomada de posse de Donald Trump a 20 de Janeiro, o Presidente escolhido pelos norte-americanos que nos vem deixando em suspenso a todos.

20/12/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «E os marcianos, demoram?»

 «O nevoeiro que habitualmente chega apenas ao largo, subiu até à casa e adentrou-a até aos ossos.

13/12/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Criptomoedas, armas e bananas»


29/11/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Outras guerras: a vitória dos “espetadores”»

 

22/11/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Os poetas vão ser colocados em lugares mais úteis»

« (...) Avisto as rosas que abriram rente ao muro que marca a bifurcação do caminho que leva ao largo. Hoje não está lá o pequeno cão preto que guarda a passagem, atento e carrancudo como Caronte, o barqueiro do Hades. Estas são rosas literalmente cor-de-rosa, túrgidas, de pétalas labirínticas e resistentes, e não brancas e frágeis como as rosas que florescem em cachos no mês de Maio junto ao barranco por estes dias cheio de água, uma água argilosa que corre rápida e rumorosa escondendo as margens cobertas de musgo do atalho agora impraticável, os campos à volta forrados de uma erva alta e viçosa que deixa em destaque o laranja – sóis artificiais que ornamentam os campos – das laranjeiras carregadas, todas as outras árvores nuas, com excepção de uma ou outra figueira cujas folhas ásperas se recusam a encarquilhar ou de uma ou outra nespereira de floração amarelada, desgrenhada e sem graça. De resto, a Natureza tem sido generosa em água e trovoadas nocturnas. Os raios que antecedem o estrondear dos céus iluminam o rio e assombram a sonolência dos barcos. Espectáculo que permite perceber a diferença entre o belo e o sublime, dão-se graças por aqui à existência de pára-raios.

15/11/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «A realidade é muito abusadora»

« (...) Sem querer retirar gravidade ao momento que vivemos – falo, claro, abstractamente, já que por aqui o tema da eleição de Trump não terá tirado o sono a ninguém –, não pude deixar de me lembrar das palavras do poeta egípcio Salah Jahine (1930-1986) incluídas no livro de memórias do marroquino Mohamed Berrada, "Como um Verão que não Voltará: o Cairo, 1955-1996" (Quetzal, 2010):

"Hammad não esquecerá o seu encontro com o poeta Salah Jahine no início dos anos setenta. Tendo vindo ao Cairo procurar elementos para a sua tese, instalara-se numa pensão perto da avenida Kasr al-Nil. Uma noite, quando estava estendido na cama, foi iluminado pelo som de um alaúde acompanhado de uma voz doce e, de tempos a tempos, por comentários e risos; os ocupantes do quarto ao lado haviam organizado uma pequena festa entre amigos. No dia seguinte de manhã, perguntou ao proprietário da pensão quem ocupava o quarto: era o compositor Sayyed Mekkaoui. À tarde, ao sair, cruzou-se com Salah Jahine, cujo rosto lhe era familiar. Cumprimentou-o e apresentou-se; começaram a conversar e, quando Hammad lhe disse que gostaria de o rever com mais tempo, o poeta concordou de boa vontade e combinaram jantar juntos. Hammad, ainda cheio de entusiasmo apesar das decepções, inclinava-se para a revisão radical da experiência da esquerda. Nasser estava morto e tinha deixado um vazio que ninguém sabia como preencher. Hammad, ao abrigo da sua juventude e inexperiência, elaborava críticas e indicava o caminho da esperança; Salah Jahine deixava-o falar, contentando-se em intervir de tempos a tempos para lembrar a sucessão de desmoronamentos e recuos que assinalava a morte do grande sonho. Havia na voz dele uma melancolia indescritível; mesmo quando gracejava, o seu riso breve não conseguia vencer o muro de tristeza que o habitava por inteiro. Depois do jantar, Salah ofereceu-se para acompanhá-lo; a conversa continuou. Hammad falava e Salah escutava pacientemente. Chegados à porta da pensão, este disse-lhe: — Ouça, ostaz Hammad, tudo o que diz é muito bonito, mas, infelizmente, não serve para nada. — E porquê, ostaz Salah? — Porque o povo sempre foi de direita! Hammad lançou um olhar surpreendido ao seu interlocutor; continuava embrulhado na sua tristeza, mas, de repente, desatou a rir. Riu-se com ele e depois separaram-se com um aperto de mão. Foi o seu primeiro e último encontro com Salah Jahine."

01/11/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia»

«(...) com quem trocar dois dedos de conversa sobre o pus dos livros quando já se foram Jorge Fallorca (“Decorrido meio século de existência, li e escrevi o suficiente para considerar a escrita – como qualquer outro acto criador – antropófaga até à vileza”, in Longe do Mundo, 2004), Juvenal Garcês (e os nossos diálogos que tanto versavam a genialidade de Ibsen como a mediocridade dos caciques culturais, sem esquecer a superioridade inquestionável das bananas da Madeira), Rui Martiniano, que conheci como Rui “Bancário” para reencontrá-lo no acaso das ruas de Lisboa, tantos anos passados e era ontem, editor da Hiena e tão minoritário como sempre fora, Francisco Brás, o meu vizinho actor motorizado, admirador incondicional de Mário Viegas com quem trabalhou e antagonista encartado do pedantismo, ou toda a outra gente morta ou em silêncio, aqui ou nas cidades, as trincheiras a abarrotar de equívocos e vaidades?

25/10/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Sigamos o cherne!»

«Ai que prazer não cumprir um dever, ter uma crónica para escrever e não o fazer! (E com esta já vou na terceira ou quarta frase de abertura…)

11/10/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer»

«Se recordarmos a Guerra dos Cem Anos que assolou a Europa durante a Idade Média, concluímos, sem que isso nos sirva de especial consolo, que há guerras que vieram para durar.

04/10/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Desafinação outonal»

« (...) Integrado nas comemorações deste ano dedicadas ao nascimento do poeta – dizem que passaram cinco séculos e, pelos festejos, o que seria se não tivessem passado…! –, tal lançamento veio colmatar uma falha de peso. Pois se estávamos até agora impedidos de apreciar o imaginário pictórico que a epopeia camoniana despertara em Valter Hugo Mãe, o que por si só seria de lamentar, muito mais pobres ficaríamos sem a leitura do prefácio assinado pelo prolixo vate (referimo-nos, claro, ao desenhista e não a Luís de Camões, que se limitou quase só a fazer versos).

28/09/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Dos frigoríficos às bombas»

«Sonhei que tinha tido início a III Guerra Mundial. Felizmente, ao acordar, nenhum cheiro a napalm o confirmava.

20/09/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Volta, Peter Sellers!»

«Como antigamente se dizia: mudámos de paradigma. Para trás, os tempos em que os comunistas comiam criancinhas ao pequeno-almoço e eutanasiavam os velhos com uma injecção atrás da orelha. Chegados os bárbaros que nunca mais chegavam do poema de Kaváfis, temos agora imigrantes de proveniências exóticas que raptam e comem animais de estimação, incluindo cães, gatos e gansos.

(...)

Não se pense, porém, que a regressão se dá só nas fileiras trumpistas. Em hordas mais civilizadas e culturalmente tidas por informadas, o retorno ao passado também está aí, à vista de quem o quiser ver.

06/09/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Cronicando»

«(...) Voltando à mexida no gerúndio. Problema menor, se não mesmo inexistente (como reconhece, aliás, o jornalista e escritor brasileiro Sérgio Rodrigues na sua entrevista ao Expresso de 24 de Agosto), inexistente e insuficiente para encobrir a carrada de problemas reais que enfrenta a língua em Portugal.

30/08/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Riso Amarelo»

«(...) não se espere da minha parte qualquer contribuição relevante para o debate actual em torno do idadismo – a nova palavra da moda que, aposto, irá ultrapassar um dia a praga do populismo.

23/08/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Incertezas de Agosto»

«(...) onde pára o jornalismo?

16/08/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Os livros são para se comer»

«(...) A mulher que nunca largará a cor do luto viajou menos do que a mulher de olhos muito azuis. Na realidade, nunca viajou. Com uma história igualmente, se não mesmo mais difícil – mãe espanhola que cruzou o rio em fuga da Guerra Civil e marido contrabandista que cruzaria o rio em sentido contrário enfrentando tanto a Guarda Fiscal como a Guardia Civil – é a prova de que a causalidade é conceito demasiado infecundo, sobretudo quando aplicado ao comportamento humano. Sempre positiva, apesar da vida de trabalho e pobreza, sempre gentil, apesar da dureza que lhe calhou em sorte, contrasta com familiar de sangue e destino comum a quem um simples “Bom dia!” poderá acarretar como resposta: “Bom dia só se for para si!”