25/10/11

Este post tem que ver com o anterior e o caraças se eu não hei-de [tentar] perceber esta treta...

(...) Pensem em países como o Reino Unido, Japão e os EUA que têm grandes dívidas e défices e, no entanto, continuam a pedir emprestado a baixas taxas de juro. Qual é o seu segredo? A resposta, em parte, reside no facto de terem moeda própria e de os investidores financeiros saberem que, num aperto, estes países podem financiar os seus défices criando mais moeda. Se o Banco Central Europeu garantisse da mesma forma as dívidas europeias a crise seria muitíssimo aliviada.

Isso não causaria inflação? Provavelmente não … a criação de moeda numa economia deprimida não é inflacionista. Mais ainda, na realidade a Europa precisa de uma inflação um pouco mais alta. Uma taxa de inflação demasiado baixa condenaria a Europa do sul a anos de deflação esmagadora, na prática garantindo desemprego elevado por muito tempo e uma cadeia de falências.

Mas, segundo nos dizem, este tipo de política é inaceitável. O estatuto que criou o Banco Central Europeu supostamente proíbe este tipo de manobra, embora não custe a crer que alguns advogados inteligentes arranjariam uma forma de contornar isso. O problema de fundo é que o euro foi desenhado para combater a última guerra. É uma Linha Maginot feita para impedir a repetição dos anos setenta, o que é pior que inútil quando o verdadeiro perigo está na repetição dos anos trinta.

E, como disse, este desenrolar dos acontecimentos é trágico.

A história da Europa do pós-guerra é profundamente instrutiva. Sobre as ruínas da guerra, os Europeus construíram um sistema de paz e democracia, e ao mesmo tempo construíram sociedades que, embora imperfeitas – e há alguma que não o seja? – são possivelmente as mais decentes da história humana.

Contudo, esta conquista está ameaçada porque a elite europeia, na sua arrogância, trancou o Continente num sistema monetário que recriou o espartilho do padrão-ouro e este – tal como o padrão-ouro nos anos trinta – tornou-se uma armadilha mortal.

Pode ser que os líderes europeus acabem por apresentar um plano de resgate verdadeiramente credível. Desejo isso, mas não acredito nisso.

A verdade amarga é que, cada vez mais, o sistema do euro parece estar condenado. E a verdade ainda mais amarga é que, tendo em conta a forma como este sistema se tem comportado, a Europa poderia melhorar a sua situação se ele acabasse o mais depressa possível.
Paul Krugman, lido AQUI

4 comentários:

Carlos disse...

Como a Helena escreveu aqui, «só é trágico que os bilhetes para este show sejam a um preço tão alto, e sejam pagos pelos que menos têm». Porque uma coisa é certa: neste caso, a realidade supera a ficção -- de longe.

Pedro M. disse...

O Krugman tem razão na argumentação técnica mas comete o mesmo erro que muita gente no seu ataque aos cépticos da refundação do BCE.

Isto não tem NADA a ver com pretextos ideológicos ou técnicos mas somente com uma coisa:
Quando os bancos emprestam aos Estados a 8% (como sucede em muitos casos- como Portugal) o valor da dívida cresce perto dos 7% ao ano, ou seja a cada 10 anos a dívida pública duplica.

Se vermos que TODOS os países sob alçada do BCE têm a sua dívida nestas condições (ou prestes a, uma vez que isto começou pelos mais vulneráveis) isto quer dizer que anualmente os credores ficam com centenas de milhares de milhões de euros em juros, pagos pelos contribuintes dos Estados, por algo que não produziu nada, não criou emprego e não tem qualquer relação com o retorno do investimento feito.

A razão não tem por isso rigorosamente nada a ver com medos de inflação. Tem a ver com a transformação das receitas dos Estados numa espécie de buffet livre para os bancos, que frequentemente nem impostos pagam.

Hoje vamos ver assistir a algo histórico: consoante o que sair da cimeira vamos ver até que ponto os bancos controlam a política europeia.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Ana,

Toda a discussão à volta dos efeitos perniciosos do Euro decorre da impossibilidade de um país integrante do Euro emitir moeda própria.
Emitir moeda tem duas consequências: quem a emite fica com ela na mão; toda a moeda já existente desvaloriza na exacta medida do acréscimo de moeda em circulação.
Nada que não se consiga dentro do Euro, sem emitir moeda, se:
1.O Estado confiscar uma percentagem, equivalente à da desvalorização, de toda a moeda em circulação (assim tipo ir à sua conta bancária e sacar, sei lá, 10%);
2.O Estado obrigar a reduzir de um dia para os outro todos os salários e preços na mesma percentagem (deixando os privados fazerem o que entenderem a partir daí: tipicamente, os preços são logo repostos, os salários lá para o fim do ano com processos de negociação e tal...).
Estar no Euro tem, pelo menos, a vantagem de dar transparência ao que é, no fundo, uma desvalorização: é uma confiscação de riqueza e uma redução dos salários. Sem dor, com anestesia e, por vezes (chamando-lhe desvalorização competitiva, boa para todos nós), com sabor a laranja e manga. Ou seja, uma desvalorização É UM ROUBO!
Se for realizada de modo transparente e por vontade democraticamente expressa das vítimas, nada a opor. Se for feito sem conhecimento nem acordo das vítimas, é mesmo um roubo.
Ora se nós, mesmo estando aflitos, não simpatizamos particularmente com os efeitos de uma desvalorização (não queremos que nos reduzam os salários nem nos tirem dinheiro do banco) que nos ajudasse a resolver o nosso problema, os alemães que, apesar de ganharem muito mais do que nós, têm uma economia que suporta bem os seus salários, também não devem simpatizar.
Pelo que as preces da esquerda portuguesa de ver a UE vir resolver a crise portuguesa emitindo moeda têm uma certa probabilidade de estar votadas ao insucesso...

Pedro M. disse...

Isto pouco tem a ver com "esquerda" ou "direita" mas com a tolerância que cada um tem à sodomia financeira involuntária.

Refunde-se o BCE para fazer o que devia fazer desde o início, altere-se o Tratado de Lisboa (desta vez a votos) e aplique-se um haircut drástico a estas dívidas usuárias, que mesmo a 40% já renderam milhares de milhões aos bancos durante décadas.

Desvalorização salarial ou saída do euro, como dizem os extremistas, qual carapuça.