29/09/07

LIVROS QUE NOS RECONCILIAM COM O MUNDO - excerto

Bill Bryson, Terra de Abundância, in Notas sobre um País Grande, Quetzal, 2006
Para um amigo que não é gordo mas é MUITO amigo das gordas
Ultimamente tenho pensado muito sobre comida: isto porque não tenho comido nada. É que a minha mulher pôs-me há pouco a fazer dieta, depois de sugerir (a meu ver, de forma pouco simpática) que eu estava a parecer-me com algo que o Richard Branson tentaria atirar ao ar.
É uma dieta interessante, que ela própria desenvolveu, e que essencialmente me permite comer qualquer coisa desde que não contenha gorduras, colesterol, sódio e não seja saborosa. Para que eu não passasse fome, foi ao supermercado e comprou tudo o que contivesse farelo. Não tenho a certeza, mas acho que ontem comi costoletas de farelo ao jantar. Estou muito deprimido.

A obesidade constitui um problema grave na América (bem, pelo menos para as pessoas gordas). Metade dos adultos americanos tem excesso de peso e mais de um terço é considerado obeso (isto quer dizer, gordo o suficiente para fazer-nos pensar duas vezes antes de entrarmos com ele num elevador).

Agora que quase ninguém fuma, a obesidade tomou conta do país como a maior preocupação em termos de saúde. Cerca de 300 000 americanos morrem todos os anos devido a doenças relacionadas com a obesidade, e o país gasta $100 milhões a tratar de doenças originadas pelo facto de se comer de modo excesivo - diabetes, problemas cardíacos, pressão arterial alta, cancro, e por aí fora (eu não me tinha apercebido, mas ter excesso de peso pode aumentar as nossas hipóteses de contrair cancro do cólon em cerca de 50 por cento, e esta é uma doença que realmente não queremos ter. Desde que li isso estou sempre a imaginar um proctologista a examinar-me e a dizer: «Uau, quantos cheeseburgers comeu ao longo da sua vida, Sr. Bryson?») Ter excesso de peso também reduz substancialmente as nossas hipóteses de sobreviver a uma cirurgia, já para não falar de ter encontros amorosos de jeito.

Acima de tudo, significa que pessoas que, em teoria, gostam de nós, nos chamam «Sr. Bucha» e nos perguntam «Que raio está a fazer?!», quando abrimos a porta do armário da cozinha e, de forma completamente acidental, tiramos um enorme pacote de Doritos.

O que é espantoso para mim é como é que alguém pode ser magro neste país. Fomos a um restaurante há umas noites quando eles estavam a promover algo chamado «Caçarola Sensação». Aqui está (e tudo isto é verdadeiro) a descrição do menu da Caçarola de Batata com Chilli e Queijos:
«Começamos esta incrível combinação com batatas onduladas, firmes e estaladiças. A cobri-las, temos generosas camadas de queijos Monterey jack e cheddar derretidos e, por cima deles, tomates, cebolinho e natas azedas».

Vêem o que eu enfrento? E esta era uma das opções mais modestas. Aquilo que é mais deprimente é que a minha mulher e os meus filhos conseguem comer estas coisas e não engordam nada. Quando a empregada chegou, a minha mulher disse:
- Eu e os meus filhos vamos querer a Mistela Suprema De Luxe na Caçarola, com um dose extra de queijo e natas e, à parte, um acompanhamento de cebolada com calda de chocolate quente e molho de bolacha.
- E para o Sr. Bucha, o que vai ser?
- Traga-lhe apenas alguns farelos secos e um copo de água.

Quando no dia seguinte, após um pequeno-almoço composto por flocos de aveia e sementes, expressei à minha mulher a opinião de que aquilo era, com todo o respeito, a dieta mais estúpida que eu já tinha visto, ela disse-me para eu encontrar uma melhor, e por isso decidi ir à biblioteca. Havia, pelo menos, 150 livros sobre dieta e nutrição - Dr. Berger's Immune Power Diet, Straight Talk About Weight Control, The Rotation Diet - mas eram todos demasiado sérios e obcecados por farelos para o meu gosto. Foi então que vi um que era precisamente do género que estava à procura, da autoria de Dale M. Atrens, Professor Doutor, intitulado Dont't Diet. Ora aqui estava um título que me podia servir.

Decidindo pôr temporiamente de parte a minha aversão habitual a consultar um livro de alguém snob ao ponto de colocar Professor Doutor antes do nome (afinal de contas, eu não ponho Professor Doutor antes do meu nome nos livros que escrevo - e não é só porque não o sou), levei-o para a área de leitura que as bibliotecas têm para pessoas que são estranhas e não têm outro sítio para ir durante a tarde mas que, apesar disso, não estão ainda completamente prontas para serem institucionalizadas, e dediquei-me a um estudo reflexivo durante uma hora.

A premissa do livro, se percebi bem (e desculpem-me se for um pouco vago em relação a alguns pormenores, mas distraí-me com o senhor sentado ao meu lado, que estava a ter uma conversa sossegada com alguém de outra dimensão), é que o corpo humano foi programado, ao longo de uma extensa evolução, a ganhar tecido adiposo para isolar o calor em períodos de frio, proporcionando um conforto almofadado e reservas de energia em tempo de vacas magras.

O corpo humano - obviamente, o meu em particular - é extremamente competente a fazer isso, coisa que os musaranhos não conseguem fazer. Têm de comer a toda a hora, «Deve ser por isso que os musaranhos produziram tão pouca arte ou música», garceja Atrens. Ah! Ah! Ah! Ah! Mas, pensando melhor, pode ser porque os musaranhos comem folhas, enquanto eu como um gelado de chocolate gigante.

A outra questão interessante que Atrens salienta é que a gordura é demasiado teimosa. Mesmo quando nos matamos a passar fome, o corpo mostra uma enorme relutância em renunciar às suas reservas de gordura.
Tenham em conta que cerca de 450 gramas de gordura representam 5000 calorias - aquilo que, em média, uma pessoa consome num total de dois dias. Isto significa que se passássemos fome durante uma semana - não comêssemos absolutamente nada - não perderíamos mais do que 3 1/2 de gordura e, sejamos realistas, isso não se nota nada quando vestimos o fato-de-banho.

Depois de nos torturarmos desta forma durante sete dias, acabamos por ir à dispensa enquanto ninguém olha e comemos tudo o que encontramos menos um saco de ervilhas, recuperando o peso que tínhamos perdido e algum extra - e aqui é que está o problema - agora o nosso corpo sabe que tentámos matá-lo à fome e que nós não somos de confiança e acumula um pouco mais de gordura no caso de nos lembrarmos de mais alguma ideia disparatada.
É por isto que fazer dieta é tão duro e frustante. Quanto mais tentamos ver-nos livres da nossa gordura, mais ferozmente o nosso corpo se agarra a ela.

Lembrei-me então de fazer uma dieta alternativa muito engenhosa. Eu chamo-lhe A Dieta de Enganar o Vosso Corpo 20 Horas Por Dia. A ideia é que durante 20 em cada 24 horas passemos impiedosamente fome, mas em quatro intervalos seleccionados durante o dia - para facilitar as coisas, chamemos-lhe pequeno-almoço, almoço, jantar e ceia - alimentemos o corpo com algo como um prato de salsichas, batata frita e feijão e uma tigela grande com um gelado de chocolate gigante, para que ele não se aperceba que o estamos a matar à fome. Genial, não é?

Não sei porque razão não me lembrei disto antes. Acho que são todos estes farelos que estão a afectar-me a cabeça, ou coisa assim.
IMAGEM: Fernando Botero, A Family, mais aqui

2 comentários:

Anónimo disse...

"alimentos o corpo com algo como"

Gralha: é alimentemos

Ana Cristina Leonardo disse...

já está, obrigada