30/12/13

Mensagem de Ano Novo que eu não sou menos do que o Cavaco Silva.

Como é sabido, os alemães (e o mundo) levaram com o Hitler porque o homem queria ser pintor e não o deixaram. Nós, segundo confissão pública de Filipe La Féria, levámos com o Passos Coelho por este ser barítono e ele precisar de um tenor. Podem, portanto, os alemães estar convencidos que são muita bons, a realidade é que a eles lhes calhou Adolfo e a nós Pedro. Hossanas nas alturas e toma lá ó Merkel que já almoçaste.
Não querendo, pois, desmoralizar ninguém, antes pelo contrário, termino parafraseando Coluche: “Amigas, amigos, 2013 correu muito bem, 2014 será pior”.

23/12/13

Boas Festas e não se fala mais nisso.

O Mano-Rei! Conheci o Boris Skossyreff em casa dos meus pais, era eu uma criança. Foi lá jantar uma noite, levado pelo Francisco Fernandes Lopes, médico famoso da terra, melómano, grande amante do Bel Canto. Do russo, guardo uma memória vaga. Paletó branco, gestos maneiristas, um monóculo de vidro que lhe acentuava o olhar redondo, de peixe. Lembro-me de sentir cólicas…Um rei e ao vivo… Quando o vi à porta de casa, sem coroa, sem escudo, sem trazer sequer uma espada, confesso a desilusão. Fez-me uma festa distraída na cabeça e cumprimentou a minha avó em francês, ao que ela, que tinha aprendido alguns mots com as filhas do Massé, o gerente da Fábrica Velha que viera da Bretanha para se radicar em Olhão, respondeu, desembaraçada, mulher levada da breca: “J’espere que vossemecê, le prince, aimez charrinhos alimádôs, que é o que há. Merci beaucoup.” Esta parte, a dos charros limados com pronúncia, julgo que não a registei na altura, será frase em segunda mão sacada aos anais da família… Vá lá alguém confiar na sua própria memória!

O que corria em Olhão é que um tal Boris Skossyreff procurava transporte marítimo, não para a Índia mas para o Marrocos francês. Em Espanha tinham-no posto a andar, a ele e às suas manias, de grandeza ou realeza, no caso dava o mesmo. Com a coroa e o ceptro deixados para trás, em Andorra, talvez na prisão em Madrid, entrou em Portugal pela fronteira de Portalegre, a salto e a calcantes, sem papéis e pés elefantinos, diria o próprio, um contrabandista a guiá-lo pelos caminhos da serra a troco de doze pesetas que na altura era dinheiro. Chegados com uma mala de mão que transportavam à vez, acaba a polícia local por mandar o Mano-Rei para Lisboa. Pormenores ultimados, sapatos novos, segue dois dias depois de camioneta, assento de segunda-classe e séquito condigno, um bófia embasbacado por tarefa tão ilustre, “Acompanha vossemecê Sua Alteza e não a perca de vista”, a diferença dos bilhetes por conta do Skossyreff que os iam embarcar em terceira, apertados junto às couves e aos suínos, guardados os talões de despesa que o pajem de serviço já antes morfara um bife e dois ovos à conta, contava o Lopes que tinha visto o recibo assinado pelo Príncipe, tal e qual, Príncipe Boris, um bife e dois ovos, vinho e limões, açúcar e aguardente, total oito escudos e cinquenta, talvez tenham roubado o homem.

O Doutor Lopes era visita de casa. Um extravagante! Estava para Olhão como o ás de copas para a Sueca, se é que me percebe, que por qui sempre houve quem jogasse fora do baralho ou sem o baralho todo. Ainda hoje me pergunto o que o terá levado a ficar pelo Algarve, “impressionista e mole”, como disse o João Lúcio. A única explicação que encontro é a barraca que ele tinha na Armona, para onde ia com a família no Verão, incluindo duas ovelhas não fosse dar-se o caso de na ilha o leite faltar às meninas, todas elas com nomes que não lembram ao diabo mas lembraram ao operista. Belkiss, Melusina, Isis, Selma, só se safou a Raquel e o filho que era Júnior e também estudou para médico, o doutor Lopinhos. O sénior passava às sextas. O meu pai ligava o rádio, um luxo naqueles tempos, a minha mãe, um caso de alforria precoce, servia anis em cálices de vidro fininho que se punham rosados à contraluz, unas ganas de vivir que talvez por ser espanhola gostava de receber, de ter a gente por perto… Lembro-me, já mais velho, das fantasiosas revoltas planeadas na cozinha à volta de um café con leche e pão fresco com mantequilla, como ela insistia em dizer, bombas na guarda-fiscal e boicote à Recreativa Rica, o meu pai da oposição e nós, jovens, com a cabeça cheia de amanhãs que cantam, um deles, o Bentinho, planeava greves operárias na fábrica da família e mais tarde, fez ele bem, pôs-se a andar para a Alemanha, safou-se dos conserveiros e do café con leche que era uma azia no estômago, ele e mais três num carro aprazado em Faro, directinhos a Paris e ala depois para Hamburgo. Por cá, quando se soube, comentava-se à boca calada: “Sabes para onde foi o Bentinho? Foi para a Alemanha Oriental!”, e umas oitavas abaixo: “E sabes como foi para lá? Foi de táxi!”, a primeira uma rotunda mentira mas sempre apimentava a fuga. Viviam-se os tempos dos amanhã que cantam.
Uns anos depois voltou a aparecer por aí, uma peritonite curada num hospital em Berlim do lado de cá do muro, um atestado médico a dá-lo como incapaz, ele com a cópia no bolso e o PIDE na fronteira a espiolhar-lhe os papéis, a revirar-lhe a licença para se ausentar no estrangeiro que caducara há muito. “O senhor, o que foi fazer à Alemanha?”, e o Bentinho, de todos nós o mais dado à literatura: “Aprender a língua de Goethe”. E o agente, desconfiado do tal Goethe: “Qual a razão do regresso?”
“Foi-me dito que a pátria estava em perigo!”, larga o aleijado das vísceras que sabe não correr riscos, o riso a subir-lhe do estômago e a enroscar-se na garganta, nos olhos, e o schwein, como lhe chama entredentes, atónito e reverencial, a bater-lhe continência, a abrir alas para o deixar passar, siga, faça favor, ditosa pátria que tais filhos tem, o comboio quase a partir e o Bentinho em Vilar Formoso, a guerra por um canudo que não seria ele a ir bater com os costados em África, foi bater com os costados em Peniche que o Tarrafal estava encerrado para obras, ou sou eu que confundo as histórias, facto apurado é que o Boris só chegaria à Alemanha lá para quarentas e tais, e depois da Alemanha à Sibéria, como deve ter sentido saudades do calor e do fedor de que se queixava aqui, por agora está em casa dos meus pais trazido pelo Lopes, o Lopes que era amigo do Pessoa e do Almada e arranhava russo, procura barco que o leve para Marrocos.
Vou-lhe contar. Sair daqui de barco parecia a Boris a única forma de contornar a falta de visto para Paris, depois de o cônsul francês em Lisboa se ter negado ao carimbo. Porque passaporte já tinha. Indocumentado à chegada a Portalegre, o apátrida conseguira que as autoridades portuguesas lhe fornecessem um, embora peculiar, só o autorizava a sair. Não era tudo, mas já era alguma coisa, sobretudo porque os espanhóis insistiam em sonegar-lhe os papéis. Na capital fora bem recebido. As celas escuras e pestilentas de Barcelona e Madrid deram lugar em Lisboa a um quarto asseado e arejado de hotel, duas janelas à falta de uma, refeições quentes e fartas, tardes passadas no Café Chiado a pôr a correspondência em dia, The Duke and Duchess of Kent tank you for your kind telegram, visitas ao Estoril, entrevistas aos jornais e, no meio das idas e vindas à Polícia Internacional, ao Governo Civil e à Administração dos Correios de Portugal, onde consegue obter o Bilhete de Identidade nº 893
Titular: (nome próprio), Boris; (apelidos) Príncipe de Andorra, Conde de Orange
Profissão: Proprietário
Domicílio: Hotel Francfort
1, 80 m de altura, olhos verdes, cabelos pretos
ainda lhe sobra tempo para conhecer o putativo Alexandre Románov, perdido como ele na Lisboa dos anos 30, acaso um familiar do Grão-Duque Alexander Mikhailovich da Rússia mas o homem esclarece que não, Románoves há muitos, comenta desconfiado, o calvário dele é outro, proprietário de um cofre cujo segredo está decomposto em duas séries de números registadas em dois documentos diferentes, um na sua posse e outro, que lhe fora indevidamente subtraído pela Máfia durante a sua curta estadia em Nápoles, nas mãos do Al Capone, esse mesmo, o gangster americano, o que está preso e por bons anos, uma infeliz circunstância que complicava tudo, o caso era bicudo, como retomar o contacto, eis o que o afligia, já expedi várias cartas cifradas para Alcatraz mas nunca obtive resposta… E foi quando a visão sinistra de Alcatraz se intrometeu na conversa que Boris concluiu estar na presença de um doido, de um Rasputin aparentemente benigno cujos delírios aspergia a vinho do Porto há quase uma semana, pagava o príncipe de Andorra, sem imaginar que em Olhão não ia ser muito diferente. Vou-lhe contar.
Após acordado o transporte para Marrocos, numa pequena embarcação de recreio que o próprio proprietário cavalheiresca e voluntariamente pusera à disposição do Príncipe, sem mais cobranças do que aquelas que resultassem do arranjo do motor, vinte dias aprazados para a afinação e conserto, vem-se a descobrir que o homem tinha sido preso em Tavira, denúncia de um montanheiro a quem tentara vender uma máquina de notas falsas, o barco inexistente e o putativo marítimo mandado internar no hospício por acórdão do Tribunal onde já estava alistado, mormente por marcar presença nas procissões do concelho onde tem por hábito insultar a Virgem e incensar São José, para escândalo e incompreensão dos acólitos, e por tudo quanto vem de ser exposto, à face dos factos provados, condena-se o réu e etc.
Por esta altura, Boris começava a enlouquecer com a espera, o calor e as peculiaridades locais. Tudo teria sido diferente se Zé da Mónica o tivesse levado a Marrocos. Já lhe falei do Zé da Mónica? Era um bom homem, alegre, corajoso… Esteve durante uns anos emigrado em Angola e na América, até que em desgraçada hora regressou a Portugal, a Olhão, e investiu os tostões arrecadados numa pequena embarcação de cabotagem, o Sorting Clube Olhanense. A vida corria-lhe bem, casado, pai de família, bon vivant e ágil dançarino, os fretes para a Andaluzia e Marrocos não paravam de crescer, a fama dele também, e foi quando se lhe meteu na cabeça acrescentar à carga refugiados políticos, ao que se sabe não pelo que lhe pagavam que seria pouco ou mesmo nada. Os espanhóis tinham-no debaixo de olho, e isto antes da Guerra Civil, a dada altura chega a haver tiroteio, a marinha espanhola ataca-o em alto-mar, a coisa põe-se feia e na fuga morre o piloto do barco, o João de Faro, que leva com uma bala perdida. Era, pois, desse homem, bonacheirão e casmurro, que conhecera a largueza de África e da América, conhecido daqui até ao Mar do Larache, que o Mano-Rei ouvira falar em Faro. Vou-lhe contar.
Estava o Boris Skossyreff já no Algarve, onde lhe tinham dito que seria mais fácil arranjar barco para Marrocos, quando se cruza acidentalmente com o Romão Gonçalves. Uma figura! Conhecido no meio artístico por tenor absoluto, o “tritão lírico do Tejo” apresenta-se a Boris como Romanini, empresário, cinéfilo e tenor, ao seu dispor, o que talvez tenha levado o russo a pensar tratar-se de outro transviado da História. Neste caso a galhardia do nome tinha menos que ver com árvores genealógicas e mais com cubas etílicas. O que acontece é que o Romão Gonçalves havia lançado anos antes um licor, o licor Romanini, que pretendia rivalizar com o abençoado Bénédictine, ao qual quisera emprestar uma certa maviosidade italiana, compreensível num homem dado aos requebros de voz, embora o mesmo não passasse de um composto nacional de mel e plantas, recomendado, dizia a publicidade, para os órgãos respiratórios e, vá lá saber-se porquê, para os músculos. Ora músculos era coisa que não faltava ao corpulento Romão, que não hesitava, aliás, em lhes dar uso sempre que o achava necessário. Umas vezes acabava na esquadra e outras acabava herói, como aconteceu durante a visita dos reis da Bélgica, quando, num “arrojado acto de coragem e patriotismo”, escreveram os jornais da época, se atira às águas do Tejo e bracejando com ciência em direcção ao iate real, acompanha os movimentos natatórios com a interpretação do hino belga, apoteose devidamente registada em película, uma entre as várias fitas que muito contribuíram para a fama de Romão Gonçalves, cantor, nadador, boxeur, enfim, um bardo e um sportsman, qualidade esta que, mais do que o canto, o terá aproximado de Boris nessa tarde solarenga de Maio em que acidentalmente se cruzam o rei e o tenor em Faro.
Todos os caminhos levam a Olhão, é caso para se dizer. E é assim que o avantajado Romanini,

decerto despojado do seu casaco de peles e porventura do cão, por via das temperaturas elevadas que se faziam sentir nesse longínquo ano de 1935, dois adereços que se lhe tinham colado ao corpo desde que aparecera em tais preparos no filme “As Aventuras do Tenor Romão ou O Dó de Peito” de cuja existência Boris Skossyreff não estaria a par... E agora perdi-me... Dizia eu… que foi assim que o avantajado e portuguesíssimo Romanini conduz a Olhão o elegante russo apátrida, na convicção de que Zé da Mónica, seu conhecido, seria o homem certo para levar Boris a Tanger.
Porque a vida não corre a direito, e vai ter agora de acreditar em mim, dá-se o caso de o Zé da Mónica andar por essa altura vestido de mulher. Não porque fosse Carnaval ou ao homem lhe tivesse dado para travesti, mas porque fora o estratagema encontrado para fugir aos esbirros da polícia política que lhe apertavam o cerco. Dois anos escondido em casa de familiares, saídas apenas nocturnas e de bioco mouro a cobri-lo da cabeça aos pés, para acabar por ser preso, atraiçoado por uma falsa amnistia, espancado até à morte acusado de espiar para os ingleses. Não é uma história feliz.
Feliz, se quer que lhe diga, é a história da troupe de circo que os meus pais trouxeram de Huelva, cinco acrobatas fugidos ao Franco que se treinavam no corredor da nossa casa, cambalhotas, flic-flacs e piruetas e eu a espreita-los da cozinha esquecido do café con leche e do pão fresco com mantequilla, até que um dia um deles caiu ao poço e a minha avó acabou com aquilo, foram-se os acrobatas, depois foi a minha avó, as filhas do Massé, o Zé da Mónica, o Francisco Fernandes Lopes, o Romanini, o Mano-Rei, a minha mãe espanhola e o meu pai anti-salazarista, foram todos, mas juro que um dia os cheguei a ver na televisão, no Circo do Monte Carlo, juro que eram eles, pendurados lá no alto, no trapézio, parecia que voavam.
 



20/12/13

Caramba! Gostava de ter escrito isto.

"Neste Governo, minirremodelação é pleonasmo. Ninguém espera que saia grande coisa de um buraquito. Mas anunciada uma mini junto ao chumbo do Tribunal Constitucional parece termos um grande problema. Calma: há um plano B! Embora este seja outro pleonasmo: com este Governo, o plano é sempre B, deve saltar-se o A. Nos Conselhos de Ministros, quando um ministro diz "chefe, tenho uma ideia!", Passos Coelho devia dizer: "Deixa cair essa, diz-me lá a seguinte." É, o nosso sonho era ter um Governo q.b., de medida certa, mas calhou-nos um Governo Pb, símbolo de plumbum, chumbo. O chumbo é um metal tóxico, pesado e maleável. Confere. E mau condutor de eletricidade (olha, vender a EDP deve ter sido a sua única medida certa...) Enfim, este é um Governo chumbado a zagalote do TC, mas, felizmente, há um plano B: fazer um vídeo. O enredo já meio Portugal conhece, há só que mudar as personagens. Aparece uma ministra que tenhamos loura, de passada firme pelos passeios de Lisboa, enquanto se ouve uma voz ao fundo: "Maria Luís Albuquerque e Associados é hoje uma boutique vocacionada para a recuperação de impostos." Entretanto, vão aparecendo um a um os morenos do seu escritório. Passos Coelho no Terreiro do Paço, de cabelos esvoaçantes (há que fazer, rápido, o vídeo...), Paulo Portas a entrar para um táxi, Aguiar-Branco numa arcada... No fim, todos os morenos à volta da loura. E a voz-off: "Os resultados obtidos falam por nós." Oh quanto!", Ferreira Fernandes.

E por unanimidade...

Então, ao que parece, o Tribunal Constitucional, esse órgão caduco e alheado da realidade que insiste em viver em pleno PREC, veio pela sétima vez dizer à rapaziada do governo que a lei burguesa era para se cumprir. Ora tomai e embrulhai. Quanto ao Hélder Rosalino, que vá fazer implantes que bem precisa.

11/12/13

O Meu Reino Não É Deste Mundo

Não interessará nada, mas mudei de bairro. “Vai aonde te leva o coração” escreveu a italiana Susanna Tamaro. Nunca li. No meu caso foi mais: “vai aonde te leva a crise”. A crise levou-me a um simpático bairro. 
Não me queixo. Há quem viva debaixo da ponte, diria a Isabel Jonet que tem estado calada. Se o outro bairro era agitado, este é calmo. Se no outro havia jovens em barda, neste dominam os velhos (eu própria devo estar a ficar velha, tal e qual o António Lobo Antunes).
Gosto do ambiente. Calcorreio a calçada (portuguesa, por enquanto) e perco-me em percursos elípticos que me afastam cada vez mais de casa. O desenho das ruas nada tem de cartesiano. Em vez de um centro, um traçado curvilíneo que persigo aleatoriamente (no espaço-tempo curvo não há rectas nem esquinas pontiagudas...). 
Aproveito as compras e os passeios com a cadela para o descobrir. O louco da travessa de cima que gosta de cães. Opequeno lugar/café vazio onde nunca entrei porque o homem atrás do balcão tem carranca de fascista, que ainda os há (e confirmam-me ojeito para retratista: é ruim como as cobras!). A drogaria que mistura tintas, vassouras, detergentes, louça antiga e um caixote de limões. A loja de candeeiros a que chamam hospital dos ditos. A padaria do mercado onde o cheiro do (bom) café vence os eflúvios do peixe. A serraçãoimprovisada que também vende torneiras e outros encanamentos domésticos. A florista despretensiosa que sabe os nomes das plantas em latim (ou similar). A pastelaria que cheira a bolos de arroz. A loja de velharias. De livros em 2ª mão
Muita coisa fechou. Está a fechar. Às compras, eu e os velhos. Para cima e para baixo, ziguezagueando copernicamente ao ritmo do sol que bate nos passeios.

01/11/13

José Sócrates e o taxista

«Apanhei um Taxi. O Taxista estava a ler um livro. Perguntei-lhe o que lia. Era o novo livro do Sócrates! Haja confiança no mundo.» - Carlos Zorrinho, líder da bancada parlamentar do PS.

AQUI. Juro.

26/10/13

DOZE NOTAS SOBRE LITERATURA EM TOM DE PRECEITO

1) Comece o escritor por ser um leitor curioso, variado e insaciável, capaz de ser «autor dos livros que lê», na expressão esclarecida de Óscar Lopes.
2) Há coisas que não se escrevem, nem sob tortura. Frases como um «rapaz alto e espadaúdo», «lábios vermelhos como cerejas», ou incipits como «tudo começou quando», são admissíveis em clave de ironia ou de apelo à cumplicidade do leitor. Se não, revelam o autor ingénuo, em demanda de leitor apropriado.
3) Aprenda-se com os mestres. Ainda com aqueles de quem não se goste, ou com quem não existam afinidades de imaginário, prosa ou família literária. Quer para os rejeitar (ou exorcizar) ou para os incorporar, impõe-se não serem esquecidos. A literatura não se inventa a cada instante. Reinventa-se.
4) As neves de antanho são despachadas a derreter. Em menos de uma geração estalam e desfazem-se as gloríolas literárias. É sensato ser circunspecto, quer em relação ao sucesso próprio, quer ao dos outros. Têm vocação de fugazes e frágeis.
5) Nunca se deve lisonjear o leitor. Apostar na moda é condenar-se àquilo que já passou.
6) Guardar-se de palavras fortes sobre a matéria, tais como «fulgor», «assombro» e «sublime» e adjectivos derivados. A literatura e a arte situam-se nas zonas do indizível a que as palavras não chegam. Por isso elas descaem, quando são forçadas.
7) A literatura não é sagrada, nem precisa de altares, santinhos, beatos e beatas. Mesmo o texto mais solene e dorido tem um fio lúdico que bule com o entranhado instinto de jogo dos humanos.
8 - Há que valorizar o ofício, a técnica, a velha techné dos antigos, o domínio cuidado e rigoroso sobre os materiais. Essa é a arte em que falavam os Gregos, emparelhada com o engenho, ou inventiva.
9) As teorizações e doutrinas vêm após o texto e exercem-se sobre ele. Quando se tenta o contrário, nem sempre dá bom resultado. Está para se saber se uma hiperconsciência do texto será ou não inibidora.
10) A língua com que trabalhamos apresenta variadíssimas panóplias de recursos. Nenhum deles está vedado ao autor que pode, até, escolher as soluções mais rudimentares. Mas que o texto resulte sempre de uma opção livre e não de uma ignorância limitadora.
11) Considerar que no jardim do Senhor há muitas tendas, como diz a Bíblia algures, ou, se não diz, podia dizer. Com os outros, aprende-se sempre alguma coisa. Pode ser que a criação de espaço e as demarcações impliquem algum alarido. Mas ponderadas em termos históricos, para já não dizer sub specie aeternitatis, soam um bocado a chocalho. Pode, aliás, ser um bom exercício formativo, o de encontrar qualidade naquilo de que se não gosta.
12) Todas as firmações peremptórias sobre literatura estão erradas. E, como no célebre paradoxo do cretense, se calhar, esta também está errada. Bem como as anteriores. Mas não deixa de ser curioso verificar que o gosto da frase bombástica e assertiva denuncia desde logo o outsider ou o parvenu.


[Roubado da página do Facebook do Mário de Carvalho]

23/10/13

Momento confessional

A minha filha do meio nasceu ontem há 24 anos. Quando nasceu, eu perguntei: "É menina ou menino?" (sempre achei que saber o sexo dos filhos antes de eles nascerem era como receber presentes de aniversário na véspera). "É menina", responderam-me. "Outra?!", comentei, mal sabendo que ainda haveria uma terceira. "Sim, e muito mais bonita do que a mãe!", garantiu-me a enfermeira velha enquanto tirava às escondidas uma escova de cabelo do bolso com a qual fez uma risca ao lado no bebé recém-nascido e louro ("não diga nada!"). Ri-me e confirmei ao longo destes anos a minha crença panteísta. Andamos cá para morrermos menos estúpidos do que nascemos.

21/10/13

Manif. de apoio à Troika na Ponte 25 de Abril.

Está convocada para esta segunda-feira uma manifestação de apoio à Troika. O Governo já disse que se quiserem podem usar a ponte 25 de Abril, que é segura.

DAQUI

19/10/13

Era tão secreto como o 3º segredo de Fátima. Afinal, está online.

O tal relatório assinado por um funcionário da Comissão Europeia em Portugal que vê no Tribunal Constitucional uma possível força de bloqueio era secreto.
Na página do Facebook da Delegação da Comissão em Portugal publica-se um relambório justificativo. Quando alguém pede para ler o original, a resposta é (sic): "Tratando-se de um documento interno confidencial a Representação da Comissão Europeia em Portugal não tenciona publicá-lo."

Ora batatas!
Afinal, pode ser lido todinho AQUI

18/10/13

Esta é para ti José Agostinho Baptista

Os emigrantes, essa gente admirável

Numa altura em que em França (às claras) e noutros países (com discrição) se fecham as portas aos desgraçados da Terra, lembrei-me deste episódio a que assisti há muitos anos.


Os mais pobres viajavam, então, de Sud Express.
A emigração a salto ficara para trás, a guerra colonial também, e eles enchiam as aldeias em Agosto.
Desforram-se nos bailaricos, na língua que embasbaca os locais — “foi ali deitar um cu de olho”, querendo dizer un coup d’oeuil —, nas peles nuas e leitosas nunca vistas cumulando de risos piscinas naturais pecaminosas e álgidas, nos encombrants carrões que bloqueiam os rebanhos, nos casebres derribados que dão lugar a maisons imaculadas, babéis de azulejaria e alumínios rascas, obliquidades suíças, colunas e frontões gregos, muito antes de o pós-modernismo ter recuperado o kitsch ou Almodóvar o ter elevado a categoria de culto.
O que mais querem é enterrar a mala de cartão, o trabalho duro do chantier a alombar com cimento, eles. Elas, mulheres-a-dias
“És portuguesa? Então conheces a Maria!”, e eu: “Não, quem é a Maria?”, e ele: “É a minha bonne!”, diz a criança, cujo mundo se resume ainda ao imobilismo de um pequeno faraó.
Os bidonvilles deram lugar aos HLM (Chelas avant la lettre)
a casa da patroa
— a exemplo da Nação, as portuguesas são humildes e honestas, comentam entre si as madames…
à casa de concièrge, a ascensão possível.
 Linda de Suza canta “deux valises en carton sur la terre de France”.
Nos EUA criaram-lhes um museu em Ellis Island: fotografias monumentais, registo da última esperança, rostos cujo olhar explicará muito do futuro da América.

A jovem mulher sentada à minha frente denuncia apenas tristeza e susto. Duas crianças pequenas, um farnel e uma mala amarrada com uma corda. A carruagem leva emigrantes que regressam lá-bas. Homens. Passada a fronteira de Espanha, ela conta que vai à procura do marido: “Deixou de me dar notícias, de me mandar dinheiro…” Mostra o bilhete de comboio e a última morada. Um dos homens explica-lhe, então, que terá de mudar em Irun. Lá chegados, vêmo-la ficar para trás no cais, as duas crianças pela mão e a mala aos pés. Não fala uma palavra de francês.
“Aquilo, o gajo arranjou outra e já nem mora no mesmo sítio!”, diz um dos homens. Os outros concordam. Alguém começa a comer uma bifana fria e o cheiro a pobreza cola-se à carruagem.

12/10/13

Ballet rose?


A primeira coisa a dizer sobre as eleições autárquicas é que a palavra “autárquicas” é difícil de pronunciar. A segunda é que o chamado “arco da governação”, versão elegante do vernáculo “alterne”, foi castigado pelo voto. Sócrates falou em débâcle, palavra francesa para “desastre”, “fracasso” ou “queda”. Mas se falou em “queda” não falou em Albert Camus – tentou apenas citar de Gaulle. Note-se, en passant (de passagem), que dé-bâ-cle é um vocábulo cheio de potencialidades: Débâcle, light of my life, fire of my loins. My sin, my soul. Dé-bâ-cle. Nabokov não faria melhor. Literatura à parte, a terceira conclusão a tirar é que se na noite das eleições o PS tinha ganho, na manhã seguinte o PS tinha perdido. Portugal será por natureza um país dado aos paradoxos e isso explicará também que tenhamos como vice-primeiro-ministro o chefe de um partido cujas câmaras municipais se resumem a cinco num universo de 308. É o penta! É o penta! (estou a citar). Deixando de lado análises mais profundas – aos comentadores o que é dos comentadores –, que teriam de incluir a vitória do PCP (o Alentejo é vermelho, olarilas), de Rui Moreira no Porto (“não percebem nada disto”), de António Costa em Lisboa (os ciclistas deram uma abada aos taxistas), ou dos abstencionistas e demais vencidos da vida, o verdadeiro fenómeno foi o triunfo de Isaltino Morais em Oeiras, mesmo se por interposta pessoa, o que deu inclusive direito a fogo-de-artifício junto à cadeia de Caxias. Ficámos a saber que existem celas para fumadores, o que me parece bastante civilizado, e também que entre um ex-inspector da Judiciária e um condenado da Justiça, vence o segundo. Isto daria um romance que, esperamos, Moita Flores nunca escreva.  

10/10/13

A Teolinda Gersão para o Jorge Fallorca

Há uma frase de Paul Valéry que creio assentar como uma luva à escrita de Teolinda Gersão: “ Ce qu’il y a de plus profond chez l’homme, c’est la peau”. (Traduzo, para quem já esqueceu o francês: “O que há de mais profundo no homem é a pele”).

Escritora discreta, apesar do reconhecimento, “As águas livres – Cadernos II” é a sua obra mais recente. O caderno I ficou lá para trás (1984) e chamou-se “Os guarda-chuvas cintilantes”, facto que a própria se encarrega de nos lembrar agora: «O primeiro, a que na altura não chamei Caderno, foi "Os guarda-chuvas cintilantes". Dei-lhe como subtítulo Diário, o que provavelmente desconcertou os leitores. Na verdade, é um diário heterodoxo, que quebra os dois pilares em que era suposto assentar: o eu e o tempo (…).»

Confessadamente adversa a ortodoxias (nomeadamente, à dos “formatos”), Teolinda Gersão lança “As águas livres” a seguir ao romance “A Cidade de Ulisses”, surpreendendo-nos com um livro algo inclassificável. Com facilidade encontramos nele, pelo menos, três registos: o explicativo, o reflexivo e o descritivo. A sua organização e conteúdo fragmentários atravessam territórios vastíssimos, geografias diversas (dentro e fora do país) – aventurando-se também com mestria pelo universo dos sonhos –, desrespeitam o tempo-sequência, invocam questões/filiações literárias, não desprezam a política, sendo, no essencial, um exercício delicado de “atenção” ao mundo.

A oficina é discreta, o narrador é despretensioso, o texto nunca se põe em bicos de pés. A sabedoria não chega com fanfarras, a palavra dispensa paramentos, o estilo (essa dificuldade de expressão a que se referiu Mário Quintana) é desataviado. «Kierkegaard aparece às vezes de visita.» (estou a citar). 

Teolinda Gersão, As Águas Livres – Cadernos II, 2013, Sextante

Passos Coelho no Quem Quer Ser Pobrezinho?

Pelo que leio e vejo o Primeiro-Ministro ontem esteve muito à-vontade na televisão. Não cantou a Nini, mas pronto, também não se pode ter tudo.
Como se escreve no Delito de Opinião, só se esqueceram de lhe fazer uma pergunta.



A ler um escritor que não foi prémio Nobel


09/10/13

06/10/13

O Eduardo Pitta não sabe usar o google? E terá lido o Magris?

Ninguém é perfeito. Nem eu nem o Billy Wilder que é o mais próximo da perfeição que conheço.
Toda a gente asneira de vez em quando. Mas já lá dizia o velho Sócrates que não há ninguém mais ignorante do que aquele que não sabe que não sabe.

Num país de cegos quem tem olho é rei. Com o google, a miopia ficou difícil de disfarçar. É como aqueles homens que a gente encontra sozinhos à noite ao fundo de um balcão e cujo olhar, cerrado e compenetrado, nos parece profundo e inteligente. Vai-se a ver e o problema é a falta de óculos.

Resumindo: por que é que o Eduardo Pitta passa a vida a dizer asneiras de cátedra e ainda por cima daquelas fáceis de evitar?

"Este ano, a Academia sueca recebeu 195 propostas de todo o mundo. A recepção fechou em Março. Desses 195 nomes, a Academia considerou 48. Este considerar não tem nada a ver com a maior ou menor relevância do autor. A formalização da proposta obedece a critérios que têm de ser respeitados. A 30 de Maio foram escolhidos os cinco nomes da shortlist.Essa shortlist é secreta mas nos círculos bem informados de Estocolmo, especula-se que possa ser composta pelo israelita Amos Oz, 74 anos; o austríaco Daniel Kehlmann, 38 anos; os americanos Don DeLillo, 76 anos [em Novembro fará 77], e Jonathan Franzen, 54 anos; e o judeu-húngaro Imre Kertész, 83 anos [em Novembro fará 84]. A ver vamos. Por mim, tenho muita pena que o italiano Claudio Magris, 74 anos, não entre nestas contas." 

Mas não bastava ir ao site do Prémio Nobel e poupar-se aos disparates?

Descoberto AQUI

Margarida Rebelo Pinto queria ser a Virginia Woolf, José Rodrigues dos Santos quer ser o Lukács

"Os autores que acham que só é literatura o que é exercício de linguagem são autores que estão a fascizar a literatura.", José Rodrigues dos Santos

A pocilga

Machete foi consultor em escritório de advogados que defende angolanos investigados pela PGR

AQUI

Há nórdicos muito civilizados, o pior é o resto

A extrema-direita na Suécia. A merda que vem do frio. 

04/10/13

Resumindo, é isto





Perguntaram ao tipo aí da fotografia:
"If you could give one piece of advice to a large group of people, what would it be?"

E o tipo aí da fotografia respondeu:
"Let me tell you something. I'm a Sikh. And I lived in India back in 1984, when a Sikh assassinated Indira Gandhi. Mobs of people went door-to-door, using voter rolls to identify the Sikhs and kill them. They were chanting outside our door while we hid in the closet. The only reason I'm still alive is that our neighbor convinced them that we'd moved away. So I don't have anything to say to a large group of people. I hate large groups of people."

LIDO numa página do Facebook chamada Humans of New York.  

Eles no Brasil vão aprimorar, nós por cá tiramos o C à direction...



A Comissão de Educação, Cultura e Esporte aprovou, nesta terça-feira (1º), a criação de um grupo de trabalho destinado a estudar e apresentar proposta para aperfeiçoar o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (...)

E enquanto os brasileiros aprimoram, os angolanos mandam os brasileiros às urtigas e o resto parece indiferente à ortografia moderna, os portugueses provam que estão sempre na vanguarda!

Imagem roubada AQUI.

03/10/13

Razão tem o Cavaco: isto há gente mesmo masoquista

"Descobri a escrita do Valter Hugo Mãe numa tarde chuvosa de 2010. O "remorso de baltazar serapião" caíra-me no colo sem pré-aviso e, sem mais nem quê, abarbatou-me pelos colarinhos para me largar apenas depois da desfolha da última página. Arrasado com tamanho talento, só me saíram duas palavras: quero mais."

Excerto de "Carta Aberta a Valter Hugo Mãe", Nelson Nunes, publicada AQUI

30/09/13

Gente civilizada é outra coisa.

Pois é. Somos do Sul, madraços e piegas, mandamos escarretas no eléctrico, não apanhamos a merda dos cães, não devolvemos carteiras perdidas e até elegemos o Isaltino por interposta pessoa.
Já os austríacos são um povo culto e civilizado. A extrema-direita morfou 21,5% dos votos... 

Isto de não comer de boca aberta tem muito que se lhe diga.

MOMENTO DA NOITE!!!!! MOMENTO DA NOITE!!!! MOMENTO DA NOITE!!!!

 "Isto é uma debacle", José Sócrates.

12/09/13

Crónica do Farol

Se, de acordo com o Génesis, foi Adão quem deu nome a todos as criaturas, de acordo com os estudos clássicos foi Aristóteles o primeiro a classificá-las. Sistematicamente. Teologia e filosofia à parte, já toda a gente viu uma criança a fazer “montinhos” de coisas, reunindo-as homogeneamente pela cor, forma, quantidade, etc. A minha geração, pelo menos, lembrar-se-á decerto dos cartoons publicados durante décadas na imprensa, e que consistiam em dois desenhos só na aparência iguais: o título era “Descubra as Diferenças” (este e outros passatempos foram substituídos a posteriori pelo Sudoku, um quebra-cabeças oriental que também terá contribuído, muito antes de ter entrado em vigor o (des)Acordo Ortográfico, para a decadência das Palavras Cruzadas).
Não estarei longe da verdade se arriscar que “fazer montinhos” parece constituir característica essencial da natureza humana: dos jogos infantis à taxonomia científica, reunir e classificar afiguram-se bons candidatos à segunda mais velha profissão do mundo. Tenho para mim que de todos os conjuntos possíveis compostos por elementos humanos – seres que apreciam/detestam gelatina, seres que diabolizam/aplaudem o Tribunal Constitucional, etc. – os conjuntos mais díspares entre si são os que contêm as pessoas que gostam/não gostam de ilhas. Dentro do conjunto das pessoas que gostam de ilhas, existe o subconjunto das pessoas que gostam de ilhas pequeninas. E, dentro deste, o subconjunto constituído pela personagem criada por D. H. Lawrence. Claro que a conhecida frase de John Donne “Nenhum homem é uma ilha” vem baralhar o raciocínio (qualquer que ele fosse). E agora perdi-me. (Quem nunca se perdeu numa ilha que atire a primeira pedra).

05/09/13

E a Síria tão longe

"A Síria é hoje o terreno mais minado para a manipulação dos factos. Regime e oposição (oposições), aliados e inimigos, participam interesseiramente numa campanha de desinformação destinada a justificar e permitir acções favoráveis a um ou outro lado. 

Bashar al-Assad é um ditador cruel e assassino. Se precisar de utilizar, em desespero de causa, armas químicas, utiliza sem hesitações. Os grupos de oposição a Assad são cruéis e assassinos. Se precisarem de provocar um ataque químico (eles têm armas químicas) para instigar uma intervenção internacional, num momento em que militarmente estão quase derrotados, utilizarão as armas sem qualquer hesitação. Se tivessem armas nucleares também as usariam.

A França, os EUA, o Reino Unido sabem disso muito bem. Tem os seus serviços no terreno e “conselheiros” especiais junto de alguns grupos da oposição síria. Se Assad usou as armas químicas, iranianos e russos, sabem muito bem se tal é verdade ou não, porque também estão presentes no terreno. E não é num escritório com ar condicionado numa zona segura de Damasco. Ou seja, todos sabem, menos nós. Nós somos a carne de canhão da “opinião pública” destinada a legitimar o apoio a um ou a outros. Para nós, sobra o outro lado da guerra, o da desinformação, hoje tão fácil de fazer usando as redes sociais, filmes de telemóvel que não se sabe se são verdadeiros ou não, mas circulam. Imagens fortes destinadas a obter ganhos nas opiniões públicas são distribuídas com a menção em letras pequenas de que “não houve verificação independente”. Os jornalistas e os militantes de todas as causas simplificam e arranjam bons e maus, para ajudar á mobilização. Veja-se a Líbia, ou, para outros gostos, o Iraque. A França, que ainda acha que a Síria está na sua área de influência depois de a ter reivindicado na partilha do império otomano com o argumento dos reinos normandos das cruzadas, quer intervir, mas não tem meios. Precisa do Reino Unido e dos EUA, em que há também vontade de intervir para limitar geopoliticamente uma Rússia que, cada vez mais, assume a política soviética e pôr na ordem o Irão.

Podemos tentar aplicar a racionalidade. Assad sabe que as armas químicas são a “linha vermelha”, alguém tem que fazer alguma coisa para que essa “linha” seja ultrapassada. Assad na actual situação militar, que lhe é favorável, não precisa de usar armas químicas. Pelos vistos dizem que ele as usou, certamente para provocar sem necessidade uma resposta militar, nem que seja apenas punitiva. Racionalmente seria uma imbecilidade, mas é possível. Do lado dos grupos da oposição, também se sabe que a “linha vermelha” são as armas químicas, logo a racionalidade é fazer uma provocação qualquer para comprometer o regime e forçar a mão de americanos, franceses e ingleses. Os civis não contam para nada. Racionalmente seria assim, mas neste lado do mundo a crueldade absoluta anda à solta. Vamos continuar a ver na televisão.", José Pacheco Pereira."

30/08/13

Old school é outra conversa

ALERTS TO THREATS
IN 2013 EUROPE

From JOHN CLEESE

The English are feeling the pinch in relation to recent events in Syria and have therefore raised their security level from "Miffed" to "Peeved." Soon, though, security levels may be raised yet again to "Irritated" or even "A Bit Cross." The English have not been "A Bit Cross" since the blitz in 1940 when tea supplies nearly ran out. Terrorists have been re-categorized from "Tiresome" to "A Bloody Nuisance." The last time the British issued a "Bloody Nuisance" warning level was in 1588, when threatened by the Spanish Armada.

The Scots have raised their threat level from "Pissed Off" to "Let's get the Bastards." They don't have any other levels. This is the reason they have been used on the front line of the British army for the last 300 years.

The French government announced yesterday that it has raised its terror alert level from "Run" to "Hide." The only two higher levels in France are "Collaborate" and "Surrender." The rise was precipitated by a recent fire that destroyed France 's white flag factory, effectively paralyzing the country's military capability.

Italy has increased the alert level from "Shout Loudly and Excitedly" to "Elaborate Military Posturing." Two more levels remain: "Ineffective Combat Operations" and "Change Sides."

The Germans have increased their alert state from "Disdainful Arrogance" to "Dress in Uniform and Sing Marching Songs." They also have two higher levels: "Invade a Neighbour" and "Lose."

Belgians, on the other hand, are all on holiday as usual; the only threat they are worried about is NATO pulling out of Brussels ..

The Spanish are all excited to see their new submarines ready to deploy. These beautifully designed subs have glass bottoms so the new Spanish navy can get a really good look at the old Spanish navy.

Australia, meanwhile, has raised its security level from "No worries" to "She'll be right, Mate." Two more escalation levels remain: "Crikey! I think we'll need to cancel the barbie this weekend!" and "The barbie is cancelled." So far no situation has ever warranted use of the last final escalation level.


Regards,
John Cleese ,
British writer, actor and tall person


And as a final thought - Greece is collapsing, the Iranians are getting aggressive, and Rome is in disarray. Welcome back to 430 BC.

Life is too short...

23/08/13

A book a day keeps the doctor away


Não sei se é falta de decoro se é falta de sentido do ridículo, mas é de certeza falta de qualquer coisa

"Não me espanta por aí além. Tinha 19 anos quando na fronteira entre Moçambique e a África do Sul me confiscaram um livro e dois LP que estavam proibidos. O facto de ser menor (naquele tempo a maioridade atingia-se aos 21 anos) não impediu que fosse interrogado durante um quarto de hora. Adiante.", Eduardo Pitta.

E o que não espanta por aí além o autor do parágrafo citado é a detenção por 9 horas de David Miranda, companheiro de Glenn Greenwald, o jornalista do Guardian que tem escrito sobre o caso Snowden. 


Já eu, só citando Sá de Miranda: M'espanto às vezes, outras m'avergonho 

Eu sei que um simulacro não é um espectáculo 3D

Para que fique claro. Fazer um simulacro do incêndio do Chiado para assinalar a data de um coisa que aconteceu MESMO, causou danos irreparáveis na cidade e na vida de centenas de pessoas (memórias, edifícios, empregos que desapareceram para sempre...), é tão estúpido e demonstra tanta sensibilidade como as irmãs do outro a lançarem as cinzas do morto no metropolitano de NY. Às vezes dou por mim a pensar que há uma estupidez tipicamente portuguesa...

Notícia aqui.
A partir daqui

11/08/13

Pela boca morre o peixe

Eu nem sequer tenho opinião sobre o assunto. Sim, há imensos assuntos sobre os quais não tenho opinião. Mas a terminologia usada por este governo não deixa de me dar volta ao estômago. E diz muito sobre as criaturas. 

- as soluções encontradas não põem em causa o «indispensável para garantir condições mínimas de subsistência».
- está garantido o «núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana»

A minha proposta é que a este Helder Rosalino lhe seja assegurada a existência mínima em condições mínimas de subsistência. Vá, vou ser querida: 600 euritos líquidos por mês e vai com Deus.


Leia-se AQUI

10/08/13

Às vezes lá calha...

"Je voudrais bien écrire comme on parle. Je voudrais bien écrire comme on chante, ou comme on hurle, ou simplement comme on allume une cigarette avec une allumette, et on fume doucement, en pensant à des choses sans importance. Mais cela ne se fait pas. Alors, j’écris comme on écrit, assis sur la chaise de paille, la tête un peu penchée vers la gauche, l’avant-bras droit portant au bout une main pareille à une tarentule qui dévide son chemin de brindilles et de bave entortillées.", J. M. G. Le Clézio.

Ouviste? 

03/08/13

Versão actualizada do Apocalipse de São João.

No Paquistão oferecem bebés em directo pela TV. Na Comporta brinca-se aos pobrezinhos. Nos EUA, um casal que procurou no google como cozinhar lentilhas em panela de pressão foi suspeito de terrorismo e visitado por homens de negro. Em Portugal, a associação Animal rebaptiza o cão Zico e chama-lhe Mandela. O Portas faz de primeiro-ministro por 15 dias. O Peixoto ninfetisa Os Mais. O Lomba faz discursos em vez de briefings. O Relvas é embaixador olímpico da língua portuguesa. Cavaco e Passos foram para o Allgarve. O Hospital de Cascais, essa PPP de excelência e hall em mármore, rebentou as costuras. A mim doem-me os dentes e acabaram-se os clonix. Só me falta ficar sem cigarros.

[não estou para pôr links]

12/07/13

Das elites

Assunção Esteves chumbaria em qualquer exame de hermenêutica.

Veja-se a sua singela interpretação da frase de Simone de Beauvoir, "não podemos permitir que os nossos carrascos nos criem maus costumes".
Diz Assunção: "Carrasco significa qualquer elemento de perturbação. Sem querer ofender nada nem ninguém. Significa que quando as pessoas nos perturbam, não devemos dar atenção."

Se era para tamanha profundidade, mais valia ter citado a Simone de Oliveira.

Ler a notícia AQUI.

11/07/13

Ponto da situação

Ponto 1. Cavaco Silva esteve bem.
Ponto 2. Cavaco Silva esteve bem pelas piores razões.
Ponto 3. Cavaco Silva puxou as orelhas ao Passos, lixou o Portas e entalou o Seguro.
Ponto 4. Amanhã, se não estiver muito calor, desenvolvo.

10/07/13

Da cultura geral

O que são swaps? Os meus conhecimentos escasseiam para poder responder com propriedade à questão, mas sinto-me absolutamente apta a explicar o que são suapes. A definição de suapes, ao invés da definição de swaps, não apresenta qualquer dificuldade, evitando-nos mesmo a maçada de ter de distinguir entre os swaps de Maria Luís Albuquerque e os outros. Os suapes nunca são tóxicos, tratando-se de um artefacto simples, contrariamente aos swaps que, como li em algum lado, não me lembro agora onde, “São documentos supercomplexos. Alguns deles indexam os pagamentos ao algoritmo”. Nos últimos tempos, as matérias financeiras têm ganho uma urdidura tal que quase se afigura mais fácil entender mecânica quântica, para não falar de Lacan. A histeria invasiva da linguagem economicista parece mesmo apontar para um novo paradigma, no qual a tradicional oposição entre as Duas Culturas cede lugar à oposição entre os economistas e o resto do mundo. Por exemplo, estou convencida que nem Schrödinger nem o seu gato conseguiriam perceber como é possível, ao mesmo tempo, promover o desemprego e combater a recessão. Talvez o mundo físico, apesar da sua inegável complexidade, seja afinal mais fácil de captar do que o mundo dos swaps, hipótese que os suapes corroboram. Parafraseando Jonathan Swift (“Meditação Acerca de uma Vassoura”), vou chamar-lhes “pau singelo”. A sua história remonta a 1496, data em que foram vistos pela primeira vez em navios ingleses. A função manter-se-ia, tendo embora o seu design sofrido vários aperfeiçoamentos, o último já em meados do séc. XX. Recebe várias designações, sendo suape o nome por que é conhecido na República Dominicana. Em Portugal é vulgarmente chamado esfregona.  

06/07/13

Não sei se o Portas é assim tão inteligente e o Passos tão estúpido. Mas esta pergunta faz todo o sentido: por que é que os políticos fazem tudo nos hotéis como as putas?

AGAIN, A POLÍTICA
E pronto, mais uma vez se salvaram à tangente, os dissimulados corsários. Citado do Seguro. Porque o que se prevê agora é o seguinte, o Portas vai negociar com a Troika e expô-la à mesma chantagem que expôs o país, isto é, vai conseguir no limite uma renegociação da dívida, e depois, projectado como salvador pátrio, vai-se entreter a devorar osso a osso a codorniz que se pensava um coelho. Pelo meio dar-se-á uma invaginação, ou seja o CDS vai sugar no seu útero o seu parceiro de coligação.
E nas próximas eleições metade das pessoas que agora estava tão renhidamente contra nas redes sociais vai achar que mais vale votar na segurança e na manutenção e temos governo à direita nos próximos seis anos. Sobreviverá Seguro, a remos, na jangada? É duvidoso, Seguro que hoje pela primeira vez produziu uma frase com punch: “o mal está feito!” (dava uma boa canção, se quiserem faço a letra…). É muito pouco para tanta parra.
Os jornalistas entretanto continuam a querer competir para ver quem é o mais estúpido e agarraram-se à palavrinha denegada: irrevogável.
E não compreendem a coisa simples: ele revogou porque a política se faz também de desejo e não apenas de dever e as palavras nela são simplesmente bífidas – é um jogo. Se o homem quisesse ser santo iria para a igreja e não para a política. A aura da irrevogabilidade é o que lhe fez ganhar a parada; ele foi tão irrevogável que ganhou em toda a linha, num lance verdadeiramente shakespeariano, até no patetismo. O homem soube cruzar Shakespeare com o lema de Lenin: dar um passo atrás para depois dar dois à frente. É o pós-modernismo, pá!
Por isso o silêncio dele nas costas de Coelho foi mais ruidoso do que tudo o que o outro procurou articular para fingir que não era o Américo Tomás da nova era.
Ninguém deu conta de que o Paulo Portas na reunião entre os dois partidos, no hotel Tivoli (por que é que os políticos fazem tudo nos hotéis como as putas?), estava com um lápis? Um lápis com borracha na ponta. Lição para o país: aquilo que se escreve pode-se apagar. Qual foi a primeira palavrinha que ele apagou do seu caderno?
Vamos aos comentários. Semedo, do BE, leu o discurso do Coelho absolutamente ao contrário, como quis e não o que o seu conteúdo relatava. Está tudo dito, não está?
E como é que um comentador, Pedro Silva Pereira, do PS, vai à televisão confessar que foi consultar ao dicionário da Porto Editora o significado da palavra “dissimular”? Nem como reforço retórico é admissível que um adulto de 40 anos, um responsável político, confidencie que não entende metade das palavras que lê nos comunicados políticos dos partidos adversários. Isto é sério? Depois agarrou-se ao osso da “irrevogação”, tadito…
Será que podemos finalmente ter conversas de adultos?
O banco do Vaticano dedicava-se a lavagem de dinheiro. Parece-me que não chega que o Papa se chame Francisco… a não ser que isso valide o que disse Marx: o que foi por uma vez trágico voltará de novo em farsa…

António Cabrita

E para que a novela mexicana tivesse um final realmente inesperado, só faltava agora Cavaco demitir o governo.

Tudo isto seria cómico, se não fosse dramático.

04/07/13

Uma narrativa

Pedro Passos Coelho (PPC) e Paulo Portas (PP) governam juntos. PPC é maior do que PP. Apesar de PP ser mais pequeno do que PPC, PPC precisa de PP. No entretanto, quem governa de facto é Vítor Gaspar (VG).

As políticas de VG são de grande rigor e guiadas por uma máxima simples, facilmente compreensível pelo POVO: se pauperizarmos a malta, isto vai lá. Dois anos a pauperizar a malta, as metas falham. Tendo ido além da Troika, as dificuldades para pagar à Troika avolumam-se.

Um dia, VG vai ao supermercado (não sabemos qual, embora isso fosse determinante para perceber a extensão classista da contestação…) e cospem-lhe em cima. VG considera que não está para isso depois de tudo o que fez pelo país e salta do barco a meio, deixando PPC descalço.

A notícia cai como uma bomba mas PPC, que não é particularmente inteligente, insiste em que continua calçado. PP, que também já estava com o governo pelos cabelos, e que já tinha tremido com a Linha Vermelha das pensões e tal, demite-se no dia seguinte. Bomba II.

Da mesma forma que não percebeu que a saída de VG o tinha deixado descalço, PPC também não percebe que a saída de PP o deixa de cuecas na mão. Recusa a demissão de PP. Surpreendentemente para muitos, o Partido de PP obriga PP a renegociar com PPC. PP, que é homem de rigor semântico, renegoceia mas mantém que não volta ao governo.

A nova “fórmula” governamental (que atribui mais poder ao Partido de PP) é levada a Cavaco Silva (CS) que enquanto tudo isto decorre grita com Maria CS e vice-versa.

Sentindo-se desautorizado por ter feito papel de corno (o último a saber, para quem não sabe) e tendo umas contas antigas a ajustar com PP, CS recusa a fórmula e exige que PP esteja no governo.

PP recusa. CS espuma. PPC chora. António José Seguro (AJS) ri.São convocadas eleições. AJS e PP saem vencedores (no caso de PP, para surpresa do seu próprio Partido).

Na I República isto tinha dado bordoada da grossa.