28/01/10

José Agostinho Baptista

A revista "Margem 2" nº 27 dedicou um número ao meu amigo e poeta José Agostinho Baptista. Trinta e sete pessoas escreveram sobre ele o que bem entenderam. Cada uma delas escolhia uma palavra que serviria de tema ao texto. A mim calhou-me a palavra "Luz".

«Pode um homem com o qual partilhámos militantemente a máxima "as minhas noites são mais belas do que os vossos dias" lembrar-nos a palavra Luz? Pode um "bebedor nocturno" conduzir-nos a paisagens claras?
As duas perguntas são descaradamente retóricas e a resposta a ambas é: Sim! Sim! Sim!
Pelo menos uma parte desse sim terá que ver com ilhas. Porque tenho para mim que as ilhas são lugares iluminados. Como os desertos. Não me perguntem porquê. E não é que seja dada ao misticismo. Parece-me tão-só uma evidência que nem todos os lugares se assemelham.
Quanto subíamos, noite cerrada, ao "Topo do Mundo", ali para os lados de Sintra, guiados pelo Miguel Bastos, às vezes na companhia do Hermínio Monteiro, nem todos procurávamos o mesmo. Alguns gostariam de se perder nas trevas (e morriam sonhadoramente), outros insistiam num milagre. Não digo que fosse da Luz. Mas um milagre, caramba!
Tenho para mim que há no José Agostinho (e na poesia de José Agostinho, mas isso deixo aos especialistas…) esse desejo de claridade que a desastrosa vida terá teimado em transvestir num destino da noite. A vida é tramada. Desacerta-nos o passo, condena-nos à precariedade das estações e, no caso dos poetas de certeza, ao desassossego.
"Le gusta este jardín que es suyo? Evite que sus hijos lo destruyán" ― ora aí está uma frase condenada ao fracasso.
Então, procura-se algures. Nas trevas iluminadas de outros "estados de consciência". Não é caminho que se aconselhe a literatos.
Nesse equilíbrio precário entre o lamento (nocturno) e o canto (órfão) a si mesmo ― ou vice-versa ―, José continua, mais de vinte anos passados, o funâmbulo crente e descrente do centro do universo. Exactamente aí, acho, fica o território (habitado e luminoso) dos amigos ― os presentes e os ausentes. Embora esse centro tenha tão poucas probabilidades de existir e, a existir, vazio, nos cegasse no imediato. E eis o que talvez seja trágico, sendo ao mesmo tempo seguramente banal. A vida como ela é.
Não sei se o José concordaria.»

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