16/10/08

Eu não saberia expor melhor o reaccionarismo obsceno que se esconde por detrás de certos discursos prá-frentex sobre a escola

«[...] continuarei a afirmar que o nivelamento por baixo, que oficialmente se instituiu no ensino (lembremo-nos das palavras recentes do Dr. Jorge Pedreira a propósito do ensino em Portugal ser demasiado exigente), faz com que os alunos deixem de acreditar nas suas próprias capacidades, perdendo a vontade e a perseverança, que acompanham habitualmente o desenvolvimento de todo o estudo. É uma forma deselegante, no mínimo, mas também muito elitista, de dizer antecipadamente aos alunos, sobretudo aos da Escola Pública, que são uns incapazes.
«[...]Esta euforia do novo pelo novo, que actualmente impera e se manifesta em todos os campos, lembremo-nos do inovador «Allgarve», é um discurso ditado por quem está mais interessado em que se cumpram ordens, neste caso de Bruxelas, e em formatar o ser humano, neste caso, alunos e professores. (...) Este discurso oficial decide, mostrando a sua arrogância (e também mediocridade) intelectual, que os interesses dos alunos se centram no presente, solto de influências, e no excesso de imagens que humanamente é impossível reter e que se dispersam sem qualquer significado. No fundo, talvez o objectivo primeiro (e estou cada vez mais convicta disso) seja treinar os alunos a não pensar.
«[...] chamaram-me elitista quando dei a conhecer, de forma crítica, a presença do «Big Brother», de «Testonovelas» e outras do mesmo género, em manuais, e quando defendi a importância da arte, nela incluindo naturalmente a literatura, na sala de aula. Mas elitistas são as pessoas que estão por detrás destes programas e das suas metodologias. Com efeito, se não for a Escola a preencher o vazio cultural, que resulta de uma situação familiar fragilizada, quem o fará? Pelo contrário, os que têm a possibilidade de conviver, em suas casas, com um discurso de cultura, não terão qualquer problema se a Escola falhar nessa sua missão. A esta desigualdade de oportunidades, que a Escola promove, chama-se cavar o fosso entre ricos e pobres, para mais tarde, como diria Vieira, no seu Sermão de Santo António aos peixes, os maiores comerem os mais pequenos. Expressiva é também a frase de uma das canções de Schumann: Aqueles que são ignorantes são fáceis de conduzir. Na verdade, quem não pensa, acaba por baixar os olhos, caminhar em grupo, seguindo os passos de quem o conduz, esquecendo-se de si próprio. E é um crime fazer com que os alunos se esqueçam de si próprios, se anulem enquanto seres humanos, nunca reflictam sobre o que quer que seja. E depois admiramo-nos com o facto de os jovens não irem votar... »
[Excertos de uma entrevista da professora de liceu Maria do Carmo Vieira ao «Notícias Magazine» de 14 de Setembro 2008; mea culpa, descobri-lhe a referência apenas agora aqui]

9 comentários:

Anónimo disse...

A Criatina e o Espada, por muito que o tempo passa, continuam na mesma. O Espada ainda assim conheceu Oxford. E a Cristina?

Ana Cristina Leonardo disse...

o anónimo tb. andou em Oxford? Foi aí que conheceu o Espada?

Anónimo disse...

Por muito que o tempo passe vocês não perdem os tiques. Não conheço tão ilustre gente. O Espada sempre frequenta Oxford. A Cristina também fala de tudo e institui a censura prévia na pastelaria.

João Paulo Sousa disse...

A citação é excelente. A Maria do Carmo Vieira, que tem, em diversas circunstâncias, defendido a importância do estudo da literatura, não podia ter mais razão. Trata-se de um falso igualitarismo, o que é promovido com a estratégia de redução das exigências. Acredito, infelizmente, que muito se falará sobre isto, em tom lamentoso, nos anos vindouros.

Ana Cristina Leonardo disse...

anónimo, o espada não fala de tudo. só fala de popper (mal) e de dress code (ainda pior).
quanto à censura, não é prévia, é privada: porque o que é do foro privado é do foro privado.
e com isto me despeço:(FAR)ewell anónimo
João paulo sousa, a inteligência da exposição de Maria do Carmo Vieira poderá significar que ainda não está tudo perdido. porque ela é a prova de que ainda há quem pense. no sentido nobre do verbo.

Cristina Gomes da Silva disse...

Li o resto da entrevista depois de sair da pastelaria. Gosto do que ela diz, estou de acordo, mas o quotidiano das escolas não é redutível a um conjunto de boas intenções e felizes pensamentos. Considero mesmo, que parte da solução de muitos dos problemas educativos actuais, passa pelo aumento da consciência dos professores sobre o seu Papel, sobre a sua Palavra, sobre o seu Pensamento e Acção. Sem se romper com a capa de cinismo que muitos professores ainda vestem e com o amolecimento e relativismo excessivo que deixaram que se instalasse, dificilmente se chegará a bom porto. Philippe Perrenoud tem uma frase que em acompanha há muito "ensina-se aquilo que se é". Bom fim-de-semana

Anónimo disse...

D.Cristina: Acho que a sua cultura não me interessa, de maneira nenhuma. Pelo contrário. Acho , a maioria das vezes, tudo aquilo que escreve, desnecessário, anti-revolucionário e caduco. Passe bem. Eu não gosto nem escrevo, anonimamente, ok? Passe be. e boa sorte! FAR

Ana Cristina Leonardo disse...

Acho que a sua cultura não me interessa, de maneira nenhuma. Pelo contrário. Acho , a maioria das vezes, tudo aquilo que escreve, desnecessário, anti-revolucionário e caduco.

Ao achar isso tudo, tirou-me um peso de cima. Uff!

Ana Cristina Leonardo disse...

cristina gs, não entendi que se tratasse de wishful thinking. De qualquer modo, o que me interessou destacar aqui foi que, sob a capa da democratização, se esconde na verdade um enorme desprezo e uma desconfiança absoluta sobre o que os miúdos, principalmente os das escolas públicas, são capazes de entender e de aprender. cá em casa costumava dizer que as minhas filhas eram tratadas como se fossem atrasadas mentais... e gostavam. Claro que há muito mais coisas em causa. por exemplo essa história das competências pedagógicas. porque para ensinar é preciso ensinar alguma coisa: o discurso da pedagogia pela pedagogia faz-me lembrar o do marketing: não interessa qual é o produto, o que interessa em primeiro lugar é a forma de o vender. bom, parece que por vezes os miúdos não estão mesmo interessados em comprar...