
Sem ter a certeza se Burroughs estava certo quando definiu a linguagem como “a vírus from outer space”, o facto é que as palavras são sintoma. Assim, não será por acaso que os jovens deixaram de empregar o verbo namorar no presente do indicativo — eu namoro, tu namoras, ele namora, nós namoramos, vós namorais, eles namoram — preferindo transformá-lo numa forma composta com recurso ao verbo estar como auxiliar temporal: A está a namorar com B; C e D estão a namorar; E (eu) estou a namorar com F (ele, ela ou mesmo @, este último surgido “from outer space” quando o “género” se sobrepôs ao “sexo”, na minha modesta opinião sem qualquer vantagem e antes pelo contrário).
Esta negação de futuro, ou, pelo menos, a adesão a um futuro incerto (sei lá eu se amanhã ainda estou a namorar) — o que nas relações laborais ganha o nome de “precariedade” (sim, isto anda tudo ligado) — é mortal para a invenção do amor (um poema muito em voga quando eu era jovem e se namorava para a vida mesmo que tudo terminasse logo no fim-de-semana).
Se isto é verdade, ou seja, se a banalidade da incerteza amorosa substituiu a inocência juvenil e o amor romântico, prevê-se que a literatura sofra um rude golpe. Como ler essa coisa absolutamente excessiva que é O Monte dos Vendavais? Como ler o dilacerante Debaixo do Vulcão? Anna Karenina? (deixo de lado a Joaninha e o Carlos do Viagens da Minha Terra que já na minha altura eram um pouco secantes…).
“Vamo-nos dar um tempo. Estou sem disponibilidade. Preciso de me dedicar mais ao blogue…”, eis um diálogo real dos tempos actuais. Será possível escrever um romance com pérolas destas?
7 comentários:
o amor. à força de ser o pão nosso de cada dia em todas as bocas, banalizou-se, perdeu força, é uma miragem de que de falar, mas não verdadeiramente real.
«...já (quase) ninguém morre de amores»
Suponho que a ressalva «quase» se refere à Fernanda e ao Ernesto Sampaio, não?
Cf. Mário Cesariny
fallorca, pode bem ser
Ana Cristina: com sua licença, vou roubar-lho para o meu blogue dos cronópios, tem valor pedagógico acrescido...
Pois eu acho que "amar serve para criar uma multidão de belos e magníficos discursos". Acredito mesmo nisto, mas também não deixa de ser menos verdade que: "A verdadeira tarefa da economia consiste em mostrar ao Homem o pouco que ele sabe acerca daquilo que pensa poder planear".
A primeira que citei é de Roland Barthes e a segunda é de Friedrich August Hayek.
Subscrevo inteiramente as duas.
Excelente. E, infelizmente (digo eu), na mouche.
Gostei.
Enviar um comentário