04/07/08

E quanto a budismos mal-amanhados ficamos conversados

«(...) Como aquela mulher, amorzinho, que me escreveu uma carta há uns tempos, a dizer-me, imagina só, presta bem atenção:
"Tu não és o Jack Kerouac. O Jack Kerouac não existe. Ninguém escreveu os livros dele, sequer."
Apareceram de repente num computador, sem mais nem menos, eis o que ela provavelmente pensa, foram programados, meia dúzia de sociólogos loucos, com grandes óculos e cabeça em forma de ovo introduziram no computador uma amálgama de informações confusas e depois a máquina cuspiu o manuscrito completo, todo muito bem dactilografado a dois espaços, e então o tipógrafo contratado pelo editor limitou-se a compor o livro e o encadernador limitou-se a encaderná-lo e o editor distribui-o pelas livrarias, com a respectiva capa e a contracapa repleta de elogios rasgados, tudo isto para que o tal inexistente «Jack Kerouac» pudesse não somente receber um cheque de direitos de autor do Japão no valor de dois dólares, mas também a carta desta mulher.
Pois bem, David Hume foi um grande filósofo e Buda tinha razão, numa perspectiva de eternidade, mas isto já passa um bocadinho das marcas. É claro que o meu corpo não passa de um campo electromagnético e gravitacional, como aquela mesa acolá, e é claro que o espírito é efectivamente inexistente, no sentido que lhe davam os antigos mestres do Dharma, como Hui-Neng; mas, por outro lado, será possível que a ignorância de um idiota prive alguém de ser quem é?»
Jack Kerouac, Duluoz, o Vaidoso, Relógio D'Água, trad. Paulo Faria, 2008

4 comentários:

Anónimo disse...

Respigo, sem ofensa, do Público de hoje:

"Nos anos 1960, a crítica literária teve de se defrontar com o marxismo e, depois, e em rápida sequência, com o estruturalismo, o pós-modernismo e a semiótica, correntes demasiado esotéricas para que delas possa, ou queira, falar.
A partir de então, a crítica literária foi tida como uma espécie de ciência. Tudo ficou de pernas para o ar, não me devendo eu espantar que a Língua Portuguesa tenha sido separada da História da Literatura nem que a análise do texto o seja dos respectivos autores."

Maria Filomena Mónica

Por Filomena fiquei, pois, a saber que a gestora desta Pastelaria é uma cientista. Persigno-me e até, se necessário, genuflectirei. Confesso que a visão dos cientistas, geralmente, me conduz (como a João Pereira Coutinho) ao "stresse da prestação".
Felizmente, a ciência não costuma querer nada com a literatura... muito menos, com a poesia (esse dialecto de maricas)...

Peço perdão.

Rui leprechaun disse...

Eureka! de quem se fala aqui... o velho Hui-Neng... ah oui! :)

Eh pá! mas isso de campo electromagnético e gravitacional já me soa a muito universal...

Ora eu também como quando como e quando durmo durmo...

Rui leprechaun

(...e neste espaço temporal a minha vida arrumo! :))

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Ora vê lá esta catástrofe Cristina