19/09/10

Quantos ciganos queres para a troca? (II)

[na continuação deste post e dos muitos comentários]

«Há ou não há fundamento para comparar a expulsão dos ciganos da Roménia e da Bulgária, ordenada por Sarkozy, com o que os nazis fizerem durante a II Guerra Mundial (como chegou a dizer a comissária da Justiça da UE, Viviane Reding) e com as deportação para Alemanha de 75.000 judeus (na maior parte sem nacionalidade francesa), de que o regime de Vichy se encarregou por conta do III Reich?
Num sentido, não há. Hitler queria exterminar os ciganos (como de facto exterminou centenas de milhares por toda a Europa) e não parece que a Roménia e a Bulgária tencionem tratar da mesma maneira os ciganos que Sarkozy eventualmente "repatriar". Mas, desgraçadamente, isto não torna o episódio um simples caso de emigração ou residência ilegal. E não torna, porque há outra face em que a política de Sarkozy se aproxima e até às vezes se confunde com a política de Hitler.
Não é por acaso que a França resolveu escolher os ciganos como objecto do seu rigor e não escolheu, por exemplo, os portugueses. Os ciganos são uma minoria étnica vulnerável e não têm um Estado que os defenda, e os portugueses não são e têm o mais velho Estado da Europa, ainda por cima membro da UE, para falar por eles. Promover colectivamente um pequeno grupo de "estranhos", sem protecção, a bode expiatório de uma crise grave e à superfície irresolúvel é uma antiga técnica do populismo, que Sarkozy (como Hitler) não hesitou em usar. Só que, por força, ela estabelece sempre sem exame uma culpa colectiva e aponta ao cidadão comum os "culpados" de um "crime" imaginário.
Qual é o verdadeiro "crime" dos ciganos? Em primeiro lugar a "raça" (uma noção mais do que ambígua). Em segundo lugar a cultura, que, neste caso, incluiu o nomadismo. E, em terceiro lugar, a recusa de se "integrar" na sociedade francesa, presumindo que existe um único modelo de "sociedade francesa". Ora, como muitas vezes já se verificou, estas três "razões" levam directamente ao ódio e à perseguição. E aqui Viviane Reding não se engana, a II Guerra mostrou a que extremos pode chegar e com que rapidez se pode espalhar o estigma imposto por uma autoridade nacional a uma minoria étnica. Berlusconi já permitiu 315 "intervenções" do Estado em acampamentos de ciganos. Pior ainda, consta que a santificada Angela Merkel se prepara para expulsar 12.000. Onde fica nisto e para onde vai a "Europa" dos direitos do homem?»
Vasco Pulido Valente no Público, lido aqui

16 comentários:

fallorca disse...

«Qual é o verdadeiro "crime" dos ciganos? Em primeiro lugar a "raça" (uma noção mais do que ambígua). Em segundo lugar a cultura, que, neste caso, incluiu o nomadismo. E, em terceiro lugar, a recusa de se "integrar" na sociedade francesa, presumindo que existe um único modelo de "sociedade francesa".»
É isto que a Dona Helena se recusa a aceitar, agitando a bandeira onírica de um «imposto de solidariedade», por ex. para uma hipotética «integração» que ponha termo a essa aberração, «nomadismo».

Helena Araújo disse...

"Dona Helena"?!
O que me recuso a aceitar:
- Sociedades paralelas, onde um grupo não respeita as regras básicas do país. É preciso evitar que essa situação se venha a criar no futuro, se esta migração do Leste para o Centro da Europa persistir.
- A perversão do multiculturalismo que assiste com indiferença a práticas de certos grupos, que para a restante sociedade são absolutamente inaceitáveis. Estou a falar em especial de crianças que são pedintes profissionais. Permitir que haja adolescentes com bebés ao colo a pedir nas paragens de autocarro, aceitando que isso faz parte da "cultura deles" é uma forma de racismo.

Penso que é uma hipocrisia criticar o Sarkozy sem apresentar propostas de soluções para o problema dos ciganos do leste da Europa, que são os mais pobres dos mais pobres.

Aliás, o "crime" deles não é a raça nem o nomadismo. O "crime" deles é serem muito pobres. E alguém já lhes perguntou se se querem integrar ou não? Se querem ter emprego e domicílio fixo? A crer num estudo que li, a maior parte deles nem sequer quer ser nómada.

fallorca disse...

«A crer num estudo que li, a maior parte deles nem sequer quer ser nómada». Um estudo...
É possível que nesse estudo não queiram ser nomadas devido à impossibilidade de exercerem-no: auto-estradas/vias rápidas; proibição/perseguição do campismo selvagem, progenitor do turismo de pé descalço, com ass generosas autarquias a vedarem esses espaços e a proporem irrecusáveis condições, pagas E etc., e etc.

O que é que a sua Alemanha fez dos pobres? Exilou-os para a vida de ricos alcoólicos que matam o bicho (Armação de Pêra) com canecas de cerveja e se dedicam ao impor/expor de bm's e cª?

Ana Cristina Leonardo disse...

Helena, na minha modesta opinião é preciso de tudo para fazer o mundo. Mas não, não precisamos de crianças a pedir na rua (profissionais ou não); mas como classifica a Helena o facto de já não nos fazer diferença que o façam, desde que vão pedir para outra freguesia? Já lhe ocorreu, suponho que sim, que o "milagre europeu" está intimamente ligado ao facto de por todo o mundo haver milhões de pedintes? E acha realmente que a "integração" se faz a troco de mais um imposto? E os ciganos que não se quiserem integrar? Que não quiserem viver num apartamento de 2 assoalhadas, trabalhar das 8 às 6 e receber o salário mínimo? O que propõe fazer-lhes? Deportá-los para onde? Porque nesta matéria há pelo menos dois aspectos que mereciam atenção.
1. A invenção do problema "ciganos" (e já tivemos o problema arménio, o problema judaico...)
2. O que é a Europa? Cidadãos louros de olhos azuis, cumpridores dos seus deveres, zelosos dos seus direitos, consumidores e pagadores de impostos?
A verdade é que mais coisas no céu e na terra do que aquelas com que sonham os eurocratas. Os ciganos estão aí para o provar. Abençoados.

Helena Araújo disse...

Era mesmo o que faltava aos ciganos: serem transformados em símbolo do último reduto de liberdade na Europa...

Desde o princípio desta discussão que digo que a primeira coisa a fazer é perguntar aos ciganos o que é que eles querem. Querem ser nómadas? Óptimo.
Querem ser integrados na sociedade do país onde vivem ou querem viver? Óptimo.
Querem continuar a ser os mais pobres da Europa? Se é mesmo o que querem, óptimo.
Querem ficar de fora, movendo-se livremente pela Europa? Óptimo, desde que haja consenso quanto às regras básicas de coexistência - digo eu.

Esta última hipótese, que me parece a preconizada pela Ana Cristina (mas não sei se é o que os ciganos querem realmente), levanta-me algumas questões:
- De que é que vivem?
- Caso não consigam arranjar o suficiente para viver (doença, incapacidade, velhice), deve o país onde se encontram dar-lhes um rendimento mínimo de subsistência?
- Em caso de doença, devem ter acesso gratuito ao SNS do país onde se encontram?
- A sua liberdade inclui a liberdade de criarem os seus filhos em condições inaceitáveis para o país onde se encontram (sem escolaridade, a pedir nas ruas, etc.)

Ana Cristina Leonardo disse...

Helena, não foi isso que eu disse (o símbolo e etc.. O que eu disse foi que os ciganos lembram-nos que há, de facto, mais coisas no céu e na terra.
Depois, julgo que na sua visão há uma confiança desmedida no Estado (hegeliano?) e uma falta de atenção às coisas vitais. As coisas vitais são quem tem fome tenta comer e quem se sente ostracizado tenta proteger-se. Vai ser sempre assim. E acha mesmo que é preciso abrir um inquérito para perguntar aos ciganos se eles querem, ou não, criar os filhos a pedir na rua? Onde é que a Helena viu isso inscrito na cultura deles? E, repito, cultura?

ND disse...

"A verdade é que mais coisas no céu e na terra do que aquelas com que sonham os eurocratas. Os ciganos estão aí para o provar. Abençoados."

aplaudo! :-)

pelo que eu sei, não há cigano que queira "trabalhar das 8 às 6 e receber o salário mínimo" ou um salário médio, ou mais. Não há cigano que queira trabalhar das 8 às 6, ponto. Abençoados.

Helena Araújo disse...

É evidente que os ciganos nos lembram que há mais coisas entre o céu e a terra. Mas pergunto-me se nesta discussão estamos a ver os ciganos como eles são e como querem ser, ou se estamos a fazer sobre eles projecções ideológicas.

Eu não quero transformar os ciganos em eurocratas de olhos azuis. Quando falo em integrá-los, falo em criar condições básicas de coexistência. Têm de ser criadas para eles condições de vida digna no espaço europeu. E não chegam lá sozinhos.
Claro que confio no Estado, e na Europa, hegelianos ou outros. A realidade portuguesa mostra que há motivos para confiar: há 30 anos, a autoestrada Porto-Lisboa tinha uns 20 km, quando muito. E os vizinhos da minha avó tinham uma muda de roupa e sapatos para as duas filhas, de modo que uma ia à escola de manhã, a outra à tarde. A uma dezena de quilómetros das grandes cidades começava em Portugal uma miséria horrorosa, e foi o Estado e a Europa que tomaram medidas para que isto mudasse.

Quem tem fome tenta comer. Mas se é ostracizado (que é, infelizmente, a situação da maior parte dos ciganos, especialmente destes que vêm do leste), como é que faz para conseguir algo para matar a fome? Se não arranja emprego, só pode pedir, ou roubar, ou pedir auxílio ao Estado. Voltamos à estaca zero: se o Sarkozy não os expulsar, e os deixar ficar onde estão, como é que eles ficam? Já podemos ficar satisfeitos e descansados, terá sido realmente uma vitória da liberdade e da defesa dos direitos humanos?

Quanto ao inquérito: em algum momento eu disse que era preciso perguntar-lhes se querem ter os filhos a pedir? O que é preciso averiguar: quantos querem ser nómadas (e vivendo de quê), quantos querem trabalhar das 9 às 6 e viver num t2, como é que deve ser a escolaridade dos filhos, como é que nómadas internacionais podem ser integrados no sistema de segurança social de cada Estado, etc.

Tattts disse...

N. "pelo que eu sei, não há cigano que queira "trabalhar das 8 às 6 e receber o salário mínimo" ou um salário médio, ou mais. Não há cigano que queira trabalhar das 8 às 6, ponto. Abençoados."

O ponto aparece a seguir à palavra trabalhar. "Não há cigano que queira trabalhar." Então que querem eles fazer para ganhar a vida?


Compreendo o que a Helena está a dizer.
Acho que apenas deveria-se entender qual é a ideia deles, tentar perceber o que eles pretendem fazer, pois ser-se subsidiodependente uma vida inteira e fazer disso um estilo de vida que passamos para os nossos filhos não me parece o mais positivo. Claro que existem casos que se adaptaram e são excelentes exemplos da comunidade cigana, ciganos trabalhadores, que descontam e contribuem para a sociedade onde estão, mas todos nós sabemos que a grande maioria não funciona assim.

fallorca disse...

Eurocrata Helena (fiz-lhe a vontade de retirar o Dona), volto a perguntar porque não respondeu:
«O que é que a sua Alemanha fez dos pobres?»; não há?

ND disse...

"Então que querem eles fazer para ganhar a vida?"

o que tem feito até aqui: explorar a beatitude dos cristãos piedosos que anseiam por limpar a alma; vender contrafeito (e não só)nos mercados, feiras, ruas; tirar daqui e vender acoli, comprar murcho e vender teso.
o cigano mais recente das minhas relações tem menos de trinta anos, desloca-se (e à família) numa carroça e vende caracóis (no tempo dos caracóis); no outro dia ouvi-o dizer (a alguém que dizia estar muito calor para apanhar caracol): ah, mas eu não ando na apanha, eu sou um industrial do caracóli.
e podeis tomar nota - o cigano de que vos falo entra num café, confraterniza com quem está, bebe uma mini e a mulher bebe com ele; os putos ficam na carraço a fazer manguitos aos sisudos, a pedinchar uma moeda aos tansos e a cobrar as fotos que os turistas tiram.

Helena Araújo disse...

fallorca,
Não respondi porque não me pareceu que estivesse a perguntar com seriedade. Aliás, não me parece que toda a sua participação neste debate tenha um mínimo de seriedade e interesse.

O que a Alemanha "faz dos pobres":
- Para aqueles que não têm emprego ou não podem trabalhar, o Estado paga casa e respectivas contas de electricidade, água e aquecimento; equipamentos domésticos inclusivamente electrodomésticos; alimentação e vestuário; saúde; todas as despesas escolares dos filhos; todas as despesas ligadas à procura de emprego; às vezes, em caso de depressão ou outra doença, várias semanas de tratamento termal ou férias em centros especiais de repouso na praia ou na montanha; ultimamente têm falado em dar prioritariamente emprego a pais em situação de desemprego de longa duração, pensando no interesse da criança (receber o exemplo, ter uma vida familiar com horários certos, etc.)
- Para os que estão fora do sistema de segurança social, não sei (refiro-me em especial aos sem-abrigo);
- Os que pedem asilo político vivem em centros de refugiados em condições materialmente aceitáveis e socialmente degradantes. Por exemplo: não recebem dinheiro, mas cupões para fazer as compras em lojas predeterminadas, onde por vezes são tratados com desconfiança por parte dos empregados; além disso, é uma terrível mistura de culturas - iranianos e iraquianos porta com porta, romanis pelo meio. Esta é uma solução péssima, e de modo algum exemplo a seguir para atender às necessidades dos ciganos que fogem à pobreza do Leste.

Uma outra questão que talvez lhe convenha explorar (eu não tenho mais tempo para isto): as consequências da migração em massa de turcos para a Alemanha nos anos 60, em condições de indiferença e total ignorância sobre as suas reais necessidades, e ausência de qualquer política de integração. Também pode fazer alguma pesquisa de campo em Neuköln, Berlim. Experimente um pequeno estágio como assistente social, vai ver como num instante fica cheio de dúvidas.

Ana Cristina Leonardo disse...

N, que sejas abençoada!

fallorca disse...

«Aliás, não me parece que toda a sua participação neste debate tenha um mínimo de seriedade e interesse.» É curioso que sinto o mesmo aos seus (bem?) fundamentados argumentos eurocratas.
E não, não estou vocacionado tanto para a «assistência social», como para «o serviço público».
Passe bem.

fallorca disse...

N, é assim mesmo; deixa lá que não falta quem goste de «serrar presunto», «chover no molhado», «bater no ceguinho» e aboletar-se com a taça ;)

fallorca disse...

Adoro falar sozinho, à mesa da esplanada, e não creio que esteja doidinho:

http://hojehaconquilhas.blogs.sapo.pt/1179535.html