21/09/10

A book a day keeps the doctor away: "Desespero", Vladimir Nabokov

Com introdução do próprio Nabokov, surge nova tradução de Desespero, texto de 1932 escrito originalmente em russo, vivia, na época, o escritor em Berlim. A obra foi conhecendo várias versões em inglês, língua que Nabokov acabaria por fazer sua; esta que se tem agora entre mãos (a terceira versão) é de 1965, depois de revista pessoalmente pelo autor de Lolita.
Escreveu Julio Cortázar que a indiferença pelo estilo por parte de autores e leitores leva [me] a suspeitar que a 'mensagem' tão disposta a prescindir alegremente de um estilo também não há-de ser grande coisa.
Como se sabe, o desprezo pela “mensagem” foi algo que Nabokov sempre cultivou [“Desespero (…) não tem comentário social a fazer, não traz mensagem nos dentes. Não endireita o órgão espiritual do homem nem mostra à humanidade a saída justa. Contém muito menos ‘ideias’ do que qualquer um desses ricos romances populares tão histericamente aclamados na curta câmara de eco entre o aplauso e a vaia”].
Tal posição, que irritou a intelectualidade de esquerda (e também a de direita, que nunca lhe perdoou os amores do professor pela ninfa), faz de Nabokov um nome aparentado de Borges, se ao estilismo irrepreensível dos dois acrescentarmos o gosto evidente pela paródia de ambos.
Desespero é, no caso, uma paródia ao tema do duplo e da culpa (não demora muito para que pensemos em Crime e Castigo) magistralmente escrita. E é também uma paródia aos truques literários, às estratégias de sedução, aos esquemas de composição romanesca (Como começaremos este capítulo? Proponho diversas variantes para escolha).
Hermann Hermann, e não pode deixar de notar-se a similitude com Humbert Humbert, o narrador de Lolita, é uma personagem pouco simpática, solipsista, industrial do fabrico de chocolate que um dia encontra um vagabundo de nome Félix cuja fisionomia lhe parece uma cópia de si próprio. Obcecado pela semelhança, acaba por mergulhar num perigoso jogo de espelhos que o conduz à loucura e ao homicídio.
Um divertissement macabro ou Nabokov no seu melhor.

Desespero, Vladimir Nabokov, Teorema, 2010, trad. de Telma Costa

10 comentários:

fallorca disse...

Vou buscá-lo amanhã, com grande mágoa por o último de Sebald ainda não estar disponível... Mas trago «Blanco nocturno», de Ricardo Piglia. Depois, vais tomando conhecimento. «É bom trabalhar nas Obras», e tu que o digas :P

fallorca disse...

Fiufiu...
http://hojehaconquilhas.blogs.sapo.pt/1179721.html

Ana Cristina Leonardo disse...

«É bom trabalhar nas Obras»

... isso queria eu

Luis Rainha disse...

«Não endireita o órgão espiritual do homem»... genial. Mas um poucochinho machista, não?
:-)

Ana Cristina Leonardo disse...

Luís, não dará para perceber que o Nabokov se borrifava nessas classificações? Por todas as razões e mais aquela de ele ter vivido antes do politicamente correcto?

fallorca disse...

Ele não pôde usar o novíssimo dicionário (capa azul) de português da Puarto Enditora, caragu

fallorca disse...

É bom trabalhar nas Obras»

... isso queria eu

Tá bem, ó tímida

http://wwwmeditacaonapastelaria.blogspot.com/2010/08/da-esquerda-e-da-direita-ou-como-se.html

fallorca disse...

Então, ficaste? Não respondes? Foste lavar as chávenas da pastelaria?
Olha que te devolvo a sms...

fallorca disse...

Ficas-te :(

Ana Cristina Leonardo disse...

fallorca, falava de outra loiça...