17/08/09

A book a day keeps the doctor away - ou a prova de que um compêndio de filosofia não tem necessariamente de ser escrito por idiotas nem para idiotas

Quase podia servir de manual. Um manual que, como a palavra indica, se transporta na mão. Organizado com rigor e inteligência, Problemas da Filosofia não interessará apenas ao público especializado (como é, aliás, característica da colecção ‘Filosofia Aberta’ da Gradiva, onde se insere). Útil, sem dúvida, aos estudantes da disciplina e eventual ferramenta de professores, o livro de James Rachels (1941-2003) consegue ser suficientemente apelativo para poder ser lido por qualquer pessoa que, como Brian Cohen (do filme dos Monty Python), pense que andamos cá para pensar pela nossa própria cabeça.
Os temas são os habituais, e provavelmente eternos. Começando por Sócrates, o grego que terminou a beber a cicuta, discute-se Deus e a origem do Universo, o problema do mal, a vida pós-morte, a questão do Eu e da identidade, a dicotomia corpo e mente, o livre-arbítrio, a objectividade do conhecimento, os fundamentos da ética e o sentido da vida. É obra! E é tanto mais obra quanto Rachels consegue, para cada argumento, expor o seu contraditório, tudo isto em pouco mais de 300 páginas.
Com notas explicativas e sugestões de leitura que permitirão ao leitor interessado ir mais a fundo nas questões, o autor de Problemas da Filosofia (de quem a Gradiva já publicara o obrigatório Elementos da Filosofia Moral) aborda numa linguagem simples, mas não simplória, o por vezes hermético pensamento filosófico, traduzindo-o em perguntas que qualquer um de nós perceberá: ‘porque razão as pessoas boas sofrem?’; ‘poderá uma máquina pensar?’; ‘as pessoas serão responsáveis pelo que fazem?’; ‘porque razão é mau mentir?’; ‘como sabemos que as nossas experiências representam correctamente o mundo?’, etc.
Dentro de uma linha de exposição que privilegia a argumentação lógica e analítica, Rachels consegue fugir aos sofismas e pôr-nos a pensar. Andassem os manuais escolares perto disto e a filosofia nos liceus seria outra coisa. Embora também seja verdade que, como bem ilustra o caso de Sócrates, ‘corromper a juventude’ (uma das razões porque terá sido condenado à morte) não é actividade recomendável a qualquer um. Pelos riscos evidentes que pode comportar, claro.
Problemas da Filosofia, James Rachels, Gradiva, 2009

18 comentários:

Anónimo disse...

"‘porque razão é mau mentir?’"

Isto não é um problema filosófico. O seguinte é: "Será que é mau mentir?".

Ana Cristina Leonardo disse...

muito bem visto manuel, mas acho que o que autor queria dizer é, porque razão se acha que é mau mentir? Agora não tenho aqui o livro à mão, talvez me tenha enganado a transcrever, ou talvez a tradução tenha falhado.

Anónimo disse...

'porque razão as pessoas boas sofrem?’

Esta revela uma inspiração cristã: é uma tristeza que as pessoas boas sofram, já os mauzinhos que sofram que é bem feita!

Anónimo disse...

Sim. É bem capaz de ser nesse sentido. Oh eu percebo que tornar acessível as elucubrações filosóficas não é fácil!

Ana Cristina Leonardo disse...

manuel, vai lá ler o livro... embora não acrescente nada ao que tu já sabes, mas como manual de introdução é muito bem feito
... quanto à inspiração cristã, contra a qual, no caso concreto, nada tenho contra, a pergunta é feita num contexto em que já se falou do bem e do mal, e de porque é que deus, sendo bom, permite o mal. O caso do desgraçado do Job, claro.

Anónimo disse...

Eu não sei nada! "porque é que deus, sendo bom, permite o mal." para sermooooooos livreeeeess!!! Sai um rebuçado pró tonecas! :)

Anónimo disse...

Toda a filosofia se resume numa questão: "Porque é que eu não tenho uma casa igual à Carolina Patrocínio?".

Anónimo disse...

"à da"

Carlos disse...

Outro título muito interessante da mesma colecção é “Introdução à Filosofia Política”, de Jonathan Wolff. Como manual de introdução, claro está.

Ana Cristina Leonardo disse...

porque é que deus, sendo bom, permite o mal." para sermooooooos livreeeeess!!! Sai um rebuçado pró tonecas! :)
Manuel, essa resposta não é só de inspiração cristã, é cristã mesmo!

"Porque é que eu não tenho uma casa igual à Carolina Patrocínio?".
Vou-te confidenciar uma coisa: eu não queria ter uma casa como a da Carolina Patrocínio

Carlos, a colecção é, no geral, bastante interessante

Anónimo disse...

Eu sei que é a resposta cristã. O Leibniz é que deu umas respostas interessantes sobre esse assunto. Apesar disso prefiro o Voltaire.

Eu queria era soltar o gajo do filme Shining, de machado em punho, na casa da Patrocínio!

Anónimo disse...

E qual e' a resposta crista para as cadeias alimentares? ;)

Miguel

Cristina Gomes da Silva disse...

o calor hoje apertou por aqui... :)

Ana Cristina Leonardo disse...

Manuel, fazes muitíssimo bem: deve preferir-se sempre o Voltaire; quanto à Patrocínio tb. não é caso para tanto, digo eu.
Miguel anónimo, explique-se sff.
CristinaGs, calor, caipirinhas, caipirinhas, calor... et ainsi de suite... até ao Voltaire (falo virtualmente por mim)

Cristina Gomes da Silva disse...

:) eu voto nas caipirinhas e no calor

Victor Gonçalves disse...

Essa colecção da Gradiva vem directamente de um neo-pragmatismo made in USA que costuma ser muito eficiente a criar cortinas de fumo. Na aparente abertura de horizontes esconde-se muitas vezes, mesmo quando usam a dialéctica argumento / contra-argumento (só dois???), uma linha de simplificação que por questões editoriais (esses livros são normalmente escritos para o americano médio) omite todas as aporias que estão necessariamente ligadas ao pensamento filosófico.

Não me interpretem mal, ou melhor, façam-no se quiserem: é melhor ler esses livros do que nada, é até melhor lê-los a eles do que a alguns mais próximos do estilo académico, mas devemos fazê-los com um espírito céptico muito avivado.

Anónimo disse...

Como e' que um Deus bondoso e omnipotente criou um mundo em que os grandes comem os pequenos? (as cadeias alimentares).

Miguel

Ana Cristina Leonardo disse...

Dionisio, como terá notado, eu utilizei a palavra manual. E estamos aqui a falar de um livro de divulgação. Que não é dirigido a um público especializado. Dado que a filosofia nos liceus passou a ignorar praticamente os autores, o que aqui sublinho é que, mesmo no âmbito de uma opção que é discutível, pode certamente fazer-se melhor do que algumas 'introduções' que conheço. Mesmo se, por mim, ficasse pelos gregos e pelo sócrates, e já teriam os jovens pano para mangas...

Miguel anónimo, esse tema é referido no livro. Mas de um ponto de vista cristão não sei responder-lhe. Deve ter alguma coisa que ver, suponho, com só o homem ter sido criado à imagem de deus.