07/05/11

Quem me dera Las Vegas!

Um dia ia acontecer. A angústia da página em branco.
“All work and no play makes Jack a dull boy”, como escreveu desalmadamente Jack Torrance durante aquela estadia na neve que acabaria com ele frozen e bem frozen dentro do labirinto, imagem que me conduz vá lá saber-se porquê – insondáveis são os caminhos da memória — a uma viagem a Las Vegas em que estando eu a tomar nota de um pormenor qualquer no átrio do Casino Royal — enquanto uma voz metálica repetia a espaços precisos “three, free, frozen margaritas now!” — um dos porteiros do casino me perguntou e não era para meter conversa: “Are you writting a poem?”.
(Escrito este primeiro parágrafo — demasiado longo para um artigo de jornal, eu sei, eu sei — a angústia volta de novo: “a minha cabeça estremece com todo o esquecimento” e o Herberto que me perdoe).
O mais simples seria falar do FMI e citar o Zé Mário Branco apesar de o contexto ser outro. O contexto é importante. O contexto chega a ser fundamental. Fenomenal. O que justificaria o ensejo de sacar agora da fenomenologia do Heidegger (viva a cultura!), ou de referir pelo menos o espanhol que, assim como assim, sempre dá para transcrever no original (um dos autores preferidos do nosso primeiro-ministro embora demissionário), Ortega Y Gasset: “el hombre es él y su circunstancia”.
A circunstância é que, no caso, o nosso primeiro-ministro embora demissionário terá gostado muito de ler A Rebelião das Massas só que entretanto a massa foi-se e quanto à rebelião — a ser — talvez lá mais para Agosto que como cantava o Zé Mário, apesar do diferente contexto: “Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? (…) A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer isto dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular!”.
Assim sendo, resta-me plagiar Quincas Borba (“ao vencedor, as batatas”) e aguardar por alguma ideia de jeito.
Publicado no caderno "Actual" do Expresso de hoje.

2 comentários:

lourdes Féria disse...

Boa crónica. Diz qualquer coisa, queria muito beber um copo contigo enquanto pomos a escrita em dia. A escrita que foi interrompida naquela noite no Camões.Ou... convido-te para almoçar, está bem?

F disse...

"writing"
;-)