24/05/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: "Silêncio que se vai cantar o fado!"

«(...) Como se sabe, a liberdade de expressão é terreno escorregadio onde nem tudo é a preto e branco.«(...) Como se sabe, a liberdade de expressão é terreno escorregadio onde nem tudo é a preto e branco.
Há uns dias saiu neste jornal um texto assinado por Ana Sá Lopes de título “Pode um deputado dizer que os judeus são uma etnia ‘mais burra’?”.
Segundo a autora seria pouco provável que, fosse esse o caso, o presidente da Assembleia da República se mostrasse tão permissivo à livre oratória: “É evidente que, se a etnia visada fossem os judeus, a reacção não seria essa. Não estou a ver José Pedro Aguiar-Branco a permitir na Assembleia insultos aos judeus (mas confesso que já estou por tudo). Sinceramente, acho que não o fará, porque carrega a culpa que todos nós, europeus, carregamos por termos permitido, no século XX, o Holocausto”.
Deixando, por ora, de lado a questão da “culpa abstracta”, passemos de imediato ao concreto.
Primeiro, preguiçoso (em rigor: “pouco trabalhador”) não tem o mesmo peso de “burro”. Segundo, entre negar o Holocausto enquanto facto histórico ou afirmar que os judeus foram bem mortos (discurso de ódio) e chamar burro a um povo continua a haver significativas diferenças. O mesmo se diga, por exemplo, de dizer “os imigrantes não querem trabalhar” ou “os imigrantes deviam afogar-se todos”.
Finalmente, e para entrar no problema abstracto da “culpa colectiva”, atendendo a que se trata da contestação a generalizações, faço notar que tão generalista é falar da culpa de “todos nós, europeus” como de “turcos” e do seu pouco amor ao trabalho.
Vivem-se tempos paradoxais. Enquanto uns clamam por discursos impolutos, os discursos brejeiros vão galgando terreno. Enquanto uns reagem ruidosamente denunciando qualquer expressão na qual vislumbrem o menor indício de “linguagem menos própria”, os falantes da chamada “linguagem menos própria” batem palmas, agradecem a deferência, a difusão, e engrossam o discurso, acabando também por engrossar, como previu Umberto Eco (no caso, referindo-se às redes sociais), a “legião de imbecis” que dantes se ficava pela taberna e que hoje chegou aos parlamentos.»

17/05/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Calma, é apenas um pouco tarde»

«(...) Enquanto o país discutia com um afervoramento que, por si só, teria sido capaz de derrotar os exércitos de Alexandre, o Grande, ora o caso do marchand preso no momento em que ia dar uma entrevista a Cristina Ferreira – e isso faz-se?, perguntaria Cristina Ferreira num tom mais estrídulo do que o habitual –, ora o caso do Festival da Eurovisão – certame desadormecido algures no tempo entre "A desfolhada" de Simone de Oliveira e o "Amar pelos dois" de Salvador Sobral e que se transformaria num espectáculo de orgulho queer este ano apimentado pela guerra entre Israel e o Hamas e a tolerância zero da organização não se sabe bem a quê –, por aqui as conversas versavam a mecânica dos tractores, o caso de um javali desembestado e as bebedeiras entre dois irmãos que, ainda não atingida a taxa de álcool no sangue de 0,5 g/l, acabam fatalmente em pancadaria.

10/05/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Longe do mundo*»

(...) Lembrei-me depois de Camilo Castelo Branco e da sua copiosa produção literária, que a vida custa a todos (ou, pelo menos, à maioria).

03/05/24

MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Olhai as popoilas do campo»

«... Curioso como num mundo cada vez mais afastado da natureza – apesar da crise climática e das latas de tinta arremessadas contra tanta tela exposta em museus – se vai dando, em simultâneo, um empobrecimento da linguagem, não só do número das palavras em uso, mas também da diversidade dos seus sentidos que, no essencial, tendem a abandonar a sua panóplia multifacetada (à semelhança da pluralidade dos risos) para se verem entrincheirados entre as categorias do aceitável e do não aceitável.