24/07/12

Faites vos jeux, rien ne vas plus

Devo confessar que ser detida a milhares de quilómetros de casa é uma desagradável experiência. Foi o que me aconteceu há uns anos, quando visitei os EUA, destination Las Vegas. 
Após o que me pareceu um caloroso Good Morning!, estendi o passaporte para, segundos depois, me ver recambiada para uma sala inóspita onde aguardei três horas pela devolução do dito. 
Às minhas insistentes perguntas sobre qual era o problema, a resposta resumia-se a um lacónico you must wait, madame, sente-se e ponto final, proferido por um representante da Lei, dois metros e 150 quilos, tal e qual como nos filmes. É nestas situações que uma pessoa fica a perceber quem manda. 
Por fim, o funcionário chamou-me e devolveu-me o passaporte. E segurávamos ambos o precioso documento quando ele me pergunta o que é que eu ia fazer a Las Vegas.
Lembrei-me de “O Jogador” (a literatura acompanha-me sempre nos momentos críticos) e respondi-lhe gambling. Não era exactamente verdade, mas a piada saiu-me à mistura com um sorriso nervoso, tanto mais nervoso quanto li na cara do homem que a literatura russa não era a sua cup of tea.
Lá me safei às arrecuas e consegui apanhar a ligação para Las Vegas, delírio veneziano plantado no meio do deserto onde gambling e poesia se misturam: “Are you writing a poem?”, perguntam-me no Casino Royale, enquanto tomo nota de um informação qualquer.
Tudo isto me surgiu em catadupa ao ler que a Unibet lançou apostas online sobre a demissão de Relvas. O que, por sua vez, me lembrou um episódio contado por Mark Twain: um homem foi dar à viúva de Jo Toole a notícia da sua morte: “O Joe Toole vive aqui?” E quando a viúva respondeu que sim, ele disparou: “Quanto aposta que não?”

22/07/12

O Luís M. Jorge comoveu-me. E esta, hein?

«Fernando Pessa morreu aos cem anos e quatorze dias no Curry Cabral, após um longo internamento dramatizado pelos jornais. Quando entrou não era ainda centenário, injustiça cósmica que deu origem a manchetes encorajadoras: "Está quase, Fernando". "Aguenta, Pessa". Os artigos descreviam-no como "o jornalista mais velho do mundo", uma liberdade poética dirigida aos reformados, e desembocavam sempre na interjeição icónica, repetida à náusea, que ele próprio celebrizara: "E esta, hein?"

Enquanto somos novos julgamos que todos os velhos são iguais. Para quem via o jarreta a invectivar rotundas e sinais de trânsito era fácil esquecer que tinha saído da Emissora Nacional para correspondente de guerra e símbolo da liberdade contra a censura nas emissões da BBC. Diz-se na internet que o regime lhe vedou o acesso à rádio quando regressou em 47. Trabalhou em companhias de seguros e fez dobragens até ingressar na RTP, mas só fez parte dos quadros da televisão pública depois do 25 de Abril, aos 74 anos.

Esta semana a pátria comoveu-se com a morte de outro velho, um fascista e mitómano tido por grande divulgador da História de Portugal. Como diz Noah Cross no melhor filme de Polansky, "os políticos, os prédios feios e as putas tornam-se sempre respeitáveis se viverem muito tempo". Mas podemos e devemos escolher os nossos velhos.»
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16/07/12

Miguel Relvas: faites vos jeux, rien ne va plus!

A permanência/saída do ministro do governo já chegou à bolsa.
Ainda alguém enriquece à custa deste disparate.
Deus escreverá direito por linhas tortas. 

És a nossa cruz

Como escrever sobre isto. Como escrever para além disto. Como escrever brechtianamente sobre isto. O que é isto. Quem é isto. De onde é que isto apareceu. E não podemos mandá-lo embora?
 O grau zero. O grau abaixo de zero. Ainda assim. O Verão. As sardinhas. Os robalos. My name is Vara, Armando Vara. Uma mulher foi presa em Aveiro por ter roubado um atum. Oh abençoada luz. Luz. O Mexia. Ai, ai que o gato mia. Os casinhotos de Sócrates e as vivendas da Coelha. O asfalto do Coelho. Como é que nos livramos disto. O país da Europa com mais autoestradas per capita. O segundo do mundo com mais gente deprimida. Os cursos farinha amparo. Os doentes. Os deficientes. O ministro da motoreta. A ministra das gravatas. O Relvas das bravatas. O assassínio do Tua. Os abismos de Passos. As olheiras de Gaspar. Os silêncios de Gaspar. “Os calados são os piores”.
Um autocarro desviado do Marquês para o quartel da Trafaria: “Nem mais um soldado para as colónias!”, e gente a rir. Táxis. Piadas pueris. “Está livre? Então, viva a liberdade!” Mais piadas: “O senhor doutor dá licença? Ora essa, está licenciado!”. “Está a jantar sozinho? Não, estou num jantar de curso”.
O discurso. As decisões: não deviam ter gamado os subsídios mas o que está feito, está feito. Pim! O regresso a Américo de Deus Thomaz. Deus, porque nos abandonaste? O saldo dos aventais. Irra, que é demais!
Os delfins urbanos. As praxes. A ignorância. O medo: “uma cabeça cortada não dói, mas tem uma importância danada”. Quem se mete com o PS leva. 16,2% de desempregados previstos para 2013. ‘Ó patrão dá-me um cigarro’. As urgências de António Borges. Os sobreiros suicidas e, pelo meio deles, galante, António José, formoso e não seguro… (continua).

14/07/12

s/t

Tudo isto é triste, tudo isto existe, tudo isto é fado

Cavaco Silva, montanheiro de sequeiro sem um pingo de grandeza cujo projecto para o país se resumiu a asfaltá-lo, que levou aos píncaros tudo o que o novo-riquismo tem de pior, que se rodeou de gente que devia estar na cadeia e que cada vez que abre a boca me envergonha de ser portuguesa, vem dizer que os portugueses se tinham acostumado à "vida fácil".
"Vida fácil" que ele promoveu, que os patos bravos seus amigos promoveram, que os tipos das jogadas financeiras promoveram, e que o grande Sócrates continuou acrescentando-lhe a patine das fatiotas de bom corte. É preciso não ter vergonha na cara!

11/07/12

A Ópera dos Malandros


As senhoras não falam de dinheiro. Fica-lhes mal. A única excepção que conheço é Mae West que um dia explicou com singular clarividência: “A man has one hundred dollars and you leave him with two dollars; that’s subtraction”. 
Se olharmos, contudo, mais de perto, depressa concluiremos que falar de dinheiro fica mal a quase toda a gente. Os ricos não sentem necessidade de se referir ao assunto, e os pobres não têm, simplesmente, assunto. 
Apesar de ser indiscutível que ‘Money Makes The World Go Round’, a relação dos humanos com o “vil metal” (e só a expressão “vil metal” é todo um programa) mostra-se complexa e mesmo algo bizarra. Uns idolatram-no, outros desprezam-no; alguns levam-no a sério, outros rendem-se tão-só à sua inevitabilidade. Há quem encare o dinheiro como uma espécie de “bosão de Higgs”, e há quem, como São Tomás de Aquino, descubra na avareza a raiz de todos os males. 
Opiniões à parte, no nosso mundo, sem dinheiro não se fazem compram galinhas, sem galinhas não há ovos e sem ovos não se fazem omoletes.
Talvez, entre os enfermeiros a trabalhar para o Estado a 3, 96 à hora, haja alérgicos à proteína do ovo ou quem viva tão aterrorizado pelas salmonelas que não lhes toque sequer. Esses são os privilegiados! Os outros terão de contentar-se com valores abaixo do salário mínimo, sair da “zona de conforto” ou ficar-se pelos chocolates da “pequena suja” do Pessoa. 
Percebo, ainda assim, a indignação destes profissionais de saúde. Afinal, andaram a queimar pestanas num curso que não serve para nada. E com tantos cursos tão bons que por aí há. Alguns, passíveis até de ser concluídos num só ano e com emprego de ministro garantido. 
“Ó Portugal, se fosses só três sílabas”.