04/01/08

Gente Singular*

Juro que não ia falar de tabaco. Nem sequer para prestar solidariedade ao presidente da ASAE, apanhado a fumar no Casino do Estoril depois da entrada em vigor da lei que proíbe o fumo, a qual será fiscalizada pelo próprio organismo a que preside António Nunes. Sobre o acontecido, e já que voltei ao tema, só quero dizer o seguinte: antes aldrabão que fascista! (A propósito de casino, recordo que nem os norte-americanos, pioneiros da luta antitabágica, se lembraram de proibir o fumo aqui).
Como resistir, porém, a esta matéria pícara vinda directamente do Sul? (Relembro que o Sul é aquela direcção que
Pedro Bidarra nunca saberia apontar por muito xerém que comesse). Transcrevo:
Um auto «foi levantado no Algarve, terça-feira, pouco antes de almoço, quando o proprietário de um café da Fuzeta, concelho de Olhão, chamou a GNR para autuar um cliente que se recusava a apagar o cigarro. Chegada a patrulha, o prevaricador e seus cigarros já tinham partido e o dono do café não conseguiu identificá-lo para posterior autuação. Contudo, os militares da GNR acabaram por multar o dono do estabelecimento, porque não tinha colado os obrigatórios dísticos de proibição de fumar. "Se ainda estivesse no café, o próprio fumador poderia sempre ter alegado que não sabia se era proibido ou não fumar, porque nada o indicava naquela casa", enfatizou à Lusa uma fonte da GNR».
Pela parte que me toca, fico feliz: multou-se o bufo, ilibou-se o fumador. Este saiu à francesa, àquele saiu-lhe a coima e como prémio de consolação uma praga da Fuseta. Por exemplo:
«Deus permita que venhas a morrer afogado numa pia de água benta!»
* Título roubado a um conto de Manuel Teixeira Gomes, escritor algarvio e Presidente da República entre 1923 e 1925, tendo resignado ao cargo.

16 comentários:

Táxi Pluvioso disse...

Para os problemas da humanidade desenvolvida (a que vive na costa oeste) existem duas soluções:
a) aumentar os impostos.
b) proibir.

Ana Cristina Leonardo disse...

Táxi Pluvioso, na Fuseta a malta é meio anarquista e foi em sua homenagem que até melhorei o post. No entretanto, entrou o seu comentário. Coisas da realidade em rede. A Pastelaria agradece-lhe a visita. Um dia destes servimos xerém. Antes que seja proibido ou se torne proibitivo.

Luis Eme disse...

O dono até podia ir para a ASAE, pelo excesso de zelo...

João Lisboa disse...

Ouve lá, ó algarvia: é xErém ou xArém? É que, ainda esta semana, por duas memoráveis vezes, andei pela mouraria a comer xArém e, em ambos os menus, vinha escrito xArém... (como, aliás, sempre escrevi e sempre tinha visto escrito - ou será que existe uma ampla latitude ortográfica especificamente moura?)

Táxi Pluvioso disse...

Um homem com cerca de 40 anos "recusou-se a apagar o cigarro", depois de alertado por uma funcionária sobre a proibição de fumar no café.
A funcionária do estabelecimento chamou a polícia, que confirmou a infracção ao testemunhar no local que o cigarro "foi apagado à pressa e mandado pelo homem para debaixo do balcão do café".
"O homem foi de imediato conduzido à esquadra da PSP, onde foi identificado e levantado um auto de contra-ordenação"

Nesta notícia de Elvas o PSP teve de pôr-se de rabo para o ar para cumprir a lei. Não percebo é como o bófia prova que foi o homem que mandou a beata para debaixo do balcão. Sinal dos tempos. Também no Iraque e no Afeganistão não é preciso provar nada. Basta dizer que é islamista (depois de morto).

Mas há algo que se pode aprender desta lei. O valor das multas reflecte como os políticos são muito bem pagos neste país, o que lhes provoca uma distorção do real.

Táxi Pluvioso disse...

Um homem com cerca de 40 anos "recusou-se a apagar o cigarro", depois de alertado por uma funcionária sobre a proibição de fumar no café.
A funcionária do estabelecimento chamou a polícia, que confirmou a infracção ao testemunhar no local que o cigarro "foi apagado à pressa e mandado pelo homem para debaixo do balcão do café".
"O homem foi de imediato conduzido à esquadra da PSP, onde foi identificado e levantado um auto de contra-ordenação"

Nesta notícia de Elvas o PSP teve de pôr-se de rabo para o ar para cumprir a lei. Não percebo é como o bófia prova que foi o homem que mandou a beata para debaixo do balcão. Sinal dos tempos. Também no Iraque e no Afeganistão não é preciso provar nada. Basta dizer que é islamista (depois de morto).

Mas há algo que se pode aprender desta lei. O valor das multas reflecte como os políticos são muito bem pagos neste país, o que lhes provoca uma distorção do real.

Táxi Pluvioso disse...

Esta porcaria do blogger hoje deu-lhe para repetir os comentários.

Anónimo disse...

Servi-me deste blogue para manifestar a minha ira e para testar a capacidade de indignação e revolta dos portugueses. Eu já sabia que era muito pouca. Agora confirmei que é nula. Mortos... eu não pensava que houvesse tantos, escreveu T.S.Eliot. Todos muito civilizados (que termo sinistro), cultos e engraçadinhos, a escreverem para os blogues. Mas todos conformistas. Nada disso nem o humor servem para nada. Os cães já nem ladram e a caravana do poder e da repressão continua a passar, de vento em popa. Está tudo na massa do sangue, como dizia o meu tio gay. Mas os portugueses não têm sangue, têm linfa. Agradeço à senhora dona pasteleira o espaço de liberdade que me concedeu. E que continue a sonhar com o seu Algarve mítico e virtual que na realidade não existe. Pelo menos como ela pensa. Porque, infelizmente, também é Portugal.
José Agostinho Baptista.

Ana Cristina Leonardo disse...

Zé, terás de ir fumar um cigarro a Madrid (?)!

Anónimo disse...

Iremos. À procura da vida, à procura dos sentidos, da sua expressão mais luminosa. Porque aqui, minha querida amiga, o máximo que seremos é sonâmbulos despertos, como dizia o meu caro poeta Octavio Paz. Porque aqui vamos roendo as nossas próprias entranhas, "mastigando silêncio", gritando para dentro, pois já nem nos deixam ter voz. E punhos muito menos. Não é, Pedrinho?
josé.

Anónimo disse...

Há tempos, vi escrito numa parede de Benfica: BURROS, AINDA NÂO VIRAM QUE ESTÃO A PERDER A LIBERDADE?
Gostava de ter um filho que escrevesse estas coisas na cara da cidade.
Ficaria com a ilusão de que nem tudo está perdido.
josé.

João Lisboa disse...

Pá, Leopardo, e o xA/Erém?...

Ana Cristina Leonardo disse...

Pá, Lisboa, primeiro, deixa-me que te diga que muito me apraz saber que um rapaz dos mares do norte sabe apreciar uma iguaria dos mares do sul. Segundo, porque parece que se pode escrever das duas maneiras, ando a investigar melhor. Não está esquecido. Se te interessar a parte gastronómica da coisa, para além da linguística, eu tenho a receita. Mas faço com conquilhas. Há quem faça com ameijoas.

Anónimo disse...

Um pequeno contributo sobre a candente questão do “xe/arém”, vindo de Maria de Lurdes Modesto, in “Cozinha Tradicional Portuguesa”, Editorial Verbo, 2ª ed., Jan 1982. Pág. 273.

Algarve
Papas
-- “Xerém ou Papas de Milho com Conquilhas” (Tavira e Vila Real)
Para 5 pessoas: 500 g de farinha de milho (moído fino); 200 g de toucinho; 1 kg de conquilhas; 1 colher de sopa de banha; sal.
-- “Xerém ou Papas de Milho com Sardinhas”
Para 4 pessoas: 350 g de farinha de milho; 500 g de sardinhas; 1 cebola; 1 tomate; 3 colheres de sopa de azeite; 1 ramo de salsa; sal; vinagre.
-- “Xerém com Torresmos”
Para 4 pessoas: 350 gramas de farinha de milho; 200 g de toucinho; 150 g de chouriço de carne; sal.

Notas:
- “xerém” é o termo árabe para “papas de milho”, pelos vistos mesmo com toucinho.
- Em Faro substituem as conquilhas por amêijoas e dão a este prato o nome de “baile de roda com castanholas”.

Resta uma dúvida: até que ponto Madame Modesto é uma referência, passados 25 anos. Apareceram entretanto, felizmente, tantos mestres culinários, cozinheiros chefes e críticos gastronómicos que o que ontem era um “e”, afinal, hoje, é um “a”.

João Lisboa disse...

"muito me apraz saber que um rapaz dos mares do norte sabe apreciar uma iguaria dos mares do sul"

Nada como as iguarias dos mares do sul da... "west coast of Europe"!

"Segundo, porque parece que se pode escrever das duas maneiras, ando a investigar melhor. Não está esquecido."

Pois, parece que sim:
http://www.portugal.gastronomias.com/algarve076.html

O comentário da milu também vai no mesmo sentido.

"Se te interessar a parte gastronómica da coisa, para além da linguística, eu tenho a receita. Mas faço com conquilhas. Há quem faça com ameijoas"

Como podes ver acima, essa questão não só está resolvida como, amanhã mesmo, estimulada pela recente investida à south coast da west coast, a tua homónima tratará de reproduzir a coisa mais a norte.

Ana Cristina Leonardo disse...

Milú, se eu adivinhasse não me tinha dado ao trabalho. Ainda por cima também fui à Madame Modesto. E essa coisa do «e» e do «a» lembrou-me que tenho um post para pôr sobre o acordo ortográfico.
João, caso solucionado. Podes ir comer escalrecido pela Milú, de quem faço minhas as palavras.
Diz à minha homónima que tem de ter muita paciência a mexer a farinha até engrossar, se pára cria grânulos e lá se vai o xerém. E manda-lhe um beijinho meu!