22/04/12

A pão e água e era pouco

Não há fome que não dê em fartura. Vem o ditado popular a propósito de uns dias me faltar assunto, em outros ser uma avalanche (espero poder continuar a escrever avalanche e não, obrigatoriamente, avalancha). Quando o assunto é isso, pois, fica uma pessoa em apuros para focalizar, verbo que tem vindo paulatinamente a substituir o démodé dissílabo focar e que me faz sempre lembrar alguém a espancar outrem na cabeça com binóculos, resultado talvez de ter consumido BD em excesso durante a juventude.
A semana passada, por exemplo, gostaria de ter falado da medida anti-tabágica anunciada por Paulo Macedo para proteger as crianças do fumo dos progenitores dentro de veículos fechados (nada foi dito, que eu saiba, sobre descapotáveis), medida que, naturalmente, faz o pleno com outra – a de querer encerrar a Maternidade Alfredo da Costa – esta última por razões obscuras (tão obscuras que nem a sagacidade de Marcelo Rebelo de Sousa as conseguiu desvelar).
Ia eu comentar as louváveis prioridades do ministro da Saúde quando tropeço noutro tema (neste caso musical): o hino do Movimento Zero Desperdício, com música de João Gil e letra de Tim, interpretado por cerca de 50 artistas de um largo espectro político (como sói dizer-se).
Começa assim:“Eu não sei o teu nome mas sei que te posso ajudar/Sei que andas a passar fome mesmo andando a trabalhar/ O que eu não aproveito ao almoço e ao jantar/ A ti deve dar jeito/ Temos de nos encontrar”.
Não vou falar da miséria das rimas nem dos pobrezinhos do antes do 25 de Abril (cada família tinha o seu…). Vou limitar-me, educadamente, a citar Mário Cesariny: afinal o que importa não é haver gente com fome// porque assim como assim ainda há muita gente que come.

9 comentários:

fallorca disse...

Quanto mais rimas, mais desatinas

Desconhecido Alfacinha disse...

Acho curioso que, num só Post, consiga aglutinar o seguinte:

- A fome consequente da crise que por nossa (nossa nacional entenda-se) má gestão atravessamos e o contra a qual alguns tentam fazer alguma coisa.

- O tabaco e os descapotáveis (este ultimo típico de alguém da Linha sublinhe-se :-)).

- um Destaque à sagacidade do Marcelo, esquecendo o pingos oportunamente venenosos do mesmo.

Mas lá que escreve bem, isso minha Senhora, Chapeau!

Melhores cumprimentos,

Cristina Torrão disse...

Ana Cristina, tenho várias recordações desagradáveis da minha infância. Uma delas: o acender e fumar de cigarros, pelo meu pai, dentro do carro, nas longas viagens que fazíamos à terra dele, nos confins de Trás-os-Montes. Enjoávamos, nas curvas do Marão e de Murça. Vomitávamos. Era das curvas, sim. Mas aquele fumo, a espalhar-se pelo carro, junto com o cheiro do tabaco, era o golpe de misericórdia. Quantas vezes desejei: "papá, não acendas mais um cigarro!" (Claro que o expressar deste desejo em voz alta vinha acompanhado, pelo menos, de valente chapada. Ele conseguia dá-la, mesmo que fosse a guiar). Até aos meus onze/doze anos, bastava-me sentir o cheiro do tabaco aliado ao cheiro do interior de um carro para começar aos vómitos.
Note que não tenho nada contra quem fuma, eu própria fui fumadora durante dez anos (quem sai aos seus...). Mas, com crianças no carro, eu digo não!
Penso, no entanto, que é uma questão da consciência de cada um, pelo que me pergunto se valerá a pena proibir.

Ana Cristina Leonardo disse...

Fallorca, nunca na minha vida tentei rimar, juro!

Desconhecido, esqueceu-se do problema da língua portuguesa, tão maltratada, coitadinha

Cristina Torrão, eu era as curvas da Serra do Caldeirão :) e ainda hoje...
1. Acho uma hipocrisia esta pretensa preocupação com o fumo quando os doentes oncológicos não têm direito a transporte e o desemprego lança não sei quantas crianças para a alimentação rés-vés
2. Acho proibir fumar nos carros uma parvoíce demagógica e fascizante. Como controlam? Vão ver os cinzeiros? Pedem às crianças para denunciar os adultos?
3. Não fumo em carros com crianças. Aliás, por princípio, não fumo dentro dos carros, como não fumava nos aviões mesmo qd isso era permitido.

fado alexandrino. disse...

Apenas para aproveitar a boleia e publicitar que têm no meu blog o disco "Os poetas - entre nós e as palavras" onde o próprio Cesariny recita este poema.
Procurar na tag música.

luis reis disse...

Ai a nossa mà gestão da coisa...
Ai o que nos salva è que "alguns" estão a fazer o seu melhor.Pois.
Lol...

Anónimo disse...

Cristina Torrão:
Não me leve a mal. Ui, eu adorava o cheiro do acender do cigarro, juro, sobretudo quando era usado o isqueiro do automóvel. É um dos meus olores de infância. (Como o era o da gasolina, a de 95/98 octanas já não cheira ao mesmo.)Curvas e contracurvas, era uma brincadeira entre três irmãos no banco de trás com respectiva gritaria. Passear era uma alegria. Claro que não se fuma para cima de crianças, nem de ninguém. A hipocrisia de que a ACL fala é que nos mata; e a poluição dos popós de que tanto gostamos? Ninguém fala, não é? Para além de que o Estado não manda em mim, não é para isso que lhe pago. E acho que, se a Cristina pensar melhor, também concordará comigo/connosco.
Dóris Graça Dias

PS-ACL, desculpa o abuso.

Cristina Torrão disse...

Dóris Graça Dias:
A hipocrisia é o pior mal, sim, infelizmente, nem toda a gente sabe ser conscienciosa como a ACL. Quando se é assim, não são precisas proibições, concordo. E também concordo que o seu efeito está longe de ser benéfico.

Mas confesso que o cheiro do cigarro me incomodava muito, apesar de, mais tarde, ter sido fumadora (agora, torna a incomodar, mas estou longe de ser fundamentalista nesse aspecto). Os pais acabam por ser o nosso modelo, para o bem e para o mal. Cresci com um pai agarrado ao cigarro, era natural que acabasse por o imitar.
O cheiro do tabaco, junto com o do carro (os carros, antigamente, cheiravam diferente de hoje) enjoava-me muito. Ou talvez fosse a combinação disso tudo com as curvas. Connosco, não havia lugar para brincadeiras e gritarias no assento de trás (isso é que era bom). Como disse, o meu pai conseguia distribuir estaladas, mesmo a guiar e de cigarro na boca. Às vezes, até as distribuía por começarmos a vomitar.

Como vê, cara Doris, todos tivemos vivências muito diferentes.

Quanto ao amor pelos popós, tenho a dizer-lhe que raramente ando de carro. Para fazer uma ideia, só preciso de meter gasolina de quatro em quatro meses, às vezes, nem isso (exceptuando quando estou de férias). A poluição que causo, nesse aspecto, é mínima, além de poupar na minha bolsa.
Uma vida praticamente sem carro é possível, embora talvez lhe seja difícil de acreditar.

fallorca disse...

Recordar é viver
e nada como um charro
prá coisa estarrecer
(leoparda, faltou-me a inspiração; fecha a quadratura do comentário)