Jerry Lewis a escrever à máquina em Who's Minding The Store, 1963
* Esta inspirada e inspiradora cena foi deixada pelo Manuel na caixa de comentários do post anterior. Não podia, nem devia, permitir que se confinasse a lugar tão obscuro.
** Sempre que posso, adoro conjugar o verbo pulular.
O antigo, cada vez que eu espirrava, avançava um número. À velocidade a que contava visitantes, a Pastelaria depressa deixaria de ser uma pastelaria para ultrapassar a lotação de cabine do navio onde cabia sempre mais um em Uma Noite na Ópera. Continuam a ser bem-vindos.
Vão-me desculpar o tom repugnantemente confessional deste post mas há mais de três dias que me dói um dente. Cá vai: a Direcção-Geral da Saúde emitiu uma circular a todos os Centros de Saúde para que criem consultas específicas dirigidas a quem queira deixar de fumar, na sequência da nova lei do tabaco que entrará em vigor a 1 de Janeiro. A dependência tabágica, um dos temas mais fracturantes das sociedades pós-pós-modernas (a juntar a outros, como o aborto, a eutanásia, pena de morte, índice mínimo de massa corporal, celibato de padres e freiras, etc.), transforma-se, assim, numa patologia oficialmente reconhecida em Portugal.
Eu sei que a inveja é uma coisa muito feia. Mas as filas de fumadores arrependidos que imagino a formarem-se nos Centros de Saúde beneplacitamente acolhidas por pessoal de sorriso Pepsodent em riste faz vir ao de cima o pior que há em mim. E pergunto: por que não antes consultas específicas dirigidas a quem não queira ficar desdentado? E já agora também: por que não antes consultas específicas dirigidas a quem não queira ficar cegueta?
Concedo que um abcesso não é uma enfermidade fracturante por aí além, mas desde quando é preciso ser realisticamente moderno para se ter direito a médico? A pergunta é retórica. A dor é real. Recorda-me que o país entrou em delírio e que a Berkeley nunca lhe deve ter doído os dentes.
Num gesto que ficará registado no Guinness World Records como a maior beatificação simultânea, o Vaticano concedeu hoje o título de beato a 498 espanhóis (491 membros do clero e 7 laicos) mortos em 1934 e entre 1936-39, classificando-os como mártires do século XX. Conhecida a íntima relação da Santa Madre Igreja com o franquismo, o historiador Ian Gibson, reputado especialista do período da Guerra Civil, comentou a propósito: «Yo lamento los asesinatos de los curas, porque estoy contra la pena de muerte, pero la Iglesia fue la que sembró la semilla del odio y la violencia. Tienen la obligación de pedir perdón y no son capaces». Em vez disso, encenaram com pompa e circunstância mais um momento «Omo Lava Mais Branco». Mas também, quem é que ainda se lembra disso? Do Omo, quero eu dizer.
Outros ecos Habitam o jardim. Vamos segui-los? Depressa, disse a ave, procura-os, procura-os, Na volta do caminho. Através do primeiro portão, No nosso primeiro mundo, seguiremos O chamariz do tordo? No nosso primeiro mundo. Ali estavam eles, dignos, invisiveis, Movendo-se sem pressão, sobre as folhas mortas, No calor do outono, através do ar vibrante, E a ave chamou, em resposta à Música não ouvida dissimulada nos arbustos, E o olhar oculto cruzou o espaço, pois as rosas Tinham o ar de flores que são olhadas. Ali estavam como nossos convidados, recebidos e recebendo. Assim nos movemos com eles, em cerimonioso cortejo, Ao longo da alameda deserta, no círculo de buxo, Para espreitar o lago vazio. Lago seco, cimento seco, contornos castanhos, E o lago encheu-se com água feita de luz do sol, E os lótus elevaram-se, devagar, devagar, A superfície cintilava no coração da luz, E eles estavam atrás de nós, reflectidos no lago. Depois uma nuvem passou, e o lago ficou vazio. Vai, disse a ave, pois as folhas estavam cheias de crianças, Escondendo-se excitadamente.. contendo o riso. Vai, vai, vai, disse a ave: o género humano Não pode suportar muita realidade. O tempo passado e o tempo futuro O que podia ter sido e o que foi Tendem para um só fim, que é sempre presente.
Pseudoscientific Bigotry in France Immigration issues bring out the worst instincts in politicians who should know better. Congress showed that earlier this year. Now it is the turn of France’s Parliament. It is moving toward final approval of an ugly new law that would introduce DNA testing as a potential basis for excluding prospective immigrants hoping to reunify with family members already living in France. DNA testing can be a useful tool in establishing criminal guilt or innocence. But it has no rightful place in immigration law. Modern French families, like modern American families, are constituted on many bases besides bloodlines and genetics. This is something most French politicians and voters should be aware of. They should also be aware of the cautionary lessons of modern French history. Under the Nazi occupiers and their Vichy collaborators, pseudoscientific notions of pure descent were introduced into French law with tragic consequences. The DNA provision, proposed by a member of Parliament close to President Nicolas Sarkozy, has been angrily denounced by the center-left opposition, principled members of the center-right majority and a member of Mr. Sarkozy’s cabinet. As a result, the legislation has been hedged with some cautionary language, but not enough. Meanwhile, Mr. Sarkozy, who could have intervened to stop this bill at any point, and still can, has not, and is not very likely to. Though himself the son of a Hungarian immigrant, Mr. Sarkozy has made his political name with harsh criticism of more recent immigrants, especially North African Arabs. His pandering on this issue helped win him votes that used to go to far-right extremists like the perennial presidential candidate Jean-Marie Le Pen. Immigrant bashing is an effective vote-getter. Unfortunately, it leads to bad laws, bad policies and needless human suffering for the individuals and families it targets and exploits. Mr. Sarkozy wants to be seen as a statesman. He should act like one.
Christoph Blocher, da UDC, o partido xenófobo que conquistou os suícos com as coisas do costume: crise! crise! crise!; nacionalismo! nacionalismo! nacionalismo!
Forever and ever! The words ring in your heart like wedding bells. As you listen... you remember the intimate vows you have already made to yourself and to him. You think once more of how you are going to build your marriage into a strong, fine relationship. This is going to take a lifetime... and you're glad because you know that both of you are going to work at it. These vows you have made. Soon you will repeat your formal vows. Read the words you will say. Read them lovingly, thoughtfully... and with understanding for what they mean. At your wedding you will make these vows to your husband-to-be. You will want to engrave these words on your mind and heart forever and ever.
Em entrevista ao semanário Sol, o Procurador-Geral da República veio dizer que, em Portugal, as escutas telefónicas «são feitas exageradamente». E acrescentou: «eu próprio não sei se tenho o telefone vigiado».
Solidária com as preocupações orwellianas de Pinto Monteiro, a Pastelaria propõe a criação de um movimento contra a discriminação das escutas: «Get Smart - Queremos Todos Ser Escutados» (nome de código: GSQTSE). Além do mais, é um direito que nos assiste.
Eu não quero ser desmancha-prazeres, nem encurtar o legítimo regozijo dos que se entusiasmam com os 200 mil do Parque das Nações. Mas tenho de lembrar - e, por favor, não matem o mensageiro - que em Fátima a coisa chegou ao meio milhão.
Entretanto, fontes bem informadas, embora encapuçadas, garantem que na Cimeira só se falava do divórcio de Nicolas Sarkozy e Cecilia. Uma infelicidade, terá dito Monsenhor Luciano Guerra, reitor do Santuário de Fátima, que acrescentou: «Mas qual era a média dos socos?»
Acabei de saber que esse romance extraordinário de Malcolm Lowry, Debaixo do Vulcão (há muito esgotado), voltou às livrarias, agora numa edição da Relógio D'Água. Corram a comprar! Este é um daqueles livros que separa águas: há os que o leram e há os que não sabem do que falam.
Aviso à navegação: trata-se de uma obra altamente perigosa desaconselhada a pessoas que prezam a saúde.
Bush é importante e importa-se. Dois vetos presidenciais recentes são a prova do quanto ele se importa.
Primeiro, importa-se com as células estaminais, sobre as quais proferiu a palavra definitiva numa cerimónia onde havia bebés por todo o lado, adaptados quando ainda eram embriões congelados excedentários: «Estas vidas não são matéria-prima para explorar, mas dádivas».
Segundo, importa-se com o destino do dinheiro dos contribuintes, o que provou ao impedir o aumento do financiamento do State Children Health Insurance Program aprovado pelo Congresso, e que permitiria melhorar os cuidados de saúde a cerca de 10 milhões de crianças pobres.
Importa-se e explica-se:
Sometimes the legislative branch wants to go on without the president, pass pieces of legislation, and the president can then use the veto to make sure he’s a part of the process. And that’s what I fully intend to do. I’m going to make sure. And that’s why when I tell you I’m going to sprint to the finish, and finish this job strong, that’s one way to ensure that I am relevant. That’s one way to ensure that I’m in the process. And I intend to use the veto.
Se isto não é cultura pró-vida e prova de relevância que se abata sobre Bush esta praga da Fuzeta: «Permita Deus que toda a comida que hoje comeres vás amanhã cagar ao cemitério, e já de olhos fechados».
Esclareça-se. Se fosse a favor da pena de morte - o que não sou - o abuso sexual de crianças constaria da minha lista de crimes capitais. Acrescente-se. Num caso desses, a justiça por mãos próprias não me causa arrepios, nem na espinha nem na moralidade.
Posto isto: uma coisa sou eu, outra coisa é o Estado.
No início deste mês, a Interpol tornou pública a fotografia de um indíviduo de nome «Vico» que há anos anda a fazer circular na NET imagens de si próprio a abusar de crianças. O apelo para a localização do homem terá dado resultado e, ao que consta, sabe-se agora que o pedófilo vive na Tailândia.
À primeira vista, nada parece objectar a que, para encontrar um criminoso deste calibre, se declare aberta a caça ao homem.
Punhamos de lado pormenores despiciendos, tipo:
E se o meu vizinho do lado tiver uma cara mesmo parecida com o Vico e alguém (com legitimidade mas equivocado) lhe limpar o sarampo?
Pensemos antes no seguinte:
Um pedófilo não é criatura que nos fale ao coração. Se for dentro, tanto melhor. Mas o precedente veio para ficar. E qualquer dia poderá ser a nossa vez de aparecer na televisão do Metro, por muito que não gostemos de pedófilos.
Como dizia não sei quem: de vez em quando, até os paranóicos têm razão.
Não há quarto segredo, Bento XVI não virá a Fátima e Pedro Santana Lopes não falou.
Na Cova de Iria, os peregrinos fartaram-se de esperar pela abertura do novo templo, e com muito menos paciência do que a demonstrada por Job manifestaram-se ruidosamente: «Isto foi construído com o nosso dinheiro!»
Dinheiro que ascendeu, não sabemos se ao céu mas seguramente a cerca de 80 milhões de euros (o dobro do previsto): «Foi tudo pago com (o) que os peregrinos ofereceram a Nossa Senhora», garantiu o reitor do Santuário Luciano Guerra.
Nas declarações de Monsenhor - o mesmo que com sábia clarividência explicou ao Jornal de Notícias, a propósito da violência doméstica e do divórcio: «Há o indivíduo que bate na mulher todas as semanas e há o indivíduo que dá um soco na mulher de três em três anos» - não houve qualquer referência à obra, perdão, ao banco de Jardim Gonçalves, contra o qual vocifera de novo Joe Berardo com visível satisfação, a propósito da dívida de 12, 5 milhões de euros que terá sido perdoada a um grupo de empresas de que o filho do banqueiro, Filipe Jardim Gonçalves, era sócio.
Pergunto eu: além da soma ser bastante inferior à oferecida a Nossa Senhora, que pai não perdoaria a um filho?
Por falar em filhos, continua a saga Maddie: prova do avanço galopante da ciência, veio a público que o espermatozóide de Gery não fecundou a criança desaparecida. Terá sido ela levada pelos extraterrestres em que acredita Paul Allen da Microsoft, pelo menos o suficiente para doar 20 milhões de euros a um projecto que já espalhou 42 antenas parabólicas nos Estados Unidos em busca de contacto?
Note-se: 20 milhões de euros continuam a ser, ainda assim, menos dos que os 80 milhões da nova catedral de Fátima embora mais do que a dívida que Jardim Gonçalves terá perdoado.
Perdão e caridade também para Carlos Cruz que regressou, entretanto, aos palcos do Casino Estoril como apresentador de um espectáculo de fados, enquanto continua - alegremente - a decorrer nos tribunais o caso Casa Pia que recua aos idos de 2002 e para o qual, segundo Catalina Pestana, citando alguns juristas, foi criado expressamente o artigo 30 do novo Código Penal que atenua as penas referentes aos crimes de abuso sexual:
«Antes, um crime de abuso sexual contava as vezes que uma vítima era abusada; o actual Código Penal diz que um crime continuado de abuso sexual conta como um único crime. Eu percebo por que é que foi preciso esticar no tempo este processo, com o tribunal a permitir a repetição de perguntas ad infinitum»
Ao contrário de Carlos Cruz - a respeito de quem se repete à exaustão que é inocente até se provar ser culpado - a ex-Provedora tem vindo a ser criticada com veemência, nomedamente pela Associação dos Trabalhadores da Casa Pia de Lisboa, que a acusa de ter instalado um clima de terror na instituição. É um ponto de vista. E para quem ande distraído, recorde-se como o «ponto de vista» se tornou no princípio gnoseológico do mundo moderno.
Entretanto, o beato Al Gore arrecadou o Nobel da Paz - para descanso das boas consciências.
Por falar em ecologia, e porque o planeta rebenta pelas costuras, visivelmente overbooking apesar da baixa de natalidade ocidental, talvez seja uma boa notícia que, segundo um estudo realizado pelo Serviço de Biomédica e Ética Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, cerca de 50% das pessoas idosas institucionalizadas admitem a legalização da eutanásia.
E quando o Estado já é encarado como legítimo legislador da morte, que mais nos sobra? É o hegelianismo no seu apogeu: «O racional é real e o real é racional». Estamos lixados.
Herberto Helder em Os Passos em Volta será fraco consolo. Ainda assim:
Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio... Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro... Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida... compreende?... a nossa vida, a vida inteira, está ali como... como um acontecimento excessivo... Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é um modo subtil de transferir a confusão e violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação. Faço-me entender? Não? Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam. Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos, do Amor ou da Morte. Percebe? Uma dessas abstracções que servem para tudo. O cigarro consome-se, não é?, a calma volta. Mas pode imaginar o que seja isto todas as noites, durante semanas ou meses ou anos?
Li no Público e é publico. A ida de dois polícias à paisana à sede do Sindicato de Professores da Região Centro, na Covilhã, a pretexto da visita de José Sócrates ao liceu da sua juventude
e duas perguntas intercalares:
1. Porque raio os deixaram entrar?
2. Os ex-colegas da Juventude Social-Democrata terão lá estado a saudar o primeiro-ministro?
(continuando)
motivou, da parte da Governadora-Civil de Castelo Branco, Maria Alzira Serrasqueiro, o seguinte comentário, o qual, na verdade, é um exemplo perfeito de imbecilidade que poderíamos imaginar saído do lápis bem afiado de Eça:
«(os polícias) iam à Câmara e pelo caminho passaram pelo Sindicato».
Embora sem fazer a menor ideia de onde surgiu esta discípula encartada de Américo de Deus Rodrigues Thomaz, é a ela que dedico estas palavras de Robert Wyatt sobre o comunismo, retiradas da entrevista assinada por Rui Tentúgal no Expresso/ Actual de 5/10/2007, e que andava mesmo a apetecer-me transcrever na Pastelaria (não foi o PCP, esclareça-se imediatamente, quem me encomendou o recado).
Eu não tenho crenças, mas ainda sou comunista. Não o consigo explicar mais racionalmente do que isto. O partido comunista afogou-se na água suja do seu próprio banho. O problema é que o capitalismo é um sistema baseado numa louca acumulação de lucros e vai continuar a devorar e a explorar tudo e toda a gente. É cada vez mais uma minoria monopolizada por certos países, certas empresas, certos grupos de investidores. É óbvio que não lhes interessa que toda a gente morra à fome porque aí desaparecem os consumidores. Basta que as pessoas tenham dinheiro para comprar Coca-Cola, hamburgueres e discos da Britney Spears.
Alzira não merece Wyatt? Não.
O cu não tem a ver com as calças? Ai não, que não tem.
Foi através do blogue A Origem das Espécies que fiquei a saber que há uns malucos ingleses que querem que os seus rebentos (e os alheios, por arrasto) só leiam livros com happy end (a notícia aqui), propondo-se lançar todos os outros à fogueira. Pus-me à procura nas estantes de um trecho de literatura infantil passível de ser queimado pelos intrépidos defensores da felicidade custe o que custar das criancinhas e, não tendo encontrado essa história absolutamente deliciosa chamada As Bruxas, de Roald Dahl, decidi optar pelo não menos recomendável Uma Série de Desgraças, assinado pelo obscuro Lemony Snicket, na realidade Daniel Handler, editado em Portugal pela Terramar. Entretanto, fui dar uma vista de olhos ao tal sitedos tais malucos e, vai daí, leio logo o seguinte como aperitivo:
The Happy Endings Foundation (THEF) believes children's books should only have happy endings. It urges parents to buy positive books for their children.THEF was originally founded in 2000 by Adrienne Small after she read the first book in A Series of Unfortunate Events by Lemony Snicket to her daughter. As well as making her feel thoroughly miserable, Mrs Small noticed her daughter seemed to take a more negative approach to life. Sadly, this situation worsened substantially, as her daughter subsequently read all 13 books in the series. Assim, se mais razão nenhuma houvesse, pois bastaria tal coincidência para transcrever na Pastelaria o anúncio da contracapada do Volume II da série, um volume tão desgraçado como qualquer dos outros. Tremam de medo e divirtam-se!
Ao meu simpático leitor: Se ainda não leste nada sobre os órfãos Baudelaire, então, antes mesmo de leres mais uma linha que seja, devias saber o seguinte: a Violet, o Klaus e a Sunny têm bom coração e são espertos, mas a sua vida, lamento dizê-lo, é dominada pelo azar e pela infelicidade. Todas as histórias sobre estas três crianças são infelizes e desgraçadas e a que tens na mão talvez seja a pior de todas. Se não tens estômago para uma narrativa que inclui um furacão, sanguessugas esfaimadas, sopa de pepino fria, um vilão horrível e uma boneca chamada Pretty Penny, então este livro talvez te encha de desespero. Continuarei a registar estas trágicas histórias, pois é esse o meu ofício. Contudo, és tu, leitor, quem deverá decidir se consegues aguentar esta narrativa tão triste. Com toda a consideração, Lemony Snicket Nota final: não conheço Adrienne Small, mas cheira-me que a senhora nunca devia ter sido mãe. É que com uma mãe assim, a filha corre sério risco de se tornar num adulto muito, muito infeliz. Desgraçado, mesmo.
My work/ is prose and poetry/ but I like more Rose/ than dinasty./ My Rose/ is mine/ and dinasty/ I have no one./ Poetry only/ is my dinasty/ my work/ but I like prose too/ when I am with Rose/ comprennez-vous?
António Lobo Antunes não será um incondicional de Pessoa. Foi, porém, ao autor de Chuva Oblíqua que roubei o título, «O maestro sacode a batuta,/ E lânguida e triste a música rompe...//», início de um poema longo que termina assim: «E a música cessa como um muro que desaba,/ A bola rola pelo despenhadeiro dos meus sonhos interrompidos,/ E do alto dum cavalo azul, o maestro, jockey amarelo tornando-se preto,/ Agradece, pousando a batuta em cima da fuga dum muro,/ E curva-se, sorrindo, com uma bola branca em cima da cabeça,/ Bola branca que lhe desaparece pelas costas abaixo...». Em tempos, o escritor disse numa entrevista: «no fundo, o que eu gostava era de escrever poesia se tivesse talento para isso». Atente-se, agora, nesta passagem do seu último romance: «(não sou a minha filha nem nunca tive bonecos, a emoção da morte enganou-me, tive uma ambulância sem rodas com a qual brincava de barriga no chão conforme eu de barriga no chão à mercê dos tais bichos da lua, ginetos mochos ratos toupeiras a aguardar que a mulher do penúltimo quarto do lado nascente ou o suspeito atravessem o apeadeiro e marchem ao meu encontro desprevenidos de mim, escutando as borbulhas de aquário quando o copo se enche ou os prédios de Ermesinde a ruírem no silêncio e tão fácil matá-los apesar da minha falta de pontaria e dos dedos que vacilam, vejo-me grego para segurar numa chávena sem entornar o líquido, tenho de levá-la à boca com o pires por baixo e mesmo assim)», pág. 47. Para tornar mais fácil acharem-se as analogias entre os versos de Pessoa e o excerto de O Meu Nome É Legião, recorro a J-M G Le Clézio: «Les mots ne veulent pas dire les sentiments, les passions, ou les obsessions. Cela ne les interesse pas. Ils vibrent et tremblent comme des oiseaux avant de crier». As palavras, portanto, matéria-prima da ficção, trabalhadas em primeiro lugar não como veículo de sentido mas como signos encantatórios pelos quais o escritor, maestro de batuta em riste, se deixa levar para nos convocar depois. Cavalgando-as: «Faço tudo como quem desejasse cantar,/ colocado nas palavras./ Respirando o casco das palavras./ Sua esteira embatente./ Com a cara para o ar nas gotas, nas estrelas./ Colocado no ranger doloroso dos remos,/ Dos lemes das palavras.», Herberto Helder, Poemacto Nesta ânsia de fazer corpo com as palavras, António Lobo Antunes tem vindo a complexizar-se e a ganhar fama de ser difícil de ler. É difícil de ler. A dificuldade, porém, nomeadamente em O Meu Nome É Legião, reside tão-só na exigência de atenção que a sua escrita reclama. Com uma estrutura narrativa na qual a necessidade (a ordem que possibilita a leitura) rodopia de mãos dadas com o caos, a seu propósito vem sempre à baila o «fluxo de consciência», essa técnica que pela intercepção de espaços e tempos distintos fez a glória de Joyce e continuou a ser glosada por autores tão emblemáticos como Faulkner, Salinger ou Updike. Lobo Antunes tenta ir mais longe, criando uma simultaneidade de registos e de planos que o empurra em vertigem para o barroco, no sentido em que Borges o definiu: um «estilo que deliberadamente esgota (ou quer esgotar) as suas possibilidades». Já não se trata de mera alternância de vozes (aliás, todas as vozes aqui tendem à mesma «música triste»), torrentes confessionais ou jogos de espelhos e perspectiva. É como se o texto, enxuto das limitações bidimensionais pela não linearidade do tempo narrativo, buscasse mais, desesperado por se estilhaçar em pedaços, My Favourite Things subvertido pelo génio de John Coltrane. E é, então, ainda seguindo Borges, que descobrimos um elemento de paródia, muitas vezes não notado: «não assinalou as matrículas, pinheiros bravos, carvalhos (não sou forte em botânica e estava aqui a pensar se arrisco castanheiros ou não, não arrisco, como descrever um castanheiro em condições?), pág. 18; «o cuidado com que o meu pai lidava com a roupa era dos poucos aspectos, bela frase, que a minha mãe apreciava nele mas deixemos se não se importam a minha família de lado)», pág. 34; «lembro-me que há meses, em janeiro ou fevereiro (para quê essa conversa, sabes perfeitamente que janeiro, o mês do teu aniversário e aquele em que a tua mãe, não te disperses, larga a tua mãe, continua)», pág. 40. Na ânsia de chegar ao osso, acrescenta-se em vez de se subtrair («entre a dor e o nada, prefiro a dor», escrevia Faulkner). Recorrendo às técnicas habituais – o policial, o polifónico, o descontínuo, o elegíaco (nas palavras de Maria Alzira Seixo, uma das responsáveis pela edição ne varietur das obras de António Lobo Antunes) – O Meu Nome É Legião arrasta consigo uma história, no caso uma história onde a deliquência juvenil aliada à miséria mais profunda dos bairros degradados compõe um retrato que, sendo do Portugal de agora, é menos um libelo social do que um mergulho nos temas que são queridos desde sempre a Lobo Antunes: a infância (e eis de novo o poema de Pessoa), o desamor, desenraizamento, solidão extrema. Nessa obsessão compulsiva, próxima do delírio, o estilista transfigura-se em maestro e cria frases sublimes: «se ao trancar uma cancela trancássemos a vida inteira mais o vestido da comunhão e os castigos do Altíssimo e nos tornássemos por exemplo uma folha a diminuir na água até nem as nervuras sobrarem», pág. 95, ou «Quando eu era pequeno uma velha do Bairro pegáva-me às vezes ao colo. Menino dizia ela. Menino. Depois faleceu e é bem feita. Por acaso conheço o lugar onde a sepultaram na colina. Cavei às escondidas e encontrei um sapato e uns ossos. Como não ouvi menino nenhum pus lá aquilo outra vez. Experimentei dizer menino aos sapatos e aos ossos e não serviu de nada. Se me entregassem uma escavadora acabava com a colina. Se calhar quase tantos ossos como mãos e desses tantos ossos quais seriam os dela. (...)», pág. 358. Não será, porém, a beleza, antes a «palavra justa» que o move. Nessa busca vem Lobo Antunes construindo uma obra na qual, apesar da crueza das temáticas e da claustrofobia instalada, a compaixão pelas personagens se imprime na sua capacidade para as compreender a todas no desespero comum aos deserdados, que somos todos – aqui: polícias, filhos, putas ou criminosos –, «possessos de vários demónios» que cabe ao escritor dar a ver mas não julgar. À maneira de Tolstoi, porventura, o maior de sempre.
Agradece-se a Manuel Azevedo as sugestões, inspirações e paciência
Gonçalo Amaral, o responsável da PJ pela investigação desse case study que é o desaparecimento de Madeleine, foi demitido por ter vindo a público afirmar que a polícia inglesa andava a favorecer o casal McCann. Sem qualquer pingo de fair play, o homem assumiu o papel do elefante numa loja de cristais. Alberto Costa, relutante até agora em pronunciar-se sobre o caso, apressou-se a vir dizer que concordava com a demissão: «É um acto da competência do director nacional da PJ (Alípio Ribeiro) que eu aprovo», explicou o ministro, numa demonstração rápida e inequívoca de espírito democrático. A tragédia do desaparecimento da criança vem-se transformando, assim, numa novela burlesca, reedição patética do Ultimatum inglês de 1891, quando a Inglaterra negou a Portugal o seu Mapa Cor-de-Rosa e dividiu o continente africano a seu bel-prazer. No presente, e na ausência de qualquer mapa que localize a menina, consta que o casal McCann solicitou a ajuda de Gordon Smith, um cabeleireiro inglês paranormal que já se mostrou disponível para entrar em contacto com as forças espíritas que o habitam, no caso gratuitamente, ao contrário do advogado de Pinochet contratado pelos arguidos para se defenderem de Gonçalo Amaral, e que leva para cima de um dinheirão. Enquanto decorre este braço-de-ferro Portugal/Inglaterra e não se avista nenhum Pantera Negra para marcar golos (Gonçalo Amaral expulso com cartão vermelho), esquecidos os episódios Santana Lopes e Scolari e o país entretido com os computadores distribuídos pelo Governo (que, contas feitas, são mais caros dos que os iguais vendidos na Worten), José Sócrates, oficialmente reconhecido engenheiro por mérito próprio, conquista a Europa empunhando nos intervalos a bandeira dos Direitos do Homem, apesar de ter trocado o Dalai Lama por umas quantas lojas chinesas (e não foi a Zézinha quem me mandou escrever isto). Quando voltar ao activo retomará certamente o seu papel de timoneiro mobilizador das massas, de grande homem de marketing e propaganda, fazendo-nos acreditar que acredita «com deslumbrado ardor, em coisas inacreditáveis — na mocidade iniciadora; na contrição dos velhos partidos pecadores; na alma quinhentista de Portugal ressurgindo; no despertar de um povo, com a vontade bem consciente, e formulada em comícios, de ser novamente esforçado e grande!» Era já isto que Eça pensava de Antero e sabe-se como o poeta acabou mal: meteu-se num duelo com Ramalho e um dia, mais tarde, suicidou-se. Sócrates, de outra fibra, mais depressa dará talvez de frosques, na senda gloriosa de Guterres e Barroso, agora que pôde apreciar as delícias do além-fronteiras. Saber inglês é meio caminho andado para se ir lá para fora. Eu, pobre bloguista, retida neste jardim à beira-mar cantado entre outros por O'Neill, fico-me por estas cantiguinhas que vos ofereço humildemente, caros visitantes. Pirosas mas felizes. E também a mim me apetecia volare daqui para fora. Mas como bem escreveu O'Neill noutro poema: «Você nunca quis ver noutros países?/ - Bem queria, Sr. O'Neill! E... as varizes?»
Em Itália, três religiosas clarissas desataram à estalada entre elas. O grupo, trindade restante e reclusa de um convento em Bisceglie no qual se se incluí a madre superiora, Liliana Martina, locatária há 45 anos de uma confortável cela no edifício, dividiu-se em duas facções e uma deles (a facção maioritária) foi-se à abadessa que, segundo vários testemunhos oculares, teve de ser assistida derivado às agressões. A pancadaria provocou grande surpresa aos habitantes da localidade, facto que só pode ser explicado por ninguém por aquelas bandas ter lido A Religiosa de Diderot. O Vaticano terá agora que decidir o que fazer com as três exaltadas esposas de Cristo. O próprio não emitiu, até ao momento, qualquer declaração.
O global warming, embora por vezes não pareça, pouco ou nada tem de pacífico. Há quem levante as maiores dúvidas ou fale mesmo em impostura. Por exemplo, em português, aqui, aqui ou aqui. O cientista Richard Lindzen é uma das vozes mais críticas. E, na própria Pastelaria, James Lovelock já falou sobre o assunto.
Até agora, contudo, nenhuma aproximação ao tema me pareceu mais clara do que a sintetizada no gráfico acima, picado directamente da Church of Flying Spaghetti Monster, comunidade para a qual, e em boa hora, fui recrutada pelo seu acólito João Lisboa. Spread the word.