Apesar do casamento real, o romantismo já conheceu dias melhores. E não será preciso recorrer ao Romeu e Julieta ou ao desgraçado do Werther para perceber que já (quase) ninguém morre de amores. No facebook, esse barómetro contemporâneo do comportamento das massas (como antigamente se dizia), as pessoas deixaram de estar apaixonadas por (apesar da quantidade de casamentos desfeitos pelas facadinhas online) para passarem a estar… numa relação com.
Sem ter a certeza se Burroughs estava certo quando definiu a linguagem como “a vírus from outer space”, o facto é que as palavras são sintoma. Assim, não será por acaso que os jovens deixaram de empregar o verbo namorar no presente do indicativo — eu namoro, tu namoras, ele namora, nós namoramos, vós namorais, eles namoram — preferindo transformá-lo numa forma composta com recurso ao verbo estar como auxiliar temporal: A está a namorar com B; C e D estão a namorar; E (eu) estou a namorar com F (ele, ela ou mesmo @, este último surgido “from outer space” quando o “género” se sobrepôs ao “sexo”, na minha modesta opinião sem qualquer vantagem e antes pelo contrário).
Esta negação de futuro, ou, pelo menos, a adesão a um futuro incerto (sei lá eu se amanhã ainda estou a namorar) — o que nas relações laborais ganha o nome de “precariedade” (sim, isto anda tudo ligado) — é mortal para a invenção do amor (um poema muito em voga quando eu era jovem e se namorava para a vida mesmo que tudo terminasse logo no fim-de-semana).
Se isto é verdade, ou seja, se a banalidade da incerteza amorosa substituiu a inocência juvenil e o amor romântico, prevê-se que a literatura sofra um rude golpe. Como ler essa coisa absolutamente excessiva que é O Monte dos Vendavais? Como ler o dilacerante Debaixo do Vulcão? Anna Karenina? (deixo de lado a Joaninha e o Carlos do Viagens da Minha Terra que já na minha altura eram um pouco secantes…).
“Vamo-nos dar um tempo. Estou sem disponibilidade. Preciso de me dedicar mais ao blogue…”, eis um diálogo real dos tempos actuais. Será possível escrever um romance com pérolas destas?
30/04/11
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7 comentários:
o amor. à força de ser o pão nosso de cada dia em todas as bocas, banalizou-se, perdeu força, é uma miragem de que de falar, mas não verdadeiramente real.
«...já (quase) ninguém morre de amores»
Suponho que a ressalva «quase» se refere à Fernanda e ao Ernesto Sampaio, não?
Cf. Mário Cesariny
fallorca, pode bem ser
Ana Cristina: com sua licença, vou roubar-lho para o meu blogue dos cronópios, tem valor pedagógico acrescido...
Pois eu acho que "amar serve para criar uma multidão de belos e magníficos discursos". Acredito mesmo nisto, mas também não deixa de ser menos verdade que: "A verdadeira tarefa da economia consiste em mostrar ao Homem o pouco que ele sabe acerca daquilo que pensa poder planear".
A primeira que citei é de Roland Barthes e a segunda é de Friedrich August Hayek.
Subscrevo inteiramente as duas.
Excelente. E, infelizmente (digo eu), na mouche.
Gostei.
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