26/08/12

Assange e o Desejo

Quando esta crónica for publicada talvez eu já esteja a banhos e Assange no Equador. É difícil de prever. Londres insiste em mandá-lo para a Suécia. Quito ofereceu-lhe asilo, mas como chegar a Quito? San Francisco de Quito, de seu nome completo, fica no “meio do mundo”, está rodeada por vulcões e eleva-se a mais de 2800 metros de altitude. Tudo isso é o menos, claro. O problema, para já, é chegar ao aeroporto. Dentro da mala diplomática? Inside of a dog?
Eu nunca fui a Quito. Tenho pena. Também gostava muito de visitar as Galápagos, embora nas Galápagos não se possam dar voltas de tartaruga.
À Suécia já fui e não serei eu a dizer que fiquei apaixonada. A coisa mais engraçada que tenho a dizer sobre a Suécia é que ainda hoje sou capaz de distinguir o sueco das outras línguas nórdicas (apesar de não falar nenhuma…), devido ao consumo exacerbado de Bergman durante a adolescência. Quanto à vida sexual sueca, qualquer coisa me escapava então, e continua a escapar-me agora.
Confesso que o que mais me encanita, porém, é a posição missionária inglesa.
Depois de, em 2009, terem libertado e despachado para a agradecida Líbia, Al-Megrahi, o bombista de serviço a Lockerbie que em 1988 matou 259 pessoas a bordo de um avião, mais 11 em terra, e, em 2000, o Pinochet para o Chile – “may be a son of a bitch, but he's our son of a bitch” –, porquê este circo em torno de um homem que apenas dormiu com duas voluntárias suecas, e uma de cada vez?
A coisa tresanda a arenque e a cilada e duvido que mais alguém as convide para a cama.
Pobre Mónica! (entenda-se aqui por Mónica a Harriet Andersson e não a mãe de Agostinho, outro que também era fresco).

24/08/12

Derrame sobre a RTP e que se lixe a etiqueta que eu não sou candidata ao corpo diplomático

Há duas coisas que me deixam doente: a estupidez é uma, que me tomem por estúpida é outra. A minha relativa saúde deve-se, obviamente, não à escassez no mercado dos itens referidos mas ao facto de passar largos períodos em hibernação. 
Acordada para a realidade, vejo-me submergida (como os submarinos do Por
tas) pelo caso RTP, que o Borges – o mesmo Borges que há uns tempos tinha como urgência baixar salários (os dos outros, suponho, mas posso estar enganada…) – veio anunciar ir ser vendida aos privados - a RTP 2 e várias rádios fechadas e o Estado a manter-se como parceiro, contribuindo através da taxa que todos os meses nos aparece na conta da Luz.
Ora bem. Como no tempo do parisiense José Sócrates (a propaganda, desde Joseph Goebbels que não progride grande coisa…), as tropas já foram instruídas para fazer a defesa da solução proposta.
O argumentário é simples: a Constituição exige serviço público, mas não diz como concretizá-lo nem se é à borla ou a pagantes; o negócio assegura o serviço público delegando-o num privado; ficamos todos a ganhar porque o Estado poupa imenso dinheiro, já que a participação se resumirá à taxa do audiovisual.
Para que conste, eu não tenho televisão. Acho a televisão generalista uma merda e chateia-me andar a pagar o Baião, a Furtado, aquela senhora inenarrável que dá pelo nome de Fátima Campos Ferreira (que, agora reparo, também dará aulas na Lusófona…) e etc., como me chatearia, note-se, pagar pelo Slavoj Žižek.
Mas, também para que conste, enquanto pagar ao Estado um serviço da treta me chateia, pagar directamente para os bolsos dos privados não me chateia apenas: transforma-me numa espécie de Dexter de saias.
O mais demagógico de tudo, porém, é quererem-nos convencer que, agora sim, é que vamos ter um serviço público… de qualidade.
Façam-me o favor de ir foder longe, e pardon my french.

20/08/12

Novena pelos submarinos



Tentamos contrariar C.P. Snow mas as duas culturas persistem. O mesmo não é ser engenheiro pelo Técnico e politólogo pela Lusófona. That’s a fact. E se resolver equações diferenciais não será a característica mais sexy que se pode encontrar num homem, convenhamos que ouvir palestrar sobre “Reformar o Estado: uma prioridade nacional” se mostra um perigoso convite à apneia do sono. 
Fora mais dado à ciência o país, e o Estado não teria apoiado uma empresa cujos painéis solares, garantia a dita, funcionavam com céu nublado, chuva e até “na noite muito escura”. Tal como também não alinharia num Programa Nacional de Barragens cuja única finalidade é rentabilizar o negócio das “ventoinhas” ciclópicas que enchem a paisagem – a custo zero para as empresas que nos venderão depois energia a preços Haute Couture. 
O exemplo mais recente da diferença entre as duas culturas chegou-me, porém, pela mão de Ferreira Fernandes, alguém que não sendo formado em Astrofísica fez a única leitura científica do badalado diálogo Mário Crespo/Zita Seabra sobre espionagem via ar condicionado e outros devaneios próprios de Henri de Lagardère. 
Enquanto a maioria dos comentadores se ficou pela gargalhada e pela jocosidade, e a PGR declarou, com a gravitas habitual, ir “exercer as suas competências, caso exista fundamento legal”, o jornalista escalpelizou os factos com a argúcia de um homem de ciência: “Aparelhos de escuta usam-se em floreiras, relógios, botões, lamparinas e o agente Olho Vivo até num sapato. Tudo objectos silenciosos. Em ar condicionado?” 
Na ausência de espírito positivo, rezar a novena “A Stº António Para Achar Coisas Perdidas” talvez seja uma solução no caso dos submarinos. Como diria Pascal, mal não faz.

13/08/12

“Fácil é tropeçar em uma pedra”


Há anos tropeçava-se muito em Portugal. Uma pessoa ia a passar no Chiado, via-se repentinamente desviada para a António Maria Cardoso e era tropeção na certa. As mulheres, em casa, também tropeçavam muito. Regressados os maridos da labuta, era um ver que te avias de tropeções. As crianças, os loucos, os pretos, as criadas… tudo gente que tropeçava p’ra caraças. 
Há tropeções famosos. Bastante conhecido foi o de D. Pedro II que, ao perder o equilíbrio no baile da Ilha Fiscal, comentaria com espírito: “A monarquia tropeça mas não cai”, e 11 dias depois chegava ao Brasil a República.
Aos tropeções nacionais chamava Salazar “meia dúzia de safanões [dados] a tempo”, evidenciando através do eufemismo que pouco saía de casa, razão por que nunca visitou, por exemplo, o Tarrafal. Entretanto, veio o 25 de Abril, os tropeções entraram em desuso. 
Ultimamente, porém, a vox populi (e não vamos culpar os taxistas...) começa a clamar pelo seu regresso, que antes seriam aqueles mal empregues mas agora bem merecidos, o que me recorda a resposta do espanhol Fernando Savater ao francês Jean Daniel no El País, a propósito das caricaturas do Profeta: “Jean Daniel informou-nos (…) que aceita a blasfémia sempre que acompanhada de bom gosto e dignidade artística: ele é daqueles que apenas apreciam stripteases quando são feitos ao som de Mozart.”
O último tropeção de que tive conhecimento envolveu um agente da autoridade em perseguição de um assaltante desarmado. A arma ter-se-á disparado devido ao desequilíbrio do polícia, indo alojar-se no pescoço do meliante que morreu no local. Como não tenho espaço para mais, limito-me a parafrasear o Almirante: os tropeções são uma coisa que me chateia, pá.




10/08/12

No gamanço (não dá para mais...)

"O povo votou no melhor primeiro-ministro de Portugal. Ganhou o Sócrates. Antes que as alminhas do costume rejubilem, recordemos que Oliveira Salazar é o melhor português de sempre."

Luís M Jorge a propósito disto

07/08/12

A book a day keeps the doctor away: Com os Loucos, Albert Londres,

“Se eu quisesse enlouquecia”, escreveu há muitos anos Herberto Helder. A frase abre um dos textos mais citados de “Os Passos em Volta”: Se eu quisesse enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio.... Trata-se, evidentemente, de uma liberdade poética: ninguém enlouquece por assim o decidir, e ninguém no seu juízo perfeito assim o decidiria. A loucura não tem graça nenhuma e, para o saber, não é preciso ter lido “A História da Loucura” de Foucault ou visto “Family Life” de Ken Loach. Dito isto, Albert Londres arranca-nos gargalhadas.
“Com os Loucos” é o quarto título da Sistema Solar, chancela lançada pela anterior equipa da Assírio & Alvim. Traduzido por Aníbal Fernandes, o livro tem todas as razões para ser apetecível: o editor, o tradutor… e o autor.
Albert Londres (1884-1932) foi um caso sério do jornalismo francês, cognome oficial, “príncipe dos repórteres”. Na apresentação de “Com os Loucos” assinada por Aníbal Fernandes, como sempre um valor acrescentado, reproduz-se este retrato: “Na sua carreira não isenta de quixotismo procurar-se-ia em vão uma reverência ao dinheiro, uma deferência para com os que governam ou financiam, a docilidade perante as ordens e as recomendações, a aceitação dos factos consumados e dos poderes estabelecidos, a fuga perante as responsabilidades.” 
Existe um reputadíssimo prémio de jornalismo que leva o seu nome desde 1933, ano seguinte à sua morte a bordo do Georges Philippar, navio que o trazia da China e que se incendiou em condições nunca totalmente esclarecidas. Teria sido Londres, que garantia transportar na bagagem os ingredientes de um grande escândalo, alvo de um atentado que o arrastaria para a morte, a ele e a quase 100 dos 700 e muitos passageiros do Georges Philippar? A pergunta nunca foi cabalmente respondida mas Londres não necessitaria disso para se transformar numa lenda. Ter-lhe-ia bastado a sua fibra de repórter.
“Com os Loucos” reúne uma série de textos publicados em 1925 no “Petit Parisien”, fruto da peregrinação de Londres por dezenas de asilos franceses, denúncia das condições desumanas e absurdas em que a ciência moderna da psiquiatria (?), apoiada na bengala estatal, lançou os loucos. No jornal foram 12, no livro somam 22. O primeiro texto conta como tudo começou: “Embora eu não seja louco, pelo menos à vista, quis olhar para a vida dos loucos. E os serviços públicos franceses não ficaram satisfeitos. Disseram-me: ‘A lei de 38, segredo profissional, o senhor não vai olhar para a vida dos loucos.” Fui ter com ministros, e os ministros não quiseram ajudar-me. Um, no entanto, teve esta ideia: ‘Alguma coisa farei por si se alguma coisa fizer por mim: submeter à censura os seus artigos.’ Pus-me longe dele, e ainda lá ando.” 
Humor negro. Escrita de cadência exacta. Remates imprevisíveis. Curiosidade à prova de temas difíceis e grandes distâncias. Empatia. Resultado, um ícone inimitável: “Notre métier n'est pas de faire plaisir, non plus de faire du tort, il est de porter la plume dans la plaie.
Lê-se “Com os Loucos” e vão caindo por terra todas as supostas leis (invioláveis e maçadoras) do jornalismo de reportagem. Londres parece errático. Londres troca o realismo pela notação impressionista. Londres toma partido. Londres prefere a verdade à objectividade. Londres não conta histórias (cliché que servirá à exaustão de alibi à mediocridade e à falta de assunto), Londres vê. E o talento que é preciso para ver! 
Com os Loucos, Albert Londres, Assírio & Alvim, 2012

05/08/12

A Biblioteca de Babel


Por circunstâncias várias que nada devem a Ortega y Gasset, filósofo preferido do ex-primeiro-ministro, descobri recentemente a Imelda que há em mim. Uma versão, quoi. Não falo de sapataria. Falo de livros. 
Que raio nos atrairá nos livros que nos leva a acumulá-los, a ser incapazes de lançar no lixo títulos mais do que obscuros (ocorre-me, de repente, “A Fenomenologia do Ser” de Sartre, obra lida e sublinhada pelo actual primeiro-ministro), ou a sujeitarmo-nos voluntariamente ao suplício de Sísifo, arrastando volumes e volumes em busca, não do tempo perdido, mas de uma Marmeleira mítica e suficientemente espaçosa? 
Nos últimos tempos ando a pensar imenso no Pacheco Pereira e, mais curioso ainda, a concordar com ele… 
Uma das explicações para este bizarro fenómeno esconder-se-á porventura na frase de Groucho Marx: “Outside of a dog, a book is man's best friend. Inside of a dog it's too dark to read”, mas duvido que o próprio a achasse assaz iluminadora. 
Borges imaginava o Paraíso como uma espécie de biblioteca, e eu tendo a concordar. Mas que fazer quando uma biblioteca se transforma num Inferno? Renunciar a “O Abraço”, pôr a andar o “Belo Adormecido”, desligar “a máquina de fazer espanhóis”? Não se trata disso. Como não se trata de colecionismo, truque infantil com que alguns pensam contrariar a morte. 
Milhares de tratados, ensaios, investigações e doutoramentos summa cum laude escritos sobre book dependency, e continuamos às escuras dentro do cão de Groucho. O cão ladra e os livros acumulam-se. Mordem-nos as canelas. Dão-nos cabo das costas. Quanto pesarão os sete volumes que Proust escreveu na cama, sem qualquer consideração pelas nossas articulações? Mas, por outro lado, como suportar o mundo sem o auxílio das madalenas do dito?