12/03/10

Das pessoas sensíveis que leram Cormac, adoram Cormac mas não matam galinhas ou se a sociedade é o que é porque havia a escola de ser diferente?

Um miúdo atirou-se ao rio. Passados poucos dias um homem fez o mesmo. Não se conheciam. Entre eles, apenas uma coisa em comum: a escola. Um era aluno, o outro professor.
A morte do miúdo e a morte do homem fizeram manchete nos jornais e desencadearam imensos comunicados. De indignação, de consternação, de interpretação. Os dois teriam sido vítimas de violência. Psicológica, ou física ou ambas.
Ministério, Direcções-Gerais (o homem apresentava “fragilidades psicológicas”), pedagogos, psicólogos, associações de pais e associações de professores, a polícia (o miúdo “queria apenas chamar a atenção") e até os Partidos opinaram sobre o sucedido.
Os comentários foram de largo espectro, incluindo os que clamam por castigos exemplares e os que clamam por acompanhamentos exemplares. Comum a todos, a necessidade de repensar a escola.
A escola, claro, que tem as costas largas. Mas o que é a escola se não o reflexo, mais ou menos exacto, da vida fora da escola? Os estabelecimentos escolares tornaram-se mais violentos? E o que é a vida lá fora? Um mar de rosas?
Infelizmente Rousseau não tinha razão. Muito mais perto da verdade estará Cormac McCarthy.
Como no poema de Sofia, porém, “as pessoas sensíveis” que lêem Cormac e adoram Cormac “não são capazes de matar galinhas/ porém são capazes de comer galinhas”.
Modernas e progressistas ― adoram os Cohen! ―, mostram-se na verdade incapazes de perceber o velho xerife Bell. Aquele que escreve:

“Há uns tempos li nos jornais que um grupo de professores encontrou por acaso um inquérito que foi enviado nos anos trinta a um certo número de escolas de todo o país. Incluía um questionário sobre quais os problemas mais graves que aconteciam nas escolas. E encontraram também os formulários de respostas, que tinham sido preenchidos e devolvidos dos quatro cantos do país. E os problemas mais graves que os professores apontavam eram coisas como conversar nas aulas e correr pelos corredores. Mascar pastilha elástica. Copiar os trabalhos de casa. Coisas desse género. Então eles policopiaram uma data de exemplares e enviaram-nos para as mesmas escolas. Passados quarenta anos. Bom, algum tempo depois receberam as respostas. Violações, fogo posto, homicídio. Drogas. Suicídios. E eu ponho-me a pensar nisto. Porque muitas das vezes que eu digo que o mundo está a ir direitinho para o Inferno ou alguma coisa do género, as pessoas limitam-se a fazer-me um sorriso e dizem-me que eu estou a ficar velho. Que este é um dos sintomas. Mas cá no meu entender, se alguém não vê a diferença entre violar e assassinar pessoas e mascar pastilha elástica é porque tem um problema muito mais grave do que o meu. Quarenta anos também não é assim tanto tempo. Talvez os próximos quarenta anos façam acordar algumas pessoas da anestesia em que caíram. Se não for demasiado tarde.” (in Este País não É para Velhos)

7 comentários:

Carlos disse...

Compreendo o que diz, mas penso que a escola não tem de ser - não deve ser - um reflexo da sociedade. Claro que a escola, sozinha, não realiza milagres; ouvi as declarações da mãe de um dos alunos do professor que se suicidou, e apenas pensei: assim, não é possível ter esperança.

Guidinha Pinto disse...

Olá. Só para deixar escrito que a li e em princípio estou de acordo com o que escreveu. Claro que a escola é o reflexo da sociedade, HOJE e antes.

E mais. Não entendo quando os alunos se portam mal, porque os encarregados de educação não são chamados e responsabilizados? Porque não se mandam essas doces criancinhas para casa? Se as famílias precisarem de apoio psicológico, ou qualquer outro, pois que lhes seja atribuido. Antes de, não depois de.
Todos e cada um de nós somos a sociedade em que nos tornámos e em que estamos inseridos, quer dentro das nossas casas, quer nos nossos empregos.
Já lá não vamos com "esta democracia".
Escrevi demais. Parece que estou zangada :|.
Fique bem.
Bom Domingo.

Ana Cristina Leonardo disse...

Carlos, a escola e a sociedade não são distintas. Há escolas melhores do que outras; há professores melhores do que outros; há alunos melhores do que outros... Há seres humanos melhores do que outros. Mas do que o velho xerife está a falar é de outra coisa. Não está a falar apenas da escola. Está a usar a escola como exemplo.
Do que ele está a falar, creio, é disto:
"o mundo está a ir direitinho para o Inferno ou alguma coisa do género"
Fazer discursos piedosos sobre a escola, esquecendo o resto - e o resto vai da televisão, do consumismo ao estilhaçar das estruturas familiares - é pura hipocrisia.

Guidinha, a democracia é o que é. Ainda assim não conheço regime melhor. Talvez o problema esteja na natureza humana. Talvez esteja na anestesia de que fala o xerife. Não sei. Também eu estarei a ficar velha.

lili disse...

Concordo que a escola é um reflexo da sociedade em que vivemos, ou a sociedade que os adultos constroem, as crianças estão na base da pirâmide e serão sempre reflexo desses mesmos adultos, com algumas excepções, há crianças que podem ser extremamente cruéis, e não sei se será por doença.

http://lili-one.livejournal.com/tag/violenta%20e%20est%C3%BApida

Táxi Pluvioso disse...

Como dizem: life is a bitch.

Carlos disse...

Concordo com o que diz na resposta ao meu comentário, Ana Cristina, e por isso escrevi «a escola, sozinha, não realiza milagres». Acho, apenas, que a escola não tem de ser o reflexo da sociedade; se assim for, para muitos nunca haverá salvação. Mas, claro, os obstáculos são muitos, as culpas idem, e assim continuamos...

(Exemplifico o que pretendi dizer. Recordo um par de textos que a Ana Cristina escreveu há uns tempos - 1 ano? -, e que eu, subscrevendo, destaquei no meu blogue, sobre crianças ciganas que forma colocadas à parte numa escola de Barcelos. É assim que os ciganos estão na sociedade, à parte (não discuto responsabilidades), mas nem por isso a escola deve fazê-lo.)

fallorca disse...

A escola É o reflexo da sociedade, a sociedade É o reflexo do estado, o estado É o reflexo de quem acredita nele e vota para que exista.