18/10/09

A book a day keeps the doctor away

De características autobiográficas e estranhamente premonitórias, Os Irmãos Tanner, romance assinado por um homem que passou grande parte da vida num hospício (“Estou aqui, não para escrever, mas para ser louco” – responderia a alguém que o visita em Herisau), é, como todos os livros de Robert Walser, uma obra-prima de delicadeza.
Passeio solitário, deambulação quase fantasmática, chega-nos impregnado de uma espécie de inocência ontológica que põe em causa todas as convenções (as existenciais e as ficcionais). E se ao próprio se poderiam colar os versos de Rimbaud (outro desmistificador da coisa literária) – “Par délicatesse j’ai perdu ma vie” –, aos seus textos resta a grandeza que lhe vem dessa forma de contar e dizer sem alarde, dessa atenção sem questionamento, desse olhar desarmado sobre o mundo, onde poderemos intuir desassossego (a biografia vale o que vale...) mas, sobretudo, um enorme desejo de paz.
Os Irmãos Tanner, ficção que retoma muitas das experiências reais da sua vida familiar, é uma reflexão errante e impressionista que se diz por exemplo assim, na voz de Hedwig: “Por vezes tenho a sensação de estar separada da vida por uma parede fina mas opaca. Mas não posso ficar triste, só posso reflectir sobre isso”.
E é também o texto onde Walser antevê a sua própria morte, tantos anos depois, sozinho sobre a neve (como a personagem dessa lindíssima novela de Yourcenar, Un homme obscur): “Tão nobre a sepultura que ele escolheu para si mesmo. Jaz debaixo de magníficos pinheiros verdes cobertos de neve. Não vou avisar ninguém. A natureza vela pelos seus mortos, as estrelas cantam em voz baixa em torno da sua cabeça e os pássaros nocturnos grasnam, e é esta a música ideal para quem já não ouve nem sente”.
Robert Walser, Os Irmãos Tanner, Relógio D’Água, 2009

9 comentários:

fallorca disse...

Li-te sim senhora, mas não me apeteceu ir à fnac da Guia, nem pôr os butes em Portimão para ir ao «café dos loucos».

Ana Cristina Leonardo disse...

fallorca, ao Sul?

fallorca disse...

Fui... mas já me recuperei :P

Anónimo disse...

Acompanho há algum tempo o seu blog que aprecio muito. Gosto especialmente de ler as suas recensões. Assim hoje permita-me chamar a atenção para um livro que chega por estes dias às livrarias de um escritor do qual gosto: "Ernestina" de José Rentes de Carvalho. Li-o na edição já rara da Escritor e para mim tem o cunho de um grande escritor.
Espera que não leve a mal esta publicidade por causa alheia, mas tenho pena que JRC não seja mais conhecido em Portugal.
Continuarei a ser leitora atenta dos seus posts.
Saudações

Marisa

Anónimo disse...

Gostaria de corrigir:" Espero que não leve a mal..."
Marisa

fallorca disse...

E corrigiu, fez o gosto

rui g disse...

Um livro que vou ler logo que tenha tempo.

Paulo disse...

Achei que A Rosa, O Salteador e Jakob von Gunten já me chegavam, mas desde há uma semana fazes-me pensar em voltar ao gajo.

Ana Cristina Leonardo disse...

Marisa, vou tentar ler.
rui g., fazes bem.
Paulo, eu cá gosto do Walser todo