Estava eu posta num certo desassossego a ler um post assinado pelo Desidério Murcho no De Rerum Natura, no qual, basicamente, se defende a superioridade cultural da língua inglesa e se pugna pela sua elevação a língua oficial escolar em Portugal e no Brasil, quando deparei com este comentário:
Concordo ABSOLUTAMENTE com o Dr. Desidério. E digo mais: o bacalhau seco e salgado deve ser imediatamente proibido e substituido por fish and chips, assim como todos os bons fumados, a música pimba deve ser proibida e substituida por rap, e a missa deve passar a ser dita em inglês, assim como as óperas italianas e alemãs devem ser imediatamente traduzidas para inglês. Desta forma evitam-se choques culturais que os portugueses tenham ao entrar em contacto com formas superiores de civilizações. Noutros países deve seguir-se o exemplo, e o Paco de Lucia deve ser, já, proibido de tocar guitarra espanhola e forçado a tocar a eléctrica (sempre com distorção), enquanto os ciganos berram em inglês, em ritmo rock. Talvez desta maneira, países pobres culturalmente como a França, Alemanha, Itália, e Espanha, pudessem ter grandes sucessos como países anglófonos, como a Nova Zelândia, a Irlanda, ou mesmo a Jamaica, que lhes são muito SUPERIORES.
Como já terão percebido alguns clientes da Pastelaria eu adoro uma boa piada! Fui ver de onde vinha o autor. Vinha daqui. E foi precisamente a partir "daqui" que encontrei este blogue que vai imediatamente para ali [get smart]. Chama-se Aurea Mediocritas e para começo de conversa roubei-lhe isto com título e tudo.
Don't mess with Heisenberg
13 comentários:
já o tenho há bastante tempo nos meus diários. é dos tais casos: mais vale tarde do que nunca.
não conhecia, é mesmo muito muito bom
É muito mar, assim de chofre, mas vou debruçar-me sobre o assunto
É muito bom, também o descobri na semana passada.
PS: Obrigado pela visita. Achas que Israel vai passar a pedir consumo mínimo à entrada?
Pois, parece que me falhou a ultima parte do desfio: avisar os escolhidos. :)
fallorca, não te afogues ahn?
pedro, desconheço a quota dos consumos mínimos mas olha que nada se avizinha de bom com o resultado destas eleições... e estou a ser eufemística
mãe de dois, pois é: anda por aí a atirar dardos à cabeça das pessoas e nem as avisa do perigo!
(obrigada na mesma...)
Sou eu ou o nome "Desidério Murcho" é o melhor nick do mundo?
Sou eu ou o nome "Desidério Murcho" é o melhor nick do mundo?
oh, essa é fácil...
Olá, Ana
Só quero esclarecer uma coisa. Não penso que a língua inglesa é superior à portuguesa. Nem que a portuguesa é superior à língua dos bosquimanos. Oponho-me é à ideia de que a língua portuguesa é superior porque é nossa; isso é insustentável.
E apenas faço notar esta verdade óbvia: o maior acervo literário, histórico, científico não está em língua portuguesa. Uma pessoa que não domine uma língua culta além do português não tem acesso à maior parte da cultura, ciência ou filosofia excepto em (más) traduções.
Olá Desidério, cito isto do teu post
"O segundo aspecto é que muitas línguas são puras mentiras políticas, inventadas por políticos espertos que queriam dividir para conquistar. É o caso da língua portuguesa. Não é mais do que latim à toa, que depois foi trabalhosamente aperfeiçoado numa nova língua, e que mais tarde foi artificialmente afastada do castelhano."
Bom, se isto não implica uma valorização das línguas, sou eu que já não falo português.
Quanto ao castelhano, disse-me um velho poeta espanhol uma vez em Madrid é um língua para "burros", o que se escreve é o que se promuncia. A pouca variedade fonética explicaria, aliás, a dificuldade dos espanhóis para as línguas. E, neste aspecto, o português fica de facto a ganhar, dada a sua variedade: o a é á mas também é ã, o e é é mas tambem é i, o o é ó mas também é ô e u etc. Bom, eu não sou linguísta, não comeces já a bater...
Quanto ao inglês; teríamos de saber do que falamos; de economia, de física, de filosofia? De Shakespeare, ainda cheio de "francesismos" ou da conta corrente de um banco? E até que ponto a penetração do inglês não se deve à sua "simplicidade"?
Por último, quanto à riqueza das línguas, estava no outro dia a ler um opúsculo sobre um jogador de futebol dos anos 20 onde até se citava Eça e que se o desse a ler às minhas para aí metade das palavras elas teriam de ir ao dicionário (não é preciso, pelos vistos, ir ao Camilo ou ao Aquilino...). A uniformização não enriquece. Ao invés, saber várias línguas é o contrário do jogo de soma nula, o conhecimento resulta sempre num número maior
E por que razão ter maior amplitude fonética faz de uma língua superior? E não achas estranho que a língua assim tão superior seja a tua língua materna? Ana, todos nós fomos habituados, por razões políticas tolas, a pensar que somos linguisticamente superiores aos espanhóis -- e na verdade ao mundo inteiro. Isto é uma palermice. Somos o que somos, nem superiores nem inferiores. Temos coisas boas e coisas más, e uma das coisas más é a mania da superioridade, que por vezes se disfarça numa mania da inferioridade (é assim que costumo ser lido, como se eu pensasse que os portugueses são mais parvos do que o resto do mundo).
Há vantagens e desvantagens em quase tudo, incluindo na diversidade das línguas. Mas quando tens uma produção cultural muitíssimo superior em línguas que os estudantes não dominam, temos um problema para resolver e temos de tentar resolver o problema olhando para as pessoas e não para manias infantis de superioridade linguística ou para desígnios místico-linguísticos.
Mas talvez eu não tenha razão. Preciso é de argumentos para me convenceres do contrário.
E repara que não estou a apoucar o trabalho com a língua que pessoas como tu fazem -- se o fizesse também estaria a apoucar o trabalho que eu faço com a língua portuguesa, pois também o faço. Só estou a tentar acabar com ideias que me parecem salazaristas, apesar de as pessoas que as têm não serem salazaristas, claro.
Desidério, o superior e o inferior, como bem sabes, são termos que podem ser usados em vários sentidos. De qualquer forma, só referi o assunto porque o teu post permitia subentender que estavas a valorizavar o castelhano (eu, por acaso, prefiro dizer espanhol, mas isso são cá manias minhas...)
De qualquer forma, não sendo salazarista, e não tendo ideias salazaristas (pelo menos que eu saiba... e não me vou psicanalizar para o ficar a saber...), podemos continuar a conversa.
Como acho que já terás percebido, invejo os poliglotas. Os poliglotas a sério, aqueles que falam pelo menos 5 línguas e estão sempre disponíveis para arranhar mais uma (dizem que o segredo disso está no cérebro). Assim sendo, parece-me disparatado querer diminuir o conhecimento, em vez de o aumentar. Se eu souber português e inglês, isso é melhor certamente do que só saber inglês. Quanto ao inglês como o latim de hoje, tenho as minhas dúvidas: não só muitos domínios implicam outras ferramentas linguísticos como o latim era uma língua de elites enquanto o inglês é uma língua massificada, pelo menos a um certo nível (eu, por exemplo, leio sem dificuldades de maior livros técnicos em inglês mas só com grande dificuldade - igual a desprazer - leio poesia em inglês), e muito útil para o comércio.
Posto isto, não tenho hierarquias de línguas, embora algumas sejam mais ricas do que outras (parece que os esquimós têm dezenas de palavras para designar a neve...). Naturalmente, a nível de estudos superiores deveria ser exigido que os estudantes soubessem pelo menos mais uma língua (que não sei se será que ser sempre o inglês, independentemente do que se estuda). Mas também de digo que a minha experiência caseira provou que o ensino do inglês na primária não serve literalmente para nada. A minha filha mais nova até aos 5 anos frequentou um colégio onde o inglês era a língua comum (havia miúdos ingleses, suecos, japoneses e etc.). Falava, com graça, meio à imigrante... Quando passou para a primária, numa escola portuguesa, tinha aulas semanais de inglês onde... desaprendeu tudo. Quero eu dizer: ou aprendes mesmo de pequenino ou então se calhar mais vale deixar passar a fase da aprendizagem dura da língua materna. Não sei, não tenho dados para discutir isso. Quanto à importância da língua materna, vou só contar-te uma história: durante alguns anos vivi no estrangeiro, era uma aldeia minúscula no campo onde passava largos meses sem falar uma palavra de português (limitava-me a escrever umas cartas e a ler uns livros). Um dia, durante um passeio de bicicleta, avistei um carro de matrícula portuguesa. o carro parou no meio do nada e pediu uma informação. a minha felicidade foi enorme! (com ponto de exclamação e tudo...) aproximei-me do carro e ouvi a pergunta. quando tentei explicar onde era o hotel que procuravam, comecei a gaguejar, a traduzir mentalmente as frases para português e a ficar cada vez mais enervada. acabei por largar o casal de portugueses no meio da estrada e fugir dali na minha bicicleta. pouco tempo depois regressei a portugal. acho que a razão maior foi o português. não sei se não devia arrepender-me.
Enviar um comentário