28/02/13

Rudolfo, o bipolar. E nós pagamos a este gajo?

Num país sério, este tipo ia para a rua, não ia?
Vamos lá ver. O referido, de seu nome Rudolfo Rebêlo, não é humorista. Não é cronista. Não é comentador. Não é deputado. Não é um cidadão anónimo a fazer uma graçola no facebook.
Este Rudolfo é assessor do primeiro-ministro. De primeiro-ministro, para ser mais exacta e preposicional.


Na terça-feira decide armar-se em piadético e tornar pública no seu mural no Facebook uma carta redigida por ele, assinada supostamente pela Lagarde e supostamente em resposta à carta do Tó Zé ao FMI (a carta não foi escrita para os amigos do Rudolfo no FB, é de acesso público).

Eu estou-me a borrifar para a Lagarde e para o Tó Zé. Mas até eu, que me estou a borrifar para a Lagarde e o Tó Zé, terei mais sentido de Estado do que este palhaço bipolar.
A coisa, ou seja, o país, oscila entre o circo e a creche. 


Parafraseando um ex-secretário de Estado, "vai tomar no cu", Rudolfo. Ou isso, ou chá. 


Este cartaz merece. Do Rui Fazenda.


Palavra de ordem para a manif. de 2 de Março: Que Se Lixe a Troika, Queremos a TV Rural de Volta.



Roubada no criativo mundo do facebook.

A book a day keeps the doctor away: lido e recomendado

25/02/13

“De manhã vamos todos acordar com uma pérola no cu”


A prova de que Portugal não aguenta tamanha austeridade está no ritmo das anedotas. Fait divers que se transformam em casus belli, e não, não falo do anúncio público do próximo casamento do ministro-adjunto. 
Há tempos foi o levantamento contra Pepa. Indignada com o facto de a jovem ter trocado os desejos de paz, amor e o fim da fome em África pela futilidade de uma mala, a nação falou a uma só voz e a voz de Pepa foi silenciada. 
Tivemos também Zico. Mais de 70 mil assinaturas em defesa de um cão acusado de matar uma criança. A mobilização contra o seu abate surpreendeu tudo e todos incluindo Francisco Louça que, após analisar o “problema de segurança” à luz dos princípios da IV Internacional, assinou a petição. 
Entretanto, José Luís Peixoto foi à Coreia do Norte duas semanas e publicou “Dentro do Segredo”. A leitura do livro, que também poderia ser chamado “O rapto de um telemóvel no país de Kim”, permite concluir que Deus dá vistos a quem não tem unhas e que há países bem mais pitorescos do que o nosso. 
Mais do que pitoresca, exótica, é decerto Erica Fontes, portuguesa que ganhou o prémio XBIZ de melhor actriz pornográfica internacional, algo que teve a virtude de despertar por momentos um povo murcho e deprimido. Bem-haja, Erica, mais o seu “Anally Talented”! 
Franquelim Alves, não sendo loiro, também foi mobilizador. Antes tivéramos o “espremedor da Nutella”, exemplo maior do empreendedorismo jovem, o regresso da “TV Rural” e, por fim, o “quer factura?”. O AO foi metido a martelo no assunto – “tomar” ou “levar” – num debate que se mostrou inconclusivo. 
A última anedota que li é que Miguel Relvas sofre de insónias e quer mandar os jovens para o campo. Fica-nos a faltar um meteorito. Cavalos e cavalgaduras já temos.

23/02/13

A questão preposicional (take two)


Indignar-se, mas só se for em bom português e na ideologia certa



Corre nas redes sociais - e já obrigou as várias autoridades implicadas na coisa a virem esclarecer o sucedido - o texto de uma passageira de um comboio do Norte que assistiu a uma cena que a indignou. 
Resumidamente: tratou-se de uma multa passada ao dono de uma cadela que a transportava no comboio sem bilhete.
O revisor chamou a polícia, o dono do cão foi expulso do comboio, depois de este ter estado meia-hora parado, e levado para a esquadra como se tivesse cometido um crime, tipo assalto ao BPN. 

Preço do bilhete (da cadela) em falta: 2 euros.

O curioso da história são os comentários "politicamente esclarecidos" que alertam para o facto do referido texto conter erros de sintaxe e ortografia, além de denunciar um perigoso amor pelos animais que já Hitler e os nazis... Etc., etc., etc.
Se bem percebo: indignação, mas só se for intelectualmente elevada e meter a Grândola.
Há gente que nasceu parva e há-de morrer parva.

21/02/13

"O mestre e a prima do mestre-de-obras" ou isto não anda nada bem em lado nenhum



A primeira imagem é do carro pintado pela Joana Vasconcelos, numa escolha de cores que "incluiu o vermelho do Benfica, o azul do Porto e o verde do Sporting, mas também o amarelo-torrado e o rosa escuro. Juntas, caracterizam o espectro cromático que está presente na vida dos portugueses e que no IQ permite camuflá-lo para se movimentar na cidade", diz a própria.

A segunda imagem é do Ford 021C desenhado por Marc Newson em 1999.

Mesmo considerando que só o segundo é uma peça de design concebida de raiz e o primeiro apenas pintalgado, a evolução não parece muito prometedora. E nem vou falar de conceitos!

20/02/13

O estado da nação II

Estes tipos são todos mas é uma cambada de paneleiros (no sentido forte que lhe dava o Mário Cesariny).

Anda uma malta pelo país a cantar as Janeiras, perdão, o Grândola - nada de tomates ribatejanos, bengaladas queirosianas, nada de nada -, e eles vá logo de gritar que a democracia foi "abalroada".

Abalroada?!!! Eu queria vê-los era no Titanic.

O estado na nação

Outros povos receberiam os governantes à tomatada. Outros ainda, à pedrada.
Nós recebemo-los com cânticos.
E ainda há quem se queixe do civismo. 
[Claro que haverá sempre quem diga que começam a cantar e qualquer dia fumam...]

19/02/13

Coisas que eu assino por baixo de olhos fechados

«Cruel ironia. Na semana em que o Primeiro-Ministro descreve a economia portuguesa com mais uma das suas fórmulas trôpegas (“a selecção natural das empresas que podem melhor sobreviver está feita”), ficamos a saber, pelo Público, que nove empresários da restauração se suicidaram nos últimos três meses e 11 mil empresas do sector foram à falência. 
José Manuel Esteves, secretário-geral da Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, acrescenta que se trata muitas vezes de “microempresas de cariz familiar, e por isso as consequências são ainda mais gravosas”.
O Governo, entendamo-nos, não pode ser directamente responsabilizado por estas mortes. Mas a frieza dos números mostra a realidade, na vida das pessoas, do “processo de ajustamento” que Passos quer fazer passar por natural, inevitável e certo como uma lei da ciência. Vivemos acima das nossas posses? Pois agora morremos abaixo das nossas posses. As espécies, quando não se adaptam, extinguem-se, lá dizia o Sartre.
Se o Primeiro-Ministro tivesse um bocadinho de mundo fora das jotas, das empresas dos amigos dos concursos ganhos pela mão do Dr. equivalente Relvas, saberia que há metáforas insultuosas. Sobretudo quando vêm de um parasita que sempre fugiu à “selecção natural” graças aos favores de hospedeiros bem colocados. 

A selecção natural actua por pequenos passos, mas até as espécies condenadas à extinção podem perder a paciência.»
AQUI

17/02/13

O grito do Ipiranga II

Como decíamos ayer – que foi o que terá dito Frei Luis de Léon ao retomar a cátedra em Salamanca após cinco anos de cárcere a mando da Inquisição –, o grito do Ipiranga proferiu-o o primeiro-ministro a 6/Fev/2012: “Não sejam piegas!”. O tempo estava frio e seco e a partir daí tem aquecido talvez graças à chuva.
Valha a verdade que, embora o pensamento político de Passos continue a resumir-se àquilo que Eça e Ramalho já haviam verificado ser as ideias do Partido Reformista do seu tempo (“Economias!”), a governação tem-nos oferecido recentemente um pouco de consolo, ou de “conhaque”, se preferirmos o sabor queirosiano. E assim como “Não sejam piegas!” marca o ponto de viragem em que Portugal se assume como país empreendedor capaz de inventar ovos estrelados embalados, a recente “ida aos mercados” inaugura uma era orwelliana em que ao júbilo de pedir dinheiro emprestado a juros mais altos do que aqueles que nos são concedidos pela troika, se acrescenta, em jeito de remate, a contratação de um secretário de Estado que só a incapacidade de síntese de um assessor nos impediu de ver imediatamente tratar-se de um herói nacional.
Este novo paradigma enfrenta, todavia, alguns escolhos do passado. É assim que o país se indignou sem justiça com a lição de moral cristã ditada por Ulrich, cego ao exemplo de humildade que a frase “somos todos iguais” acarreta.
Nada que o governo não resolva com mais uns cortes nos privilégios dos doentes que insistem em adoecer, dos alunos que insistem em não aprender, dos desempregados que insistem em não trabalhar, das mães que insistem em parir.
Caros amigos, isto não é um governo, é uma revolução. Preço da coisa: 4 mil milhões de euros, mais coisa menos coisa.

14/02/13

Ainda é Carnaval?

Pensei que era piada, mas afinal é verdade. Relvas, o grande pensador, respondeu assim quando perguntado sobre o que achava do "tomar no cu": «"respeito e respeitamos" quaisquer opiniões de ex-membros do Governo.» 

Isto é pior do que o Partido Reformista do Eça e do Ramalho.
«De quem gosta mais, do papá ou da mamã?
«Respeito e respeitamos quaisquer opiniões de ex-membros do Governo.»

13/02/13

Portugal no seu melhor (ainda me estou a rir)

«(...) o especialista em impostos indirectos, Afonso Arnaldo, destaca que “a obrigação do consumidor final é a de pedir factura”. Não obstante, refere, “não tem a obrigação de conservar a factura”, pelo que se for “interpelado por um inspector do Fisco, pode dizer que a pediu e deitou fora”. »

LER AQUI

Só para avisar que neste estabelecimento não se passa factura

Agradecidos.

12/02/13

Talvez ainda alguém se lembre de quando em Portugal se vendia carne de cavalo em talhos especializados...

... os procedimentos eram, na altura, mais artesanais e quem comia cavalo eram os pobres.
Agora a coisa parece que se sofisticou. Como, aliás, o mundo em geral.
Ler AQUI.

11/02/13

O grito do Ipiranga


Tudo começou, quase que aposto, naquela 2ª-feira, 6 de Fevereiro, em que Passos Coelho nos aconselhou a ser “menos piegas”. Era 2012 e o inesperadamente revelado Santo de Massamá, nórdico e “invulgar”, praticamente um Caco Antibes como diria Falabella, afinado de voz e alto de ossatura, governava. 
A “tecnicidade” chegara-lhe com Gaspar e o registo vocal engrossara ao serviço da pátria, adequando-se agora às medidas de austeridade que saltavam das cartolas ministeriais. O “rapaz bonito” que disputara taco a taco com Portas a benquerença das peixeiras transformara-se num homem feito, chefe obstinado a quem começava a cair o cabelo. Os sorrisos rasgados e a irmandade universal na crise davam lugar à contração dos músculos e a um português técnico de sintaxe duvidosa. 
“Não sejam piegas!” foi o grito do Ipiranga. A direita, que recua às mocas de Rio Maior e às farmes coloniais, quando não aos tempos em que o Barreiro era mortal para os asmáticos (representada agora pelos seus iglantónicos descendentes, moços que, uns mais garbosos do que outros, na “busca do conhecimento permanente” haviam descoberto o caminho para a Professor Gomes Teixeira), contextualizou a coisa. 
Se bem se lembram, após a pieguice veio a “Nini” a 7 de Setembro, e, já no Natal, a frase de recorte camoniano, “Muitas famílias não tiveram na Consoada os pratos que se habituaram”. 
Três marcos arredondados do pensamento do primeiro-ministro, guardados o “desemprego como oportunidade” e a “emigração como aventura”, o todo alicerçado numa visão bolchevique do “homem novo”, temerário e visionário, capaz, por exemplo, de prever que o país se vai encher de pistas de aviação, tal como o Infante de Sagres soube prever a expansão marítima (cont.)

10/02/13

Isto é malta cosmopolita sua cambada de parolos

No "Casino" de Martin Scorsese, o tipo que faz de advogado da máfia no filme, Oscar Baylin Goodman, era, na realidade, Oscar Baylin Goodman, advogado da máfia na vida real e mayor de Las Vegas entre 1999 e 2011.
Assim sendo, não sei o que é que Seara pode ser menos do que Goodman, uma novela da TVI menos do que um filme do Martin, e Sintra (ou Lisboa) menos do que Las Vegas.

Descoberto aqui.

Princesa

A baixa política

Sob pressão do PS, que recusa discutir como refundir o Estado - melhor dizendo, como poupar 4 mil milhões de euros até ao final do mês, que ainda por cima só tem 28 dias - um secretário de Estado divulga publicamente que Gaspar e PS acertaram juntos duas leis. 
«Em reuniões discretas», diz o SOL. Note-se que não diz «secretas».
Para quem tenha da política uma visão ingénua, ou para quem pense que os políticos são uma espécie de padres missionários só que em vez de pertencerem a uma ordem religiosa militam em partidos, poderá ter sido um choque.
A mim, pessoalmente, e sem nutrir qualquer admiração por nenhuma das congregações, choca-me sobretudo que um secretário de Estado venha à televisão tentar entalar assim o parceiro de jogo.
Mas num país em que um tipo que adiou confessadamente a denúncia de irregularidades graves passa a ser tratado como um herói nacional e convidado para o governo, vale tudo.

E até já porcos foram vistos a voar numa auto-estrada, não foram?

09/02/13

Portugal, uma questão de caracteres

Meus caros amigos, o mistério do currículo de Franquelim Alves está finalmente esclarecido.

Um assessor do primeiro-ministro - qual, não nos é dito, mas nós também não temos espírito inquisidor - terá ficado à rasca para sintetizar, sob a pressão inexorável do tempo, um texto de 8 mil para 500 caracteres.

Como eu o compreendo! Para o assessor anónimo, vai toda a minha solidariedade. Uma vez pediram-me para resumir o "Ulisses" de Joyce a 800 caracteres e só eu sei o que sofri.

07/02/13

Parem as máquinas! Finalmente um momento de alta política: "Trotski é culpado pelos crimes de Estaline?", pergunta Álvaro a Mariana.

Da defesa pungente de Álvaro a Franquelim.
AQUI via.

Um poema, um poema, que de resto é tudo gente feia.

Este é para ti, Jorge Fallorca.


Eu comi uma inglesa.
Foi em Sintra. Era feriado.
Com esparregado e essa tinta
mint-sauce. Em português,
molho de hortelã-pimenta
com vinagre. Uma beleza!
Alguma batata frita.
Mas eu quis fetos arbóreos,
musgo das fontes, avenca
e pétalas de camélia,
branca-rósea,
para enfeitar a travessa
e trincar, de quando em quando,
uma pétala na fímbria
das orelhas da inglesa,
dizendo: «O tempo está
tão lindo! Não achas, Daisy?»
«I like Shelley» — dizia ela, cheirando a colégio d'Oxford.
«Swifi Summer into lhe Autumn flowed...»
tem tradição. Vem de Chaucer.
«Eu também gosto» — eu disse,
paraninfo de Euridices —
«porém prefiro John Keats.
I stood tip-toe
Upon a liitle hill
tem mais naturalidade.
É como se estivesse aqui.
Quanto ao Byron, tu bem sabes
como ele soube viver Sintra:
A glorious Eden inhabíted
by savage Lusitanians.
À sova não me refiro.
Tudo isso é história antiga.»

«It's true! É verdade!»
(disseste-o, desmemoriada,
mas reticente...
e dobraste-me a parada)
«Mas não esqueça o que ele sofreu
quando dizer lhe vieram: Shelley morreu.
— Atravessou o Helesponto
a nado!...
I weep for Adonais...»

«Não, não é.» — contestei eu.
«Isso é do Shelley, dedicado
a Keats.
I weep for Adonais
because he is dead.

Eu choro Adonais
porque morreu.

Não está mal... a tradução,
mas tens razão!
Eu sou português e não
falo com a boca cheia.
Esta mania lusíada
de cuspir no chão é feia.
Nós não vivemos na selva.»

E ela, tola-lograda:
— «Don't be silly. Há o fado!
I like fado. Não gostas!
Tu tens a melena cheia
de brilhantina. You look
almost like a fadista!»

Passei a mão pela testa
e desgrenhei a madeixa,
dizendo: — «Queres morangos,
figos, amoras ou beijos?...»

……………………………………………
«Obrigado, obrigado, Daisy.
Não sei se estás a troçar
ou a brincar...
pulling my leg para ti.
Mas, enfim, vamos passear
até ali.»

(No fundo, o que eu desejava
era mordê-la na boca,
meter-lhe a mão entre os seios,
voar a cavalo nela.)

Foi uma tarde acabada
na relva, sob pinheiros,
chamaecyparis, ulmeiros,
sequóias, abetos, faias
e a cor azul das hortênsias.

Foi sobre a relva orvalhada
pelo frescor de um riacho,
quando o sol obliquava
e em volta era tudo seiva,
que eu comi uma pantera
escura, feroz, inglesa,
com o cheiro de violetas
debaixo do meu nariz.

(Fulva, para quem quiser
modas pré-rafaelitas, a pantera!
Tanto faz! Ou morena.
Convenção como convém a uma inglesa
convencional, de ocasião.)

E quando nos despedimos
— era noite, havia estrelas —
disseste com essa fleuma
que tão mal me fica a mim:
— «I'll see you later. Do come.
Vem amanhã tomar chá.
Eu gostar muito de ti.»

Loira, era loira a inglesa
que eu comi...
Verde, devia dizer,
Branca-rósea, uma camélia,
que eu comi, ou que colhi.
Já nem sei...
A savage Lusitanian,
dei-lhe só o que ela quis.
Ou queria...
Com peitinhos de perdiz
e alguma poesia:
The air was cooling
And so very still.
Ruy Cinatti, "À Memória de António Nobre e de Cesário Verde", in «Memória Descritiva»

06/02/13

A propósito de uma coisa chamada obrigações de capital contingente (Coco's para os amigos)...

"Os 200 milhões de euros conseguidos com a operação foram, tal como previsto, entregues ao Estado para amortizar parte do empréstimo concedido, em Junho, ao abrigo da linha da troika para o sector financeiro de 1500 milhões de euros em instrumentos híbridos (obrigações convertíveis em acções em determinadas condições, designadas ‘CoCos’).

 A física teórica sempre me pareceu uma coisa séria, assim como isto, antigo mas absolutamente actual.

 

... e a propósito de desanuviar "desta atmosfera de flatulência e de refluxo gastroesofágico que nos assola", um conselho aos governantes

                             Imperatriz Elisabete da Rússia - Vigilius Eriksen

05/02/13

A book a day keeps the doctor away: Engano, Philip Roth


Eis um divertissement que requer alguma coragem. 
Publicada originalmente em 1990, “Engano” é uma novela que tem como tema o adultério mas em que os verdadeiros “enganados”, se os há, são os leitores de Roth. 
Os temas, tratados aqui recorrendo apenas à forma de diálogo, são os habituais: a escrita, a solidão, a América, o judaísmo, Israel, as mulheres, a esquerda, o envelhecimento. 
Amantes adúlteros conversam. Quem conversa com quem é uma interrogação que só a início perturbará o leitor. Depois o texto vai-se compondo com mestria, num sedutor exercício de prestidigitação, hipnotizados que ficamos pelo número de magia revelado paulatinamente à medida que avançamos na leitura. 
Quem é Philip, a personagem masculina, escritor americano e judeu, adúltero rendido a uma mulher mais nova, suficientemente neurótica para que ele se interesse por ela? Roth, claro, tantas são as pistas que nos são dadas. Mas logo a conclusão parece precipitada, e é o próprio Philip (personagem) quem nos baralha os indícios, colocando-nos a nós, leitores, no papel da mulher legítima que confunde ficção e literatura, manipulação e verdade. Confundirá? 
A pergunta nunca chega a ter uma resposta satisfatória, enredada no paradoxo do mentiroso, sendo o mentiroso, e isto é inevitável, aquele que escreve. 
O próprio, aliás, considerará a questão despicienda (“Quando um romancista digno desse nome [chega a uma certa idade], já não traduz a sua experiência numa fábula: impõe a sua fábula à experiência”). 
Paródia de si próprio, “Engano” ficciona o escritor, ou a imagem pública do escritor, divertindo-se a baralhar as cartas, numa variação irónica do verso de Pessoa: “O poeta é um fingidor…”. No fim, vence em casa, claro.

Philip Roth, Engano, D. Quixote, 2013, trad. de Francisco Agarez

04/02/13

Living in Portugal

Não sei se é por vontade de Deus, da troika ou do mapa astral. 
Não sei se é por sermos tão, tão da borda-d’água. Por vivermos tão, tão encostadinhos ao Atlântico que se porventura algum inimigo nos quisesse atirar ao mar, já nos teríamos afogado todos. 
Não sei se é do vento, do excesso de poetas, das 20 mil caixas de antidepressivos/dia ou da baixa tendencial da taxa de natalidade. Não sei se é castigo por Miguel Relvas não ter feito o curso direitinho e dizer “ouvisto”, que nem vem no Acordo Ortográfico.
Não sei se é do Sócrates ter fugido, do La Féria não ter contratado o Passos Coelho, ou do Afonso Henriques ter guerreado a mãe. Não sei se é do D. Manuel ter corrido com os judeus. Não sei se é do Salazar, do Afonso Costa, do João Franco ou do Cavaco Silva. Não sei se é da gaivota que voava, voava, se do Camões ter perdido um olho. Não sei se é do Humberto Delgado ter sido assassinado ou de Maria, a Louca ser louca. Não sei se é das Invasões Francesas ou do Ultimato Britânico. Não sei se é do Allgarve se do Europe's West Coast, da Ínclita Geração ou da Geração de 70.
O que sei é que, de repente, um diploma de “As Novas Oportunidades” tornou-se equivalente a um doutoramento em astrofísica.
Ouvem-se as coisas mais descabeladas ditas por gente que a única coisa que fez na vida foi saltitar da casa da mamã para o colo das juventudes partidárias e do colo das juventudes partidárias para o regaço da AR, quando não para o seio aconchegante do governo.

“Living in Portugal” pode ser muito bom, como quer Paulo Portas, mas está a tornar-se perigoso para a sanidade mental local.
Até há quem garanta ter visto porcos a voar numa autoestrada e satélites a multar carros de mulas. Eu já não digo nada.

03/02/13

Os espirros sebastianistas de Edite Estrela

"Politicians, ugly buildings, and whores all get respectable if they last long enough", Noah Cross, aliás, John Huston, in "Chinatown", provavelmente o melhor filme de Roman Polanski.

O problema é que ainda é tudo muito novo.

01/02/13