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Os temas são os habituais, e provavelmente eternos. Começando por Sócrates, o grego que terminou a beber a cicuta, discute-se Deus e a origem do Universo, o problema do mal, a vida pós-morte, a questão do Eu e da identidade, a dicotomia corpo e mente, o livre-arbítrio, a objectividade do conhecimento, os fundamentos da ética e o sentido da vida. É obra! E é tanto mais obra quanto Rachels consegue, para cada argumento, expor o seu contraditório, tudo isto em pouco mais de 300 páginas.
Com notas explicativas e sugestões de leitura que permitirão ao leitor interessado ir mais a fundo nas questões, o autor de Problemas da Filosofia (de quem a Gradiva já publicara o obrigatório Elementos da Filosofia Moral) aborda numa linguagem simples, mas não simplória, o por vezes hermético pensamento filosófico, traduzindo-o em perguntas que qualquer um de nós perceberá: ‘porque razão as pessoas boas sofrem?’; ‘poderá uma máquina pensar?’; ‘as pessoas serão responsáveis pelo que fazem?’; ‘porque razão é mau mentir?’; ‘como sabemos que as nossas experiências representam correctamente o mundo?’, etc.
Dentro de uma linha de exposição que privilegia a argumentação lógica e analítica, Rachels consegue fugir aos sofismas e pôr-nos a pensar. Andassem os manuais escolares perto disto e a filosofia nos liceus seria outra coisa. Embora também seja verdade que, como bem ilustra o caso de Sócrates, ‘corromper a juventude’ (uma das razões porque terá sido condenado à morte) não é actividade recomendável a qualquer um. Pelos riscos evidentes que pode comportar, claro.
Problemas da Filosofia, James Rachels, Gradiva, 2009
Problemas da Filosofia, James Rachels, Gradiva, 2009
18 comentários:
"‘porque razão é mau mentir?’"
Isto não é um problema filosófico. O seguinte é: "Será que é mau mentir?".
muito bem visto manuel, mas acho que o que autor queria dizer é, porque razão se acha que é mau mentir? Agora não tenho aqui o livro à mão, talvez me tenha enganado a transcrever, ou talvez a tradução tenha falhado.
'porque razão as pessoas boas sofrem?’
Esta revela uma inspiração cristã: é uma tristeza que as pessoas boas sofram, já os mauzinhos que sofram que é bem feita!
Sim. É bem capaz de ser nesse sentido. Oh eu percebo que tornar acessível as elucubrações filosóficas não é fácil!
manuel, vai lá ler o livro... embora não acrescente nada ao que tu já sabes, mas como manual de introdução é muito bem feito
... quanto à inspiração cristã, contra a qual, no caso concreto, nada tenho contra, a pergunta é feita num contexto em que já se falou do bem e do mal, e de porque é que deus, sendo bom, permite o mal. O caso do desgraçado do Job, claro.
Eu não sei nada! "porque é que deus, sendo bom, permite o mal." para sermooooooos livreeeeess!!! Sai um rebuçado pró tonecas! :)
Toda a filosofia se resume numa questão: "Porque é que eu não tenho uma casa igual à Carolina Patrocínio?".
"à da"
Outro título muito interessante da mesma colecção é “Introdução à Filosofia Política”, de Jonathan Wolff. Como manual de introdução, claro está.
porque é que deus, sendo bom, permite o mal." para sermooooooos livreeeeess!!! Sai um rebuçado pró tonecas! :)
Manuel, essa resposta não é só de inspiração cristã, é cristã mesmo!
"Porque é que eu não tenho uma casa igual à Carolina Patrocínio?".
Vou-te confidenciar uma coisa: eu não queria ter uma casa como a da Carolina Patrocínio
Carlos, a colecção é, no geral, bastante interessante
Eu sei que é a resposta cristã. O Leibniz é que deu umas respostas interessantes sobre esse assunto. Apesar disso prefiro o Voltaire.
Eu queria era soltar o gajo do filme Shining, de machado em punho, na casa da Patrocínio!
E qual e' a resposta crista para as cadeias alimentares? ;)
Miguel
o calor hoje apertou por aqui... :)
Manuel, fazes muitíssimo bem: deve preferir-se sempre o Voltaire; quanto à Patrocínio tb. não é caso para tanto, digo eu.
Miguel anónimo, explique-se sff.
CristinaGs, calor, caipirinhas, caipirinhas, calor... et ainsi de suite... até ao Voltaire (falo virtualmente por mim)
:) eu voto nas caipirinhas e no calor
Essa colecção da Gradiva vem directamente de um neo-pragmatismo made in USA que costuma ser muito eficiente a criar cortinas de fumo. Na aparente abertura de horizontes esconde-se muitas vezes, mesmo quando usam a dialéctica argumento / contra-argumento (só dois???), uma linha de simplificação que por questões editoriais (esses livros são normalmente escritos para o americano médio) omite todas as aporias que estão necessariamente ligadas ao pensamento filosófico.
Não me interpretem mal, ou melhor, façam-no se quiserem: é melhor ler esses livros do que nada, é até melhor lê-los a eles do que a alguns mais próximos do estilo académico, mas devemos fazê-los com um espírito céptico muito avivado.
Como e' que um Deus bondoso e omnipotente criou um mundo em que os grandes comem os pequenos? (as cadeias alimentares).
Miguel
Dionisio, como terá notado, eu utilizei a palavra manual. E estamos aqui a falar de um livro de divulgação. Que não é dirigido a um público especializado. Dado que a filosofia nos liceus passou a ignorar praticamente os autores, o que aqui sublinho é que, mesmo no âmbito de uma opção que é discutível, pode certamente fazer-se melhor do que algumas 'introduções' que conheço. Mesmo se, por mim, ficasse pelos gregos e pelo sócrates, e já teriam os jovens pano para mangas...
Miguel anónimo, esse tema é referido no livro. Mas de um ponto de vista cristão não sei responder-lhe. Deve ter alguma coisa que ver, suponho, com só o homem ter sido criado à imagem de deus.
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