05/03/08

Ingrid Betancourt




Vai uma grande confusão pela América Latina. Colômbia, Equador e Venezuela trocam acusações: a morte do líder das FARC Raúl Reyes, liquidado no Equador por tropas colombianas, foi o rastilho. Para lá das manobras de bastidores, onde ninguém é certamente inocente, continuam a estar os prisioneiros das FARC, entre eles Ingrid Betancourt, candidata à presidência da República colombiana raptada a 23 de Fevereiro de 2002.
Um vídeo servia-lhe há pouco de prova de vida. Dizia-se que a sua libertação estaria para breve (Clara Rojas, vice-presidente do partido de Ingrid e raptada na mesma altura, regressou a Bogotá a 12 de Janeiro deste ano). Com a morte de Raúl Reyes, a esperança terá sido de novo adiada.

Nascida em 1961 de pai diplomata (fulminado por um ataque cardíaco um mês após as FARC lhe terem levado a filha) e de uma Miss Colômbia seduzida pela política, Ingrid Betancourt viria, aos 40 anos, a contribuir para engrossar a lista dos milhares de desaparecidos na selva.
Infância e juventude passadas em Paris, na Avenue Foch, tinham-lhe permitido conhecer os melhores — Pablo Neruda ou Gabriel Garcia Marquez eram visitas lá de casa. Conclui o curso de Ciências Políticas em França, mas o casamento com um diplomata francês acabará em divórcio porque Ingrid insiste em regressar à Colômbia. Lá chegada, os seus métodos seriam classificados por um político de Bogotá como bons para a Europa dos salões mas incompetentes para a América Latina.
É eleita deputada em 1994, integrada nas listas do Partido Liberal (o mesmo que Alvaro Uribe abandonará em 2002 para se candidatar à presidência da Colômbia), que virá a denunciar como corrupto.
Reincide passado quatro anos, já à frente do Oxigénio, um movimento de cariz ecológico que entretanto fundara. Durante a campanha andara pelas ruas a distribuir preservativos juntamente com a sua própria foto, na qual se podia ler: «A melhor para nos livrar da corrupção». É eleita.
Tenta depois a presidência, escolhendo o Viagra como símbolo, com o que pretendia sublinhar a vitalidade das suas propostas. Chamada à pedra pelo Ministério da Saúde e pelos laboratórios que lançaram os comprimidos azuis, pouco depois já nada faria diferença: raptada durante uma deslocação à cidade de San Vicente del Caguán — em zona desmilitarizada que durante três anos servira de palco às negociações de paz entre o Governo e as FARC — Ingrid Betancourt foi obrigada a abandonar a batalha, num momento em que as sondagens oficiais lhe atribuíam menos de 1% das intenções de voto.
O carro onde seguia com Clara Rojas nunca chegou ao destino. Em entrevista dada no mês anterior ao rapto, a obstinada colombiana, céptica quanto às sondagens, dizia a um jornalista norte-americano: «Combato para limpar o país, para ter uma democracia tão forte e eficaz como a que vocês têm na América, na Europa e noutros países. Estamos a pedir o essencial, não o luxo».

Muitos consideraram a sua candidatura à presidência prematura, mas bastaria terem lido a sua autobiografia, Com Raiva no Coração, para perceberem que o «realismo» não era o forte de Ingrid.
Firme nos seus princípios, recusando ceder ao tráfico de influências e às ameaças (o que lhe valeu um atentado e o afastamento dos filhos — que fez sair da Colômbia por medo das represálias), terá existido nela alguma dose de ingenuidade: «(...) por duas vezes fui eleita com resultados notáveis, e hoje sinto que estou em condições de travar a corrupção. Verifico também que esses mesmos políticos que me odeiam contam comigo para os secundar nas suas iniciativas, porque sabem que sou crível, que não sou subornável como eles o são. De certo modo, obrigo-os a pensar que poderiam ser diferentes».
O jogo era muito mais sujo. Álvaro Uribe estará muito feliz por ter liquidado um membro do secretariado da guerrilha; as negociações para a libertação dos reféns terão conhecido melhores dias.

5 comentários:

susana disse...

como é que alguns podem esquecer-se que os seus modelos de vida foram pagos com a coragem de tão poucos é algo que me ultrapassa.

Anónimo disse...

A Colômbia é outro dos países mais fascinantes do Mundo, a vários títulos.E com grande imagem na Europa, claro.
A Betancourt- e não Bettencourt como eu pensava- deve ser a tradução hispânica...-faz lembrar, um pouco, a Helena Salema, aliàs Roseta, que também viveu na Avenue Foch...E já saiu da órbita burguesa, PSD/PS, para as Iniciativas de Base alfacinhas.
Tenhamos esperança que, IB, saia viva do maquis dominado pelas FARC, se o terrível Uribe, PR e rival político, colaborar para a sua ingente libertação humanitária. FAR



E

Jay Dee disse...

beijo

Anónimo disse...

«...Ingrid insiste em regressar à Colômbia. Lá chegada, os seus métodos seriam classificados por um político de Bogotá como bons para a Europa dos salões mas incompetentes para a América Latina» Isto é que me parece o busílis de toda da(s) questão(ões), independentemente da localização (Europeia, norte-americana ou oriental, sim, também...) desses famigerados salões...

Anónimo disse...

Rectifico: de toda(s) a(s) questão(ões)... desculpe