17/04/11

Daqui ninguém sai vivo

1. “Vai ali um português existencial”, diz o meu amigo poeta. E o português existencial de facto lá vai, gabardina, chapéu-de-chuva e uma prótese de jornais cujo peso lhe acentua a silhueta alquebrada. Dirige-se ao bar da esquina – homens feios, senectas balzaquianas e alguns turistas. Discute-se a queda do governo, o FMI e a dimensão pós-ontológica do PS do Sócrates. Ao fim de três cervejas, o português existencial garante que “isto era preciso era outra revolução!” e dispara uma palmada enérgica sobre a coxa da loura oxigenada sentada ao lado dele.

2. D. Fernanda, cozinheira de profissão, arrenda, há 20 anos, um restaurante em Arroios. É casada com o Sr. Fernando, ex-empregado de mesa. Todos os dias saem de casa às seis e meia excepto ao domingo, dia que reservam para a ida ao hiper-mercado invariavelmente coroada por “uma bica bem quentinha e um pastelinho de nata chávena escaldada faz favor”. Nunca foram ao estrangeiro e há mais de um ano que não descem ao Rossio. A filha, enfermeira, ofereceu-lhes um “Magalhães”. E se o pai continuou a preferir a Sport TV, a mãe ficou expert em junk mail e passatempos online.

3. Paulo vai pôr o dinheiro na Suíça: “A mim não me apanham eles.” Toma um whisky com muito gelo porque a idade já não perdoa. Chegou há pouco do ginásio e a balança brindou-o com menos 80 gramas. “Na Suíça!”, insiste entre dois tragos. Fai, a mulher, olha para a ponte Vasco da Gama alumiada e deixa-se ficar sonhadoramente com um palito de azeitona entre os dentes. Pensa num forcado de Alcochete que conheceu a caminho do Freeport.

4. "Quando sais à noite, se é para o engate o segredo está nos boxers largos”, diz a miúda a descer a rua, ainda a noite é uma criança. “Tu achas?”, pergunta um dos rapazes do grupo. “Tenho a certeza!”, reafirma com fé inabalável e passo trôpego. “Claro!”, concorda uma segunda. “No nosso caso é diferente. Lingerie mínima a condizer.” “E a Tânia que vinha com um fio dental preto e um soutien cor-de-rosa…” “Que nojo!”, diz o segundo rapaz, até então calado.

5 comentários:

Luís disse...

Um abraço, Ana Cristina.

jotaeme disse...

OLá, boa tarde! Uma crónica bem á portuguesa! No meio das dificuldades, conseguimos sempre sorrir ao jeito e modo como o "portuga" reflecte! A combater mais uma crise!
Voltarei!
Jorge madureira

Táxi Pluvioso disse...

Ora, ora, o povo gosta, há 36 anos que vota pela bancarrota, e finalmente está quase a conseguir, faltam apenas 2 ou 3 anos para a crise chegar. boa semana

James disse...

Excelente Ana Cristina !
Seja realidade, «inspirada em factos reais» ou pura ficção.
A sério, não quero saber.

Parabéns.

:-)

F disse...

http://www.youtube.com/watch?v=hhlFE0PxsYM