30/05/11
As estrelas da Lídia Jorge ou do bizarro conceito de ironia da dita
24/05/11
"They say Wilder is out of touch with his times. Frankly, I regard it as a compliment. Who the hell wants to be in touch with these times?"
Como dizia o velho xerife de Este País Não É Para Velhos: "Porque muitas das vezes que eu digo que o mundo está a ir direitinho para o Inferno ou alguma coisa do género, as pessoas limitam-se a fazer-me um sorriso e dizem-me que estou a ficar velho. Que este é um dos sintomas. Mas cá no meu entender, se alguém não vê a diferença entre violar e assassinar pessoas e mascar pastilha elástica é porque tem um problema muito mais grave do que o meu.”
23/05/11
Beleza é Fundamental
Teorizar, quiçá, sobre o significado absconditus das diferenças nasais entre Louça e Sócrates; dois narizes de similar proeminência cujas pirâmides são absolutamente distintas (a importância dos narizes na História ficou provada naquela obra de Albert Uderzo e René Goscinny, na qual César, o imperador romano e não o açoriano, confrontado com a fúria de Cleópatra diz, de si para si, É bela, mas a mostarda sobe-lhe facilmente ao nariz; convicção idêntica à do filósofo Pascal que, também ele, dissertou com elegância sobre o mesmo: le nez de Cléopâtre: s'il eût été plus court, toute la face de la terre aurait changé).
Em minha defesa (ou seja, do tema desta crónica) – que muitos entenderão fútil dada a situação do país – invoco Wilde: Só as pessoas superficiais não julgam pelas aparências. E usando o irlandês como âncora, chego ao ponto: os políticos portugueses são, maioritariamente, muito feios. Este facto pode parecer despiciendo mas não é. Já que entrámos em recessão, já que nos vamos ver gregos, ao menos que nos ofertassem algum consolo estético.
A estética anda subavaliada. Será por isso, por ex., que a submersão de parte da lindíssima Linha do Tua não suscitou mais do que uns quantos suspiros nostálgicos, rendidos os lesados à frieza (vil) das compensações.
Num país decente, ou até na Itália de Berlusconi, aquilo era capaz de fazer vir charters carregadinhos de chineses. Por cá, uma velharia a descartar em nome da modernidade e dos negócios. Mas desvio-me do assunto que, em verdade e resumindo, era isto: eu prefiro homens bonitos (não me interpretam mal; o meu estilo é o Gregory Peck).
22/05/11
21/05/11
19/05/11
A book a day keeps the doctor away: "A Humilhação", Philip Roth
A Humilhação é, como a maioria dos seus trabalhos mais recentes, um texto curto. Uma novela. Uma história contada em poucas páginas totalmente centrada no seu protagonista, Simon Axler, actor sexagenário que, de súbito, se vê desprovido de talento e incapaz de subir ao palco: “Em vez da certeza de que ia ser espantoso, sabia que ia fracassar. Aconteceu três vezes seguidas e, na última, já ninguém estava interessado, ninguém apareceu. Não conseguia chegar ao público. O seu talento estava morto”.
Velhice, sexo, dinheiro, fama — temas caros a Roth — conduzem a acção que, neste caso, se constrói como uma sucessão de cenas expurgadas de acessórios. A América está lá, mas filtrada pelas personagens que valem por si, quase sem enquadramento.
A recepção crítica a A Humilhação não foi muita boa, para não dizer que foi má. O escritor viu-se acusado de ter perdido fôlego, de ter publicado um trabalho esquemático, quiçá programático. Uma banal fantasia sexual masculina travestida de ficção.
No “Guardian”, William Skidelsky (que também se dedica à gastronomia) chegou a aconselhá-lo a sair um pouco mais de casa (o que me pareceu descabido, a não ser que Skidelsky estivesse a referir-se a comer mais vezes fora).
O livro é muito bom e, sobretudo, tremendamente simples. Conciso. Preciso. Como sempre, claro, expurgado de matéria adiposa, seco, irónico e implacável: os bons sentimentos não fazem a boa literatura, muito menos a do autor de Pastoral Americana.
A tantas vezes invocada “misoginia” de Roth não deve ter ajudado. Após uma passagem voluntária por um hospital psiquiátrico (momento ficcional em que se desanca numa série de lugares-comuns ligada às contextualizações psicológicas: “Uma pessoa chega a um ponto de desespero em que tenta tudo para explicar o que lhe está a acontecer, mesmo que saiba que isso não explica coisa nenhuma e que as explicações falhadas se sucedem”), Axler pensa ter encontrado a salvação na relação amorosa que inicia com Pegeen, a filha de um casal de actores amigo, agora com quarenta anos e um passado de lésbica.
Humilhado pela debandada inexplicável do seu talento no início — o que acarretaria o fim do seu casamento com Victoria —, o velho actor é humilhado de novo no final, ao ser abandonado por Pegeen, a maria-rapaz que o seu dinheiro havia conseguido transformar numa boneca de luxo: “O que estava a fazer era apenas a ajudar Pegeen a ser uma mulher que ele desejasse, em vez de uma mulher que outra mulher desejasse”. Mas a fantasia masculina de converter uma lésbia aos prazeres da heterossexualidade terminará num pesadelo de vexame e solidão. Por fim, numa tragédia.
A salvação mostra-se impossível, como bem o prova o comportamento radical de Sybil Van Buren, doente psiquiátrica que se cruza com Axler no início da novela (mãe de Alison, uma menina molestada pelo próprio pai) e que se mostra incapaz de lidar com o sucedido até encontrar a solução final, inesperada e desesperada. E é nessa personagem secundária, franzina e frágil, que parece residir a chave de A Humilhação: como se qualquer tentativa de suprir o sofrimento apenas servisse para o reproduzir — “o que vai ser o sofrimento de Alison”, pergunta-se depois de Alison ter sido vingada.
Hipótese de recurso? A de transformar a dor em arte; fingir representar, por exemplo, uma peça de Tchekov.
Philip Roth, A Humilhação, D. Quixote, 2011
16/05/11
Ainda Dominique
Evolução
Na Roma antiga, o Coliseu lá do sítio organizava espectáculos que, por vezes, se mantinham em cartaz mais de um trimestre. Os seus actores costumavam durar bastante menos.
Um programa típico organizava-se assim: de manhã, combate entre animais exóticos, de bom porte e quanto mais ferozes melhor; a hora do almoço era reservada à execução de prisioneiros; à tarde chegavam os gladiadores que lutavam entre si até um deles ficar sem cabeça. Tudo cenas para homens de barba rija, mesmo se as mulheres também podiam assistir, embora, a partir de determinada altura, em zonas reservadas apenas ao sexo fraco. Os espectáculos no Coliseu terminaram em 523, por serem considerados bárbaros, mas, durante séculos, a “caça às bruxas e aos hereges” (com as suas fogueiras a céu aberto) continuaria a animar as turbas sedentas de recreação.
O advento da televisão veio alterar tudo isto. A violência passou a ser servida a frio a qualquer momento do dia (com incidência ao jantar), editada por profissionais e mediada pela passagem do tempo: o morto do ecrã não é morto – ali – na hora. E este intervalo tornou-se, entre outras coisas, num elemento facilitador das digestões de quem assiste às notícias enquanto trinca.
Guerras mais recentes (Golfo, Iraque, etc.) optaram por um estilo mais gráfico, gerando imagens que mais pareciam saídas de um jogo de computador com muito poucos cadáveres, chamados agora “danos colaterais”. Estávamos neste ponto, quando as gravações por telemóvel voltaram a alterar tudo outra vez. É o massacre na escola registado por uma vizinha, é o óbito de um ditador difundido em pormenor, é a bebedeira de um estilista a servir de justa causa para o seu despedimento.
“O meio é a mensagem”, abreviou McLuhan nos idos de 60. Seja qual for o meio, uma questão me encanita: quanta violência conseguirá um humano visualizar sem que se lhe fechem as pálpebras e dispare o neurónio da compaixão? E é aqui que entra Elliot: “Vai, vai, vai, disse a ave: o género humano/ Não pode suportar muita realidade”.
15/05/11
Não consigo parar de rir [sim, eu sei que não devia]
14/05/11
11/05/11
07/05/11
Quem me dera Las Vegas!
(Escrito este primeiro parágrafo — demasiado longo para um artigo de jornal, eu sei, eu sei — a angústia volta de novo: “a minha cabeça estremece com todo o esquecimento” e o Herberto que me perdoe).
O mais simples seria falar do FMI e citar o Zé Mário Branco apesar de o contexto ser outro. O contexto é importante. O contexto chega a ser fundamental. Fenomenal. O que justificaria o ensejo de sacar agora da fenomenologia do Heidegger (viva a cultura!), ou de referir pelo menos o espanhol que, assim como assim, sempre dá para transcrever no original (um dos autores preferidos do nosso primeiro-ministro embora demissionário), Ortega Y Gasset: “el hombre es él y su circunstancia”.
A circunstância é que, no caso, o nosso primeiro-ministro embora demissionário terá gostado muito de ler A Rebelião das Massas só que entretanto a massa foi-se e quanto à rebelião — a ser — talvez lá mais para Agosto que como cantava o Zé Mário, apesar do diferente contexto: “Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? (…) A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer isto dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular!”.
Assim sendo, resta-me plagiar Quincas Borba (“ao vencedor, as batatas”) e aguardar por alguma ideia de jeito.
Publicado no caderno "Actual" do Expresso de hoje.
05/05/11
Isto é mesmo um país de bananas governado por sacanas e nem leva links
03/05/11
01/05/11
A book a day keeps the doctor away: "Contos Carnívoros", Bernard Quiriny
Se gosta de Borges, Poe, Marcel Aymé… vai gostar de Bernard Quiriny.
Belga francófono, acaba de ser traduzido pela primeira vez em Portugal. Uma antologia de 14 histórias a que se acrescenta uma 15ª assinada por Enrique Vila-Matas, em jeito de posfácio.
Imaginação é a palavra-chave. Um jovem, ainda (n. 1978), Quiriny tem-na para dar e vender. A prova vem logo a abrir, com “Sanguínea”, o relato de um caso de amor entre um homem e uma mulher cujo corpo está coberto por casca de laranja.
As ficções que se seguem não desiludem. O escritor sabe manter-nos em suspenso, e cada conto vale por si. À imaginação, alia um conhecimento aprofundado da literatura do género, usando-o com subtileza e escapando ao mero pastiche.
O seu “alter-ego” Pierre Gould, personagem que tem o exclusivo de uma das narrativas, “O Extraordinário Pierre Gould”, fascina com razão Vila-Matas que, em posfácio (“Um catálogo de ausentes”), não deixa de dialogar com o autor de “um romance intitulado História de um Adormecido, que era, no seu dizer, o lipograma mais restritivo do mundo: proibira-se o uso de todas as palavras do alfabeto, com a excepção do z. O que dava ‘Zzzz, zzzz, zzzz’, e assim sucessivamente, ao longo de trezentas páginas.”
O conto que dá título ao livro (embora grafado no singular) põe em cena Latourelle, botânico que se enamora por Dionaea, “rainha de entre todas as plantas carnívoras”. Há um padre cuja alma se passeia entre dois corpos. Há uma tribo amazónica com uma língua incompreensível. Há um assassino a soldo que tem de levar a cabo um suicídio. Há um “escritor em formação” desprovido em absoluto de ideias…
Aliando a clareza matemática ao terror carnal, os contos de Quiriny são… para comer.
Contos Carnívoros, Bernard Quiriny, Ahab
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