11/07/11

A book a day keeps the doctor away: "A Toupeira", John le Carré

John le Carré é um daqueles nomes que não precisa de apresentações. Ao lado de Ian Fleming, pai do 007, le Carré é o escritor mais famoso de romances de espionagem do século XX.
A ter de escolher entre os dois, o autor de A Toupeira seria naturalmente o eleito. Assim como não hesitaria entre James Bond e George Smiley. Enquanto o primeiro é apenas um “boneco” bem esgalhado, George Smiley é uma personagem “de carne e osso” (a melhor definição de Bond, deu-a, aliás, o próprio le Carré: “A impressão que dava é que [Bond] cometeria as mesmas proezas ao serviço de qualquer país, desde que as mulheres fossem bonitas e os Martinis fossem secos.”).
A editora D. Quixote acaba precisamente de reeditar A Toupeira, um livro que tem Smiley como protagonista e a denúncia de um agente duplo ao serviço dos soviéticos como fio condutor. A trama é bem esgalhada mas o que logo sobressai é o retrato das personagens, a começar pela do espião britânico na reforma.
Verdadeiro anti-herói, fisicamente decadente, introspectivo e com um casamento falhado (a forma como lida com a infidelidade da mulher é um magnífico traço do seu carácter), Smiley conduz paulatinamente a investigação, toda ela assente em episódios do passado que a memória de agentes lançados ao ostracismo vai desenterrando.
História adulta com a Guerra-fria em fundo, A Toupeira recusa qualquer visão maniqueísta do mundo, sobretudo, qualquer visão maniqueísta dos homens.
O suspense domina mas o que assombra é a inteligência de le Carré, capaz de nos envolver num enredo de espiões nostálgicos e simultaneamente implacáveis. Além disso, o que pode ser mais romanesco do que a descodificação de um duplo? E se a espionagem perdeu há muito o glamour, George Smiley, esse, continua a comover-nos. Enigmático... e enigmaticamente.
A Toupeira, John le Carré, D. Quixote, 2011

2 comentários:

Pedro Correia disse...

Tens toda a razão. Smiley é incomparavelmente superior ao Bond. E os romances do Carré, mesmo os piores, são muito superiores aos 'divertissements' do Fleming, que era um mero diletante da literatura.

Ana Cristina Leonardo disse...

Obrigada pelo destaque no teu tasco.