03/01/08

Do Fumo à Dúvida Teológica

Este post poderia começar apropriadamente, citando Cesário Verde:
Eu hoje estou cruel, frenético, exigente
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente

Não seria verdade. Não cheguei a tanto. Ainda assim, e porque o que me irrita não é o combate ao fumo mas a prepotência irracional da lei recém-higienista — as leis proto-higienistas levavam a assinatura de um partido chamado Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei à frente do qual estava um senhor de bigodinho que não comia carne, não fumava, e quanto ao resto só sei o que dizem as más línguas — é com prazer que relato a seguinte cena.
Passando eu ontem no Edifício São Francisco de Sales, para onde em tão má hora se trasladou o semanário Expresso, e faço um interregno para descrever o primeiramente referido:
Trata-se de um edifício de tipo inteligente construído em vidro, material que, como se sabe, é o que mais se adequa ao nosso clima frio, onde as janelas não se mexem nem para trás nem para a frente nem para os lados, como nos hotéis a partir do terceiro andar não vá algum hóspede suicidar-se antes de pagar a conta, espaço organizado em open space, de per si uma coisa bestialmente moderna que no início gerava um burburinho ensurdecedor paulatinamente substituído depois por um silêncio de repartição porque como a malta vê estas coisas nos filmes americanos em que há aquelas redacções fantásticas que decidem o futuro dos presidentes mas depois esquece-se da parte da insonorização, quem trabalha em open space à portuguesa acaba por ter de calar o bico e pronto.
Dizia eu. O edifício é espaçoso, dando para alojar uma série de títulos e serviços além do Expresso. Quando se entra, há um átrio bem capaz de meter no chinelo muito centro comercial da periferia (com um café e uma cantina ao fundo).
Olhando para cima, o céu é o limite. O edifício organiza-se pelas laterais, com os andares dispostos em torno do núcleo central, vazio, cada um deles rematado por um passadiço com varandim onde desembocam os elevadores, e onde até dia 31 de Dezembro vinham também desembocar os fumadores.
Pois passando lá eu ontem, como estava a dizer, descortinei ao longe um friso humano e friorento de umas 10, 15 pessoas à porta, do lado de fora, todas, curiosamente, com um cigarro na mão. Apesar de visíveis até da estrada, exibiam sem excepção um look clandestino, naturalmente inapropriado até porque tudo isto se passava em plena luz do dia. Chegada ao segundo andar, e comentando o estranho comité de recepção em que tropeçara à entrada, fui informada que Francisco Pinto Balsemão, o próprio, ao abeirar-se do seu edifício pela manhã e confrontado com espectáculo semelhante comentara: «Mas que disparate vem a ser este?!» e depois acrescentou: «No meu gabinete podem fumar!».
Frase de circunstância ou não, confesso que me falou ao sentimento. Dei por mim a aplaudir de pé: Ah! Grande Balsemão! Empolgada, informei ir fumar eu própria um cigarro ao agora imaculado passadiço. O que fiz. E eis que já não era eu, mas sim a própria Dolores, La Pasionaria!
Depois deste longo desabafo, que alguns terão tido a paciência de ler até aqui, confesso que o que eu queria mesmo dizer se resume a isto: «Vivre Est Dangereux Pour la Santé». Transformar o simples acto de fumar num gesto de desobediência civil, só prova o grau de autismo a que chegou este velho continente, a rebentar de si próprio pelas costuras.
E só antes de me ir embora, uma dúvida que me ocorreu aqui há dias, para justificar o título do post:
Qual o pecado maior? Um padre celibatário fumar um cigarro às escondidas no escurinho do confessionário ou render-se ao apelo das hormonas enquanto lê Teresa D'Ávila?
Duas informações úteis mesmo para finalizar:
Parece que no restaurante Stop, a Campo de Ourique, continua-se a poder fumar.
Parece que um atestado médico passado por um psiquiatra permite puxar do cigarro sem sermos tomados por gangsters. E se os fumadores portugueses enlouquecessem de vez? Antes isso do que encher os bolsos à indústria farmacêutica que anda por aí tão diligente a querer tratar-nos da saúde.

6 comentários:

Anónimo disse...

Tanta trabalhera para dizer coisas simples. Por exemplo: um boi é um boi, um sócrates é uma cabra, um cavaco é um pau. Tantos à procura da sua escritura na literatice bloguista. Pachecos, Marcelos, muitos em francês, muitas danças sem dançarinos, muitas chicas pouco buenas. Espanhol ( que horror, não se deve dizer espanhol mas sim CASTELHANO) misturado com português. That is my fault. Entretanto, Portugal é isto -- fantástico, very fantástico. Vinte euros na FNAC, dez no AXN, quinze na NET. E que viva o grande quim barreiros e o palma e as saudades do adriano. Tudo no mesmo saco. Uns pós do tio sam, outros do tio blair, e um psiquiatra em cascais. Que wonderful mundinho.

Táxi Pluvioso disse...

O acto de gostar muito de uma lei no início de vida, para a violar sem piedade, chama-se lexofilia.

Os fumadores têm de continuar a fumar, de outra forma o Estado tem de aumentar os impostos noutra coisa qualquer para compensar (não é que não o façam na mesma, enfim).

Esta luta pelo ambiente saudável sempre me fez muita confusão. Se fossem honesta atacaria a maior produtora de CO2 - a respiração humana. As pessoas respirariam, dia sim dia não, consoante o número do BI, ser par ou ímpar.

Táxi Pluvioso disse...

E quando temos dúvidas sobre qualquer assunto ask a ninja. Ele tem sempre a resposta.

menina alice disse...

"e onde até dia 31 de Janeiro vinham também desembocar os fumadores"

É 31 de Dezembro, não é?

Ana Cristina Leonardo disse...

Anónimo, eu ficava com o psiquiatra em cascais, por via das dúvidas.
Táxi Pluvioso, o oxigénio é o maior causador de cancro, já se sabe, mas é verdade que às vezes até eu sinto que fumo um bocadinho demais
Menina-Alice, obrigada por detectar o engano. E quanto ao link com a livralhada, muito obrigada. Bom ano! (isto está tudo a rimar, bolas...)

Anónimo disse...

Afinal em Lisboa há um Centro Comercial com espaço para fumadores. Adivinhem qual é. Vá lá, façam um pequeno esforço. Pronto: eu digo. É no Corte Inglês. Estão a ver como era fácil? Tão óbvio.Os valentões socráticos e os da parasitária ASAE baixaram a bolinha. Perderam a arrogância e o pio. Com os espanhóis a música é outra. Fácil é bater nos portuguesinhos domesticados e sem voz.