30/07/08

Cohen, os gajos engraçados e a sombra do cão

Há um provérbio português que diz assim: Mais vale cair em graça que ser engraçado. Ocorre-me a máxima a propósito de um texto de João Bonifácio sobre o último concerto de Leonard Cohen em Portugal. A coisa tem dias mas só recentemente me chamaram a atenção para tão «explosiva» prosa.
Não conheço Bonifácio e do Cohen conheço-lhe apenas a poesia e as canções. Mas sei, isso sei, quando alguém se esforça desesperadamente por ter graça e parecer irreverente. Sei-o, porque há uma notória diferença entre SÊ-LO e parecê-lo.
(...) Tudo o que de mau há na música de Cohen das últimas décadas - os arranjos ao gosto de Julio Iglesias, o funk branco soft porno???, as harmonias de guitarra à Casino do Estoril, os órgãos planantes para dois dedos de Martini em varanda de resort de luxo ao pôr-do-sol - esteve ali demasiado exposto, bem ao gosto dos turistas alemães de classe média alta???.
(...) É que, por detrás daquela voz de charme e da pose de cavalheiro que está ali por acaso???, ele canta: a sida, a crueldade emocional, o sado-masoquismo, o terror, o advento do fascismo, o crack, o sexo anal, o cunilingus enquanto forma de salvação, todas as coisas bonitas de que precisamos quando estamos de férias no Algarve???.
A minha recomendação é que João Bonifácio passe umas boas férias no Allgarve, já agora, deixe de usar tantas vezes o evocativo «judeu» e, sobretudo, não faça tanta questão em ter graça. Porque não tem. A não ser que estejamos a referirmo-nos àquela sua famosa tradução do Ne me quitte pas de Jacques Brel em que Laisse-moi devenir (...) L’ombre de ton chien passou hilariantemente a Deixa-me ser o ombro do teu cão…

Começam pelas massagens e qualquer dia fumam

Toda a gente sabe como é que começa uma massagem e ninguém sabe como é que ela acaba, disse o comandante da Zona Marítima do Sul, Reis Ágoas, à TSF, justificando a proibição de serviços de massagens nas praias do Allgarve.
Huummm (isto sou a imaginar...)

29/07/08

O Nuno Gama não tem culpa mas há associações de ideias muito infelizes

Lido, para crer, no suplemento «Pública» de 27/07/2008. O artigo é sobre Nuno Gama, o estilista português que, há uns anos, se tornou conhecido por introduzir símbolos da iconografia popular nas suas roupas, e termina com esta pérola: Filhos não tem, mas a promessa de adoptar uma criança africana sim. Enquanto isso, a cadela "Gama" vai levando com a maior parte das atenções do dono.
Tradução para português corrente: enquanto isso, ou seja, enquanto não vem o preto passeia o cão...
Está tudo doido!

28/07/08

Oh pá, não me lixem!

O inspector poderá ser do género de palitar os dentes à mesa e andar de pêlos peitorais saídos. Também dou de barato que todos somos inocentes até se provar o contrário. Mas uma história que mete a Cherie Blair e uma T-shirt exibida desta forma, cheira-me a esturro por muito parolo que isso seja.

27/07/08

Tudo ao estalo e fé no petróleo

Os suíços, que ninguém pode dizer que não são chatos, meteram-se com o filho do Kadafi porque este aplicou dois pares de estalos a subalternos, não percebendo, e cito fonte líbia, que «leur rapport à la violence est culturellement et politiquement très différent du nôtre». Entretanto, as diferenças culturais já chegaram ao petróleo, com os líbios a ameaçar fechar a torneira aos helvéticos.
Para ficar a saber tudo sobre os meandros deste imbróglio civilizacional, ler aqui .

26/07/08

Excelentes notícias, para variar


Protagonizado pelo inesquecível Peter Maynard, a Assírio & Alvim acaba de reeditar Mão Direita do Diabo, de Dennis McShade, igualmente conhecido por Dinis Machado. Primeiro de três policiais escritos por Machado, cerca de 10 anos antes de O que diz Molero, lá pelos 60, sai agora, 40 anos passados, com nova capa de João Fazenda.
Lá dentro, em posfácio, José Xavier Ezequiel dispara com pontaria: «Dinis Machado trata o policial negro por tu cá tu lá. Ele e o policial negro são unha com carne, quase como se tivessem andado na mesma escola, ou assentado praça juntos.
«(...) A ideia dos monólogos maynardo-molerianos veio-lhe d'A Queda de Camus. Já não é para todos. Mas onde é que, até então, se tinha visto um policial de bolso com referências a Dos Passos, Céline, Kafka, Joyce? Onde é que já se viu um assassino profissional que ouve Mozart, Bach, Debussy? Qual era o autor de policiais que os tinha para citar Rimbaud, Cervantes e Grimm no início dos livros?
«(...) Montalbán pode ficar descansado — nunca ninguém vai perceber que, quando Pepe Carvalho nasceu, já Peter Maynard comia pão com côdea.»

24/07/08

Arbeit macht frei (?)

O Parlamento francês aprovou ontem o fim das 35 horas semanais. Segundo a notícia publicada online pela TSF, os defensores da nova lei consideram que ela dá «a possibilidade de os assalariados trabalharem mais para ganharem mais». Algumas linhas acima, adiantava-se que a nova lei siginifica, e cito, que «as empresas podem ultrapassar o limite das 35 horas de trabalho semanal sem terem de pagar horas extraordinárias, desde que estabeleçam acordo com os sindicatos».
Sou eu, ou é a lógica do artigo que não respeita o princípio do terceiro excluído?
(E, neste caso, o terceiro excluído incluirá todos os gajos que vão começar a ir para a rua?)

Comic strip (que os tempos não estão para brincadeiras)


Serge Gainsbourg, 1968

20/07/08

Adopção e tal e coisa...

Queria chamar a atenção para uma coisa: qualquer besta pode ter filhos. A capacidade de reprodução da nossa espécie não está sujeita a nenhum crivo prévio de selecção e, sendo assim, criaturas que engomam crianças com ferros quentes, as espancam porque choram demasiado à noite, as sujeitam ao mínimo denominador comum dos beijinhos e festinhas substituindo-os por televisão ou computador no quarto, as entregam aos cuidados de terceiros porque andam demasiado ocupadas com a carreira ou com a festa da Bibi (e não falo de nenhuma Bibi em particular, até porque não conheço nenhuma…), ou as usam para se promoverem socialmente estão todas à-vontade para criarem famílias tradicionais.
Vem isto a propósito da discussão sobre a possibilidade de casais homossexuais poderem – ou não – adoptar. Discussão que segue a outra, sobre a possibilidade de os casais homossexuais poderem – ou não – casar.
Quanto a esta última, o único argumento que me ocorre é o seguinte: se os homossexuais querem dar o nó, o que é que o Estado tem que ver com isso? Será pouco elaborado, mas serve para recordar que, como já sabia o velhíssimo William de Ockham, a parcimónia é preferível às explicações rebuscadas.
Quanto à adopção por homossexuais, a realidade dos factos – a de que qualquer besta pode ter filhos – deveria levar os seus opositores a reflectir um pouco mais no assunto. Eu, pessoalmente, não tenho dúvidas. Se faltasse à minha filha mais nova (e aqui bato na madeira quatro vezes), há um casal amigo formado por dois homens que a trataria como uma princesa.
A mim, são coisas destas que me fazem pensar.

19/07/08

Nunca me tinham chamado tal coisa

«As praias naturistas estão a ser completamente invadidas por têxteis. Na semana passada, no Meco, 80 por cento dos frequentadores eram têxteis. De certa maneira, isso inibe o aparecimento de novos nudistas», contou Rui Martins, acrescentando que os nudistas não estão contra os têxteis, mas sim «contra alguns abusos de pessoas que não são nudistas e adoptam comportamentos exibicionistas ou vão para a praia com intuitos menos próprios».

17/07/08

Assuntos íntimos

Um par de cuecas que pertenceu à Rainha Vitória de Inglaterra vai ser leiloada no dia 30 de Julho, informou a BBC. «Têm o monograma VR, (Victoria Regina), pelo que sabemos que eram dela. Tendo em conta a proveniência e o pedigree, são uma peça muito excitante», disse à BBC Charles Hanson, da leiloeira. As cuecas estavam na posse da família de uma antiga dama-de-companhia da Rainha. Espera-se que o leilão da peça ultrapasse os 630 euros.
J. C. E. estará comprador?

14/07/08

Coisas que gosto de ver escritas preto no branco

A «cultura de prepotência e de arbítrio dos tribunais plenários da ditadura generalizou-se nos tribunais comuns na democracia» até porque os magistrados transitaram do Estado Novo sem questões de maior, depois de terem sido «instrumentos de perseguição e até de eliminação dos democratas que então lutavam», Marinho Pinto.
O resto aqui.

13/07/08

Sem título

Nem o silêncio, nem uma praga, nem o estilhaçar de
um copo
te levarão para junto do mar e do amor.
Longe,
existe no sul, mutilada pelos assassinos,
uma vila onde nasceste,
algumas redes, alguns barcos, alguns peixes de olhar cego
no pensamento do pai,
minúsculas ilhas sem roteiro nem mapas,
pequenas magias que não te conduzem à alegria e às
estátuas de sal.

Agora,
são as filhas que esperam, três fontes, três enigmas,
três rainhas de um tempo de devastados tronos,
de breves antecâmaras da morte,
isto a que chamamos vida, amanhã, sentido dos dias,
e é tão-somente o que resta de um medo mais vasto, nas
fronteiras do mundo.

Algures,
nos caminhos que vão para norte, repousa ao
abandono, no sombrio hotel do esquecimento,
aquele que tanto amaste, que tanto amámos.
Mas tu vais e vens e não queres que vejam como às vezes
sofres.

Dobras-te como as espigas num campo amarelo,
num Verão antigo.
Danças seriamente sobre altíssimos saltos.
Espalhas à tua volta lantejoulas de tropicais sonhos,
de Méxicos belos e Las Vegas de falso ouro e melancolia.
Cantas no interior do fumo.
Mas a tua voz não tem o timbre das terras suaves.
E eu não sei como dizer-te
que nestes rios de mezcal
navegam príncipes azuis em tumultuosas vagas e há um
desespero de náufragos no coração dos amigos,
esses que não fogem do sonho e das lágrimas,
como se não tivessem um corpo aberto às navalhas,
inclinado sobre a dor,
à tua espera durante horas.

Não precisas de bater à sua porta.
Não respires demasiado, à beira dos seus jardins.
Não quebres os espelhos de prata onde se reflectem os
cisnes da sua água,
no meio do lago triste.
Vem pela noite, cruza as pontes, traz um pouco de
incenso,
e se partires,
vai com o sol ao longo da margem,
ao lado do mar.

10/07/08

As instruções de Bobone

Paula Bobone junta-se a Zita Seabra e publica na Alêtheia Editores um novo título: Manual de Instruções para Homens de Sucesso. Não li, mas o texto promocional esclarece que se trata de «um livro que reúne as regras básicas de etiqueta que um homem deve saber nos dias de hoje para fazer face a qualquer situação social ou profissional. Quem entra primeiro no elevador, o homem ou a mulher? Quem entra à frente no restaurante, ou no táxi? E à beira de umas escadas, quem avança em primeiro lugar?»
Inexplicavelmente, a obra, cujo lançamento teve lugar no Grémio Literário, em Lisboa, não foi apresentada pelo professor João Carlos Espada.

09/07/08

04/07/08

E quanto a budismos mal-amanhados ficamos conversados

«(...) Como aquela mulher, amorzinho, que me escreveu uma carta há uns tempos, a dizer-me, imagina só, presta bem atenção:
"Tu não és o Jack Kerouac. O Jack Kerouac não existe. Ninguém escreveu os livros dele, sequer."
Apareceram de repente num computador, sem mais nem menos, eis o que ela provavelmente pensa, foram programados, meia dúzia de sociólogos loucos, com grandes óculos e cabeça em forma de ovo introduziram no computador uma amálgama de informações confusas e depois a máquina cuspiu o manuscrito completo, todo muito bem dactilografado a dois espaços, e então o tipógrafo contratado pelo editor limitou-se a compor o livro e o encadernador limitou-se a encaderná-lo e o editor distribui-o pelas livrarias, com a respectiva capa e a contracapa repleta de elogios rasgados, tudo isto para que o tal inexistente «Jack Kerouac» pudesse não somente receber um cheque de direitos de autor do Japão no valor de dois dólares, mas também a carta desta mulher.
Pois bem, David Hume foi um grande filósofo e Buda tinha razão, numa perspectiva de eternidade, mas isto já passa um bocadinho das marcas. É claro que o meu corpo não passa de um campo electromagnético e gravitacional, como aquela mesa acolá, e é claro que o espírito é efectivamente inexistente, no sentido que lhe davam os antigos mestres do Dharma, como Hui-Neng; mas, por outro lado, será possível que a ignorância de um idiota prive alguém de ser quem é?»
Jack Kerouac, Duluoz, o Vaidoso, Relógio D'Água, trad. Paulo Faria, 2008

01/07/08

The high-fashion Pope

O Osservatore Romano, jornal oficial do Vaticano, veio esclarecer a opinião pública que Bento XVI não calça Prada. E acrescentou que «as escolhas de Sua Santidade são guiadas por Cristo» e, deduz-se, não por Miuccia.
Recorde-se que em 2007 a revista Esquire tinha eleito o Papa como o «accessorizer of the year» pelos seus sapatos vermelhos.