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O retrato do artista enquanto saltimbanco, tão difundido ao longo do século XIX em imagens hiperbólicas e voluntariamente deformadoras, renasceu, no nosso tempo, graças aos ‘festivais de literatura’. Curiosamente, a arte literária, que tinha ficado fora do retrato, tornou-se entretanto o seu modelo de eleição. Os festivais onde o escritor se apresenta como saltimbanco têm os seus antepassados no teatro de feira, nas “fêtes foraines”, no mundo cómico e farsante das “troupes”, dos “bouffons” e dos acrobatas. Pese embora o esforço que muitos participantes fazem para disfarçar essa incómoda linhagem, ela surge com toda a evidência quando entra em ação o grande “clown” da commedia literária — misto de Pierrot e Arlequim — que se chama Eduardo Pitta. Leia-se o que este rei da irrisão involuntária escreveu no seu
blogue sobre o Festival Literário da Madeira para percebermos o que é esse mundo feérico, onde as proezas funambulescas do escritor se dissipam numa apoteose gastronómica. Quando ele chega, uma glória fácil espalha a sua luz e converte tudo em luxo, degustação e volúpia. Ou, nas palavras do artista, “gossips & drinks”. Não fosse ele poeta, não fosse a sua exuberância de clown admirada pelos seus pares como um equivalente alegórico do ato poético e aplaudida como um feito da mais genial “bouffonnerie” (é ele que fala da “versão madeirense de ‘La grande bouffe’”) e ninguém lhe perdoaria a licenciosidade com que transforma um festival literário num piquenicão para “happy few” (utilizando uma expressão que lhe é cara). A um festival, mesmo literário, não se pede ascetismo. Mas, para o seu prestígio, não convém a pantomima de um Arlequim que descreve como “grande bouffe” o que os seus anfitriões apresentam como pura substância espiritual.
Texto assinado por António Guerreiro no Expresso deste sábado a propósito de uma coisa chamada Festival Literário da Madeira
11 comentários:
O texto é a propósito do Festival Literário da Madeira? A sério? Parece-me mais um ataque pessoal; nada contra, nem a favor, mas mais vale tratar a coisa pelo nome.
é a propósito.
a sério.
não lhe parece, é um ataque pessoal a um "estilo".
a coisa, como lhe chama, é tratada pelo nome.
mas, já agora, tem alguma proposta de título alternativo? (o título é meu mas estou aberta a sugestões)
com xarrinhes alimades
A vida dos Kardashians fica subitamente tão corriqueira...
P.S.: Como você não vê televisão, Ana Cristina, talvez seja conveniente explicar que os Kardashians são uma família que ficou famosa fazendo programas televisivos sobre a sua (deles) própria vida de gente que fica famosa fazendo programas televisivos sobre a sua própria vida. Confusa? You won't be after next week's episode of... Soap. (Pelo desculpa, não resisti; a minha costela infantil é demasiado forte.)
Antes de mais, muito obrigado pelos esclarecimentos. Apenas 3 observações: (1) a expressão 'coisa' não se referia a Eduardo Pitta: leia-se 'assunto'; (2) a Ana Cristina Leonardo escreveu que o texto era a propósito de uma coisa chamada Festival Literário da Madeira, mas não me pareceu, só isso; (3) quanto ao título, sei que é seu, e até achei piada às 'favas acaralhadas'.
«...achei piada às 'favas acaralhadas'...»
Carlos Azevedo, então se as provasse, não ficaria só pela piada
fallorca, favas com chouriço era a especialidade da minha avó paterna, duriense de gema, infelizmente, já falecida -- por sinal, e não a despropósito, uma mulher de tomates.
Abençoada Senhora, que os legou ao neto :)
Ó Ana Cristina, mas é impressão minha ou o «Da Literatura» até costumava constar das suas ligações neste blogue?
Adalberto Silva
Adalberto: ... e?
A tonelada de estrangeirismos do texto lembram-me Kraus: são cancro na escrita.
E claro que é gossip e má língua ( a mesma de que o autor se queixa, é o habitual).
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