17/07/10

Do dress code ao caminho das pedras? A palavra a Sihem Habchi que sabe do assunto de certeza mais do que eu



A entrevistada do vídeo dirige um movimento em França que se chama "Nem Putas nem Submissas", nome roubado a um livro homónimo que está traduzido em português e que não sei se a Morgada leu. Mas também não é a ela que a sua leitura parece fazer falta.

11 comentários:

Carlos disse...

Não, não é a ela; como a Ana Cristina escreveu, ela conhece certamente melhor o caminho que liga o dress code ao caminho das pedras. Curioso é que tantos falem com tanta certeza de uma realidade que desconhecem e, sobretudo, pela qual não são afectados.

F disse...

O que eu acho é que não se combatem fundamentalismos com fundamentalismos.

Ana Cristina Leonardo disse...

F, tenho muita dificuldade em perceber como uma lei que proíbe as mulheres de viverem sujeitas a ser atropeladas cada vez que saem à rua pode ser encarada como fundamentalista. E para nos mantermos ao nível do dress code, a não ser que se entenda que a lei que me proíbe de andar nua no Rossio também o seja. E, já agora, que as mulheres ocidentais, tão preocupadas em preservar o direito de escolha das mulheres de burka, desatem a ir despidas às compras.

F disse...

ACL, compreendo isso tudo e acho (na minha perspectiva de mulher emancipada e ocidental) que a burka é algo abominável. Os franceses estão no país deles e podem votar as leis que quiserem, mas a História parece-me que nos passa a mensagem que radicalismos nunca foram a solução mais sensata. Radicalismos geram revolta e ressentimentos. Se as mulheres querem continuar a usar a burka, seja por medo, ignorância, valores culturais, etc. Porque é que não hão-de o fazer?

Ana Cristina Leonardo disse...

F, reproduzo o comentário que deixei no Arrastão (e demos sobretudo graças por podermos ter esta conversa sem nos arriscarmos a morrer sob uma chuva de pedras).

(...) as regras de convivência social no espaço público diferem muito de cultura para cultura. Por exemplo, em princípio posso fazer top less na praia mas meter-me-ia certamente em sarilhos se o fizesse na carreira do 27. Isto é um ponto.
Outro ponto é que o facto de a lei contra o uso da burka (integral ou com a nesga nos olhos) ter sido aprovada pela direita francesa, cujas motivações podem diferir das minhas, não significa necessariamente que eu tenha de discordar da lei em si (aliás, a confusão da esquerda nesta matéria é tão grande que pura e simplesmente se recusou a votar).
A burka é uma manifestação cultural, claro. Em sentido lato, tudo o é, até o uso da faca e garfo. Os maridos que, entre nós, enchiam as mulheres de pancada limitavam-se, até há umas décadas, a manifestar-se culturalmente. Creio que estaremos os dois de acordo que, neste caso, se tratava do exercício de uma diferença (e direito) cultural pouco respeitável.
Diz também o Sérgio que o êxito no combate à burka, com o qual me parece mais uma vez estarmos de acordo, não vai lá com leis proibitivas. Suponho que se estará a referir a coisas como educação, inserção social e profissional, etc. Ou mesmo ao consagrado direito à escolha. Que sejam as mulheres a rasgá-la (como aos soutiens, I presume). Pois é aqui que a porca torce o rabo. Porque sociedades ou culturas (mesmo que estritamente familiares) que pugnem pela obrigatoriedade da burka dificilmente permitirão o direito das mulheres a rasgá-la, não lhe parece?
Os casos de mulheres mortas ou espancadas em França (mas também em Inglaterra) por se tentarem emancipar do seu meio não são inéditos nem raros. A esquerda quer mártires ou quer ajudar essas mulheres?
Vir invocar o direito à escolha de mulheres adultas, quando esse direito não pode, de facto, ser exercido, é manter o debate a um nível estritamente legalista e arredado da realidade.
A realidade, contudo, não se esgota nos nossos raciocínios, por muito correctos que estes sejam do ponto de vista lógico. Por isso, comparar burkas com barbas ou mesmo com máscaras zapatistas (como já vi escrito), cá para mim aponta para um delírio.
Aquilo é uma prisão, um desrespeito e uma condenação ao ostracismo absoluto. Mas, ainda assim, há mulheres que, convictamente, a querem usar? Haverá. Como também haverá quem seja adepto do nudismo e ainda assim arranjará de certeza sarilhos se o praticar na carreira do 27.

F disse...

Pois, ACL, compreendo tudo, mas,
vir invocar o direito à escolha de mulheres adultas, quando esse direito não pode, de facto, ser exercido...
e então onde metemos aquelas mulheres como a que vi numa entrevista de rua na TV, indignada com essa lei, pois ela queria continuar a usar burka e não queria ter que pagar a multa?
E, a propósito do nudismo, lembrei-me que o topless foi uma prática que foi invadindo as praias para onde iam pessoas vestidas, não foi nenhuma lei que o decretou. Aos poucos foi sendo aceite. Pessoas como Rosa Parks, Luther King, Mandela, existem.
Eu sei que a lei até poderá ser interpretada como muito bem intencionada e, até há aquele provérbio: em Roma sê romano...
Vamos ver o que vai acontecer.

Ana Cristina Leonardo disse...

F, continuando a nossa conversa sem risco de nos cair em cima uma chuva de pedra...

gostaria de esclarecer o seguinte: não me parece que o provérbio em roma sê romano se aplique ao caso das burkas. é que nem em roma elas são admissíveis, tal como não me parecem admissíveis o apedrejamento ou o corte das mãos ou as condenações à morte tout court. Afinal, deixemo-nos de histórias, isto ultrapassa em muito a questão do dress code...
Quanto às mulheres que querem ter direito a vesti-la sem se sujeitarem à multa, creio que estarão na mesma situação do que eu se quiser andar nua no rossio (e nesse caso sem risco de ser atropelada).
E, mais a sério, não será motivo de reflexão quando pesquisamos, por exemplo, no youtube, e vemos que a maioria das mulheres que defende a burka é constituída por mulheres convertidas?

F disse...

Antes de mais, obrigada por me lembrares a da chuva de pedras. :)

Quando me refiro ao "ser romano em Roma" refiro-me às mulheres que querem usar burka num país onde existe uma lei que a proíbe. Terão de se sujeitar às leis dos "loucos gauleses" (trocando as voltas a Asterix), dirão elas.

Ainda há pouco tempo uma pessoa minha conhecida fez uma viagem por países islâmicos e para visitar mesquitas teve que se vestir toda como as mulheres de lá. Nem sequer permitiram que umas farripas de cabelo ficassem à mostra (neste caso não era burka, mas o lenço).

Quanto ao dress code, claro que ultrapassa, mas o que eu acho é que nós os ocidentais sempre tivemos um bocado a mania que somos superiores aos outros povos, e assim fomos invadindo tudo e todos ao longo de séculos de História e impondo os nossos pontos de vista.
Quanto às mulheres convertidas, vou pesquisar no Youtube. Não entendo se são convertidas porque decidiram de livre vontade converterem-se ou se alguém as convenceu de forma prepotente.

F disse...

Ah! E quanto ao andarmos nuas no Rossio, não há riscos de sermos atropeladas mas corremos o risco de provocar muitos acidentes e isso não é admissível.

Ana Cristina Leonardo disse...

F, primeiro, essa de provocar acidentes no Rossio está muito bem vista. Não me tinha lembrado...
:)
Quanto à nossa mania da superioridade: estou de acordo contigo, em geral; nesta matéria, contudo, não posso deixar de achar que uma mini-saia é muito superior a uma burka (apesar de a mini-saia às vezes tb. não ser muito prática)
:)

F disse...

Os "hot pants", grande moda repescada dos anos 60, já são mais práticos que a mini-saia.
E não somos apedrejadas por usá-los, mas podemos, eventualmente, fazer parar o trânsito!