30/06/23

MEDITAÇÂO DE SEXTA: «Com os normais»

« (...) se Dantas e Albino se foram e Ângelo e o Manifesto… ficaram, assiste-se actualmente a um movimento em crescendo em defesa de uma “arte sã” produzida por “artistas virtuosos”, numa espécie de reedição esteticamente alargada do dito latino mens sana in corpore sano. Enquanto isso, e em paralelo, vai-se esboroando o êxtase material (para roubar a expressão ao Nobel da literatura J.M.G. Le Clézio, melhor ensaísta do que ficcionista, se me é permitido dizê-lo), o virtual em alta, como se pôde comprovar com a pichagem feita há semanas no polémico Padrão dos Descobrimentos em Belém, onde o anticolonialismo se exprimiu invocando, não Mandela, Amílcar Cabral ou Agostinho Neto (por exemplo), mas Black Panther: Wakanda Forever, um filme de 2022 produzido pela Marvel Studios.

23/06/23

MEDITAÇÂO DE SEXTA: «Crónica que era para ser do não»

« (...) Ainda me lembrei da alfarrobeira, árvore que assombrosamente casa rusticidade com o aveludado das folhas e o perfume voluptuoso das vagens e que, antecedendo o mar em direcção ao Sul, tão bem revela esse “Algarve impressionista e mole” sobre o qual versejava o poeta João Lúcio. Fugaz lucubração. Depressa abandonado o lirismo e abraçado de pronto o realismo, ocorre-me a crueza da seca, as azeitonas queimadas pelo sol no topo das oliveiras e as uvas pendendo murchas pelos muros, alguns preservando ainda a brancura primitiva da cal. Ah! O calor! A alegria dos banhistas e o tormento dos campos.

09/06/23

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «DESLIGAMENTO»

«(...) Décadas a pregar a inteligência emocional – seja lá isso o que for –; elevação ao primeiro lugar do pódio da famigerada empatia – a palavra compaixão caída em desgraça sabe-se lá porquê –; milhares de talks e papers sobre liderança (leio, escrito por alguém que se identifica como Talent Manager: “Ser líder significa ser humano”, e logo me ocorre um impropério que uma esmerada educação me impede de partilhar…); linguagem cada vez mais açucarada – trabalhador/colaborador, patrão/investidor, despedir/flexibilizar, pobre/carenciado, etc., etc. – enquanto, ao mesmo tempo, o mundo se vai tornando cada vez mais competitivo, afunilado, vertiginoso.