MEDITAÇÃO DE SEXTA: «Olhai as popoilas do campo»

«... Curioso como num mundo cada vez mais afastado da natureza – apesar da crise climática e das latas de tinta arremessadas contra tanta tela exposta em museus – se vai dando, em simultâneo, um empobrecimento da linguagem, não só do número das palavras em uso, mas também da diversidade dos seus sentidos que, no essencial, tendem a abandonar a sua panóplia multifacetada (à semelhança da pluralidade dos risos) para se verem entrincheirados entre as categorias do aceitável e do não aceitável.

Ao mesmo tempo, porque o paradoxal nunca está longe do humano, demasiado humano, emergem palavras novas obcecadas por significados cada vez restritos, numa espécie de delírio classificativo e purgativo, em que a liberdade de interpretação se torna, também ela, cada vez mais limitada.

O aceitável e não aceitável da linguagem oral e escrita tem, claro, um alicerce social e político. Mas nem toda a linguagem se expressa dessa forma. As imagens mentais, por exemplo, escapam ao nosso controlo, como no conhecido exemplo em que ao ser-me ordenado que não pense num elefante cor-de-rosa, a única reacção a essa ordem será precisamente eu só conseguir pensar num elefante cor-de-rosa. Daí que, mesmo no regime mais totalitário que imaginar se possa, o controlo do “pecado do pensamento” continua uma distopia por realizar. (...)»