22/09/08

Excerto de «Iniji», poema que nunca foi um inédito de Herberto Helder

[…]
Um corpo tem a lembrança excessiva de outro corpo
um corpo já não tem imaginação
não tem paciência com nenhum outro corpo

Fluidos, fluidos
tudo o que passa
passa sem parar
passa

Ariadne mais fina que o seu fio
não consegue reencontrar-se
[…]

Este coração já se não entende com os corações este coração
não reconhece ninguém na turba dos corações
Corações cheios de gritos, de ruídos,
de bandeiras

este coração não é desenvolto com estes corações
este coração esconde-se destes corações
este coração não se compraz com estes corações

Oh cortinas, cortinas e ninguém vê Iniji

Stella, Stella constelada
Já te não levantas para mim, Aurora

Tão pesados
tão pesados
tão taciturnos seus monumentos
tão impérios, tão quadriláteros
tão esmagadores bárbaros, tão vociferantes,
e nós tão nenúfar
tão espiga ao vento
tão longe do cortejo
tão mal na cerimónia
tão pouco da nossa idade e tanto a passear

tão farinha
tão peneirada
e sempre na peneira

asas de morcego
batendo sempre contra a cara
[…]
Henri Michaux, Iniji, versão de Herberto Helder in As Magias, Assírio & Alvim, 1988
Retrato de Herberto Helder por José Rodrigues

5 comentários:

Anónimo disse...

É por estas e por outras, que gosto de tomar o pequeno-almoço aqui na pastelaria

tork disse...

um poema cresce inseguramente
na confusão da carne...

Ana Cristina Leonardo disse...

fallorca, obrigada
t.o r.k.m u.r p h.y, a parte que gosto mais é esta:

Tão pesados
tão pesados
tão taciturnos seus monumentos
tão impérios, tão quadriláteros
tão esmagadores bárbaros, tão vociferantes,
e nós tão nenúfar
tão espiga ao vento
tão longe do cortejo
tão mal na cerimónia
tão pouco da nossa idade e tanto a passear

tork disse...

não sei muito de poetas, mas gostei do cara...

miguel. disse...

olá Cristina, deixei um inédito no café... do Herberto :)