08/01/08

Os Chupistas ou Porque não se Calam? — Parte II

A ouvi-los, Luiz Pacheco teria ganho o prémio de maior escritor português do século XX. Se os seus livros valessem acções, seria uma corrida à Bolsa.
O que me irrita em toda esta história não é o Pacheco, é o país. Pacheco, como o próprio reconheceu em vida, foi sobretudo um perdigueiro de afiadíssimo faro para as coisas da literatura. Como editor publicou só os melhores. Como autor arriscava o desassombro. É fácil compreender como isso seria raro (e inaudito) num país cujo quadro clínico oscilava entre o bolor salazarento e a catequese PCP mais os fãs do André Breton, não em revolução permanente, antes em cisões contínuas. Leia-se O Libertino Passeia por Braga, escrito nos anos 60, e imagine-se o que seria... Braga ainda hoje o que é.
Dito isto, quanto ao resto viveu quase sempre mal, ou mesmo miseravelmente, porque para aí o empurraram a vida e os genes com que aterrou no mundo.
Pacheco era ele próprio: aldrabão, sobrevivente, desenrasca, preguiçoso e talentoso. Na velhice, viveu de glórias esfumadas que não chegaram para lhe evitar o asilo. Num país merdoso e cinzento como uma tarde de chuva, eterna e da miudinha, Pacheco peidava-se em público e todos os Jojos deliravam, lançava um pró caralho e instalava-se a catarse. Era a excentricidade zoológica que se visita numa jaula. Alinhava no jogo e jogava-o com primor. Se queria. Quando o convidaram para escrever no Público, ele próprio conta, fizeram-no farejando sangue: não lhes deu sangue e o folclore perdeu interesse. Suponho que se sentisse só. Foi um desperdício de talento, mas também para isso é preciso algum.
Que saltem agora uns cangalheiros empantufados a endeusar o «maldito» dizendo que eram amigos dele (numa contradição dos termos: os malditos não têm amigos, como bem lhes poderia explicar Baptista Bastos que em tempos escreveu: «Luiz Pacheco é meu amigo mas eu não acredito no diabo»), comparando-o — oh momento de originalidade olímpica! — com o Borges, porque também ele escrevia textos curtos (assim se provando como o size matter, até nas letras...), ou recordando como sempre o admiraram quando nem uma fralda para a incontinência lhe forneceram em vida, é de vómito. É Portugal (de plástico que é mais barato) no seu melhor.
O Pacheco de que eu mais gosto é o da história do táxi. Se a memória não me engana, contou-a o Mário Soares que um dia se cruzou com ele, teso, naturalmente, e lhe cedeu 20 paus. O Pacheco apanhou um táxi e, como logo o taxista o avisou que troco não havia, ali mesmo lhe ofereceu a fresca nota, na altura bem choruda.
E eu, que nunca sequer fui adepta do morto em vida, acho que só este episódio bastava para meter no chinelo os autores de tanto encómio.
Bardamerda! – dir-lhes-ia Luiz Pacheco. E o mesmo lhes digo eu, que nem sou de escrever asneiras.
A miséria tem muito encanto vista le coeur bien au chaud. E parece que ele deixou muitas cartas...

5 comentários:

miguel. disse...

concordo plenamente com este post...
o Borges de Zink não é o mesmo que conhecemos e o Pacheco de quem ele fala não é o mesmo que finou no passado dia 5, caso contrário confirma-se a confusão que vai na cabeça deste senhor Rui e de toda esta maltinha pobre que dá a cara nestes documentários e aparece nos jornais a dizer que eram os melhores amigos e que são os maiores entendedores na matéria, estou farto desta masturbação intelectual, destas palmadinhas nas costas uns dos outros, destas Pitas, destes prémios para amigos, deste prémios de melhores bloges, desta malta que faz listas de livros que não lhes mudaram as vidas e enumeram as chamadas leituras universais obrigatórias (o que é que se pode chamar a um gajo que faz questão de mencionar que leu os volumes todos da obra do Proust e que isso não mudou a vida dele, por mais que não seja pelo tempo que a levou a ler, ou a de Mussil? IIDIOTA e não intelectual)... enfim... estou a fugir ao conteúdo deste post e não era por aqui que queria ir.
quanto ao Pacheco, Hasta Siempre

já agora um episódio curioso, em tempos Luiz Pacheco fez parte do PCP e até tinha contribuído com umas massas para a construção da sede do Partido, certo dia chateia-se com o Partido e claro, cena típica de Pacheco, foi lá cobrar o dinheiro que tinha dado, não saiu de lá enquanto não lhe devolveram um tijolo, que pelos vistos representava o valor da sua contribuição.

p.s quanto a esta malta toda, como diria pacheco, que vão todos comer umas belas sandes de merda

ND disse...

há textos que para além de escritos entoam. Como eu gosto disso, Senhora Dona desta pastelaria. Um prazer.

Anónimo disse...

Finalmente, alguém tem a coragem de se insurgir contra o mundinho das letras e tretas lusitanas. Mundinho dominado pelos mexias & pitas & companhia literalmente limitada. Gente fraudulenta, gente que mente com todos dentes, gente que navega no mesmo barco das vaidades e do oportunismo. Hipocrisias, cinismos. É esta a massa crítica de um país. Até o Borges meteram no saco, como cúmulo da ignorância e da desvergonha. Em Portugal nem na morte há decência.

Anónimo disse...

linkadíssimo, lá no burgo. depois de mortos, é que se dá os abraços, não fosse o cão aferroá-los enquanto ainda tinha dentes.

coitado, não fosse saber que se estava - como esteve - sempre a cagar para esta gente toda, diria que dava voltas na campa; como, aliás, os outros todos de quem se fala. De facto, a pior coisa que pode acontecer à dignidade de um português é que os imbecis que dele fizeram pouco enquanto vivo o passem a idolatrar depois de finado. Mais valia que lhe mijassem na campa. E olhe que a mim, o homem - tirando essa do tijolo - nem sequer me diz grande coisa, que isso de evocar um mamanço de caralho numa esquina qualquer frase sim, frase não, está um bocado gasto nos dias que correm, mas lá que mete nojo, concordo, mete mesmo.

Anónimo disse...

Jornal "Avante" n° 1780, 10 Janeiro 2008:

Morreu Luiz Pacheco
Escritor e personalidade singular


Luiz Pacheco aderiu ao PCP no conturbado período do final da década de 80

Foi anteontem cremado, no cemitério do Alto de São João, em Lisboa, Luiz Pacheco, escritor, editor e militante comunista.

Luiz Pacheco morreu no dia 5 de Janeiro à noite, no Montijo. Tinha 82 anos. Antes do funeral, o seu corpo esteve em câmara ardente na Basílica da Estrela, por onde passaram muitos admiradores, familiares e amigos. Entre eles, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa.
No funeral, José Casanova, membro da Comissão Política e director do Avante!, lembrou a adesão de Luiz Pacheco ao PCP. «Um dia, há mais de vinte anos, o Luiz Pacheco dirigiu-se à Sede da Organização Regional de Lisboa do PCP – o CT Vitória, ali na Avenida da Liberdade e disse-me: “Quero inscrever-me no Partido”. Confesso que esta intenção militante do Luiz não me surpreendeu por aí além – mas é necessário confessar, também, que, por razões óbvias, ela me deu uma enorme alegria. Começou a preencher a ficha de inscrição, cuidadosamente, lentamente, a meio parou e disse: “Mas ponho uma condição”.»
E pôs a condição: quando morresse, queria um funeral «como o do Ary», com bandeira do Partido e discurso… «Era uma condição razoável, mais do que razoável e, desde logo, assentámos que assim seria. E assim está a ser: como ele quis que fosse», afirmou o dirigente do PCP.
A bandeira vermelha com a foice e o martelo e a estrela de cinco pontas lá esteve, na Basílica da Estrela, a cobrir a urna, e no cemitério. Já a segunda condição era de «muito mais difícil e complexa execução».
É porque, prosseguiu, «quando disse que queria discurso, o Luiz Pacheco, infelizmente, não especificou que tipo de discurso queria».

O discurso que não chegou a sê-lo

Presumindo que não quereria uma «desenvolvida e extensa análise à situação política do momento, com as necessárias (e necessariamente contundentes) críticas à política do Governo», o director do Avante! realçou que, por isso, «não é esse o discurso que irei fazer.»
Mas, continuou, possivelmente que também não quereria um discurso em torno da história do PCP e do seu papel na sociedade portuguesa, desde os tempos da resistência ao fascismo até à actual resistência a uma política com «demasiados cheiros ao antigamente».
«Nem quereria que eu aqui viesse dizer que ele, Luiz Pacheco, espírito livre e independente, personalidade lúcida e irreverente, escritor e personalidade singular, soube reconhecer no PCP o partido dos trabalhadores, com tudo o que isso significa, e fez dele o seu partido». Até porque todos os que o conhecem «sabem que era assim e muitos amigos dele que aqui estão hoje, ou que nas últimas vinte e quatro horas passaram pela Basílica da Estrela, sabem do orgulho com que o Luiz lhes mostrava o seu cartão de militante – “com as cotas em dia”, como fazia questão de sublinhar».
Os que não sabiam ficaram a saber, continuou José Casanova, a importância que dava à sua ligação ao Partido, «de tal forma que, sempre que mudava de residência, a sua primeira correspondência era para informar os camaradas da sua nova morada». Ou ainda a importância que dava à leitura do Avante! que, revelou, «a partir de determinada altura, passou a ser quase exclusivamente o seu jornal». Era com alegria e satisfação que recebia a visita de camaradas e participava nas «conversas à volta do petisco».
Para o director do Avante!, também não seria desejo de Luiz Pacheco, que se dissesse no seu funeral que «a sua morte é uma enorme perda para a cultura portuguesa; que ele é um dos maiores escritores de maior importância do século passado, um estilista notável que marcou impressivamente a cultura portuguesa». «E a verdade é que, aqui chegado, acho que é altura de terminar este discurso que não chegou a sê-lo», continuou José Casanova.
Antes de terminar, o dirigente do PCP realçou que fica a «imensa saudade que Luiz Pacheco deixa em todos nós. Saudade do amigo. Saudade do camarada. Saudade do escritor. Saudade do Luiz Pacheco exactamente como ele era e pelo que ele era». Uma saudade que, rematou, podemos ir matando, lendo-o.

Lugar cativo na história da literatura

O PCP reagiu, dia 7, à morte de Luiz Pacheco com uma nota da sua Comissão Nacional para as Questões da Cultura. Na ocasião, os comunistas realçam que Luiz Pacheco assegurou um lugar na história da literatura portuguesa, como editor e como escritor.
Enquanto editor, deve-se-lhe a publicação de obras de vários autores importantes, de Mário Cesariny e outros surrealistas a Herberto Hélder. Enquanto escritor, a sua obra, em grande parte ainda dispersa, «dá testemunho de uma prosa depurada e segura, ágil e capaz de recriar a palavra oral e popular, e o calão». Entre as suas obras, merecem especial destaque Comunidade, O libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor, O Teodolito, Exercícios de Estilo ou Memorando, mirabolando.
Na opinião dos comunistas, Luiz Pacheco é um autor em que vida e obra se confundem e se ampliam mutuamente, «em que a ficção, a crítica literária e a crítica da mundanidade literária se respondem e ecoam um fundo insistente e desassombradamente autobiográfico. Autor satírico, a sua obra combina a ironia e a subversão das convenções do moralismo conservador e hipócrita, com a capacidade de revelar o rosto agredido do ser humano, entre a opressão e o sofrimento da miséria e a alegria insurrecta».
A Comissão Nacional do PCP para as Questões da Cultura destacava ainda, na sua nota, a filiação comunista de Luiz Pacheco, que manteve até morrer. E lamentava profundamente o seu falecimento e a perda que ele significa para a cultura portuguesa, manifestando ainda as sentidas condolências aos seus familiares.
Luiz Pacheco nasceu em Lisboa a 7 de Maio de 1925. Com um precoce talento para a escrita, frequentou o primeiro ano do curso de Filologia Românica da Faculdade de Letras de Lisboa. Por dificuldades financeiras, acabou por desistir do curso.
Em 1946, foi admitido como agente fiscal da Inspecção de Espectáculos, de onde se demitiu, um dia, por estar farto daquele emprego. Ao longo de vários anos, publicou dezenas de artigos em vários jornais e revistas, como o Diário Popular ou a Seara Nova. Em 1950, fundou a editora Contraponto, onde publicou a obra de diversos escritores, que se tornariam nomes consagrados da literatura portuguesa.
Dedicou-se também à crítica literária e cultural.