MEDITAÇÃO DE SEXTA: «DESLIGAMENTO»

«(...) Décadas a pregar a inteligência emocional – seja lá isso o que for –; elevação ao primeiro lugar do pódio da famigerada empatia – a palavra compaixão caída em desgraça sabe-se lá porquê –; milhares de talks e papers sobre liderança (leio, escrito por alguém que se identifica como Talent Manager: “Ser líder significa ser humano”, e logo me ocorre um impropério que uma esmerada educação me impede de partilhar…); linguagem cada vez mais açucarada – trabalhador/colaborador, patrão/investidor, despedir/flexibilizar, pobre/carenciado, etc., etc. – enquanto, ao mesmo tempo, o mundo se vai tornando cada vez mais competitivo, afunilado, vertiginoso.

Numa realidade social, cultural, política e economicamente bipolar (acho que não me esqueci de nada), vivemos entre a glorificação do killer instinct: “Vá à luta”, “Saia da sua zona de conforto”, “Vencer só depende de si” – banalidades que despertam curiosas e até cómicas reminiscências, reconduzindo-nos ao Livro Vermelho de Mao Tsetung, capítulo “Ousar Lutar! Ousar Vencer!” – e preceitos virtuosos que exigem amor universal pela humanidade, pelos animais, pela Terra, até mesmo – embora tal benquerença só esteja ao alcance dos mais evoluídos – pelos habitantes de Alpha Centauri, no caso improvável de lá morar alguém.

(Faço aqui um curto parêntese, porque falei de Mao Tsetung, para dizer o quanto o texto de Boaventura de Sousa Santos, “Uma reflexão autocrítica: um compromisso para o futuro” (Expresso, 4/6/2023) me fez recordar as autoflagelações da Revolução Cultural Chinesa, acrescentando, já agora, que foi debalde que nele procurei uma palavra sobre o que realmente está em causa: abuso de poder.)

Voltando à bipolaridade. Como no poema de Cesariny, encontra-se e vê-se em todas as esquinas. (...)»