16/11/10

A book a day keeps a doctor away: "Jan Karski", Yannick Haenel

Jan Karski (1914-2000), pseudónimo de Jan Kozielewski e livro homónimo de Yannick Haenel, foi um resistente polaco católico, testemunha do Holocausto junto dos governos inglês e americano, após visitar clandestinamente o gueto de Varsóvia e um campo de concentração onde conseguiu penetrar disfarçado de guarda ucraniano.
O livro de Yannick Haenel está dividido em três partes. A primeira retoma o filme/documentário de Claude Lanzmann sobre o extermínio dos judeus na Europa, Shoah, e as declarações nele feitas por Jan Karski. A segunda coteja Story of a Secret State, escrito pelo próprio Karski e editado em 1944 nos EUA. A terceira resulta tão-só da imaginação de Haenel e descreve-nos um homem envelhecido e deprimido, em luta com a memória.
A obra foi publicada em França o ano passado, ganhou o Interallié (prémio criado por um grupo de jornalistas — homens — que aguardavam entediados num restaurante o resultado do Femina) e viu-se enredada em acesa polémica. Em causa, grosso modo, os limites da ficção e as relações entre história e literatura.
Lanzmann, polemista à moda antiga, saiu a terreiro e acusou Haenel de plágio, de mediocridade literária e falta de perspectiva histórica. O escritor respondeu dizendo que o pretenso plágio era, na verdade, prova da sua admiração pelo trabalho do realizador, que este tinha uma visão “positivista” das relações entre ficção e história e que a investigação que levara a cabo alicerçava suficientemente o seu retrato do polaco. A discussão poderá parecer demasiado francesa mas levanta questões importantes.
Lido Jan Karski, três aspectos a registar. 1: a imagem de alguém obcecado pela “questão judaica”; 2: a imagem de uma Polónia abandonada por todos e injustamente acusada de anti-semitismo; 3: a ideia que os judeus podiam ter sido salvos, e só não o foram devido à total indiferença dos Aliados.
Esta última tese — porque de uma tese se trata — é o cimento com o qual Haenel constrói o livro.
Pondo por ora de lado a questão da qualidade literária, alguns senãos se levantam.
Se é um facto que Karski ficou para a história como o católico que, tendo observado ao vivo a “Solução Final”, tudo fez para a denunciar junto dos Aliados (dando literalmente voz ao apelo desesperado que lhe havia sido transmitido pelos judeus de Varsóvia), não é menos certo que ele é, acima de tudo, uma testemunha do colapso do seu próprio país, no qual as forças nazis arrasaram as elites e escravizaram brutalmente as populações.
Em segundo lugar, se, enquanto membro da resistência polaca, Karski só pode atestar a luta contra o ocupante naquele que era, então, território repartido entre a Alemanha e a URSS, não é menos verdade que o anti-semitismo polaco tem uma longa tradição, tendo-se mesmo registado vários pogroms a seguir ao final da guerra, de que o mais tristemente célebre foi o de Kielce, a 4 de Julho de 1946, durante o qual foram mortos cerca de 40 judeus.
E é sobre o último ponto — a salvação dos judeus — que a polémica mais se assanha. Lanzmann, como muitos, defende que, uma vez a guerra iniciada, tal se tornara impossível. Haenel advoga em sua defesa declarações do próprio Karski, em que este diz que os governos aliados haviam abandonado os judeus à sua sorte. Infere-se daí que os Aliados foram cúmplices?
O livro de Yannick Haenel quer-nos fazer crer que sim. Assim sendo, porém, torna-se incompreensível que o escritor venha içar a bandeira do “direito à ficção” em resposta aos críticos, já que o seu tema não é ficcional, é político. Nisto, aliás, reside a sua maior fragilidade, descontada a opção fácil da divisão em três partes.
Não é, pois, por abordar o tema do Holocausto (que seria tabu) de forma supostamente herética que Jan Karski falha (aliás, o Holocausto nunca foi tema tabu, apenas tema difícil: como pode a ficção falar do que a ultrapassa?). Falha porque ao querer encaixar a todo o custo a figura do resistente polaco na sua visão da “Solução Final” como fruto de uma cumplicidade tácita entre Hitler, Roosevelt e Churchill, Haenel cai na armadilha ideológica.
Não será por acaso, pois, que a primeira parte da obra, expurgada desse peso, e dando voz ao próprio Karski (via Lanzmann), seja a mais conseguida. Eis-nos, por momentos, face a um homem que suporta os seus abismos sem rede. A grande arte é disso que trata. O resto não é literatura.
Jan Karski, Yannick Haenel, Teorema, 2010, trad. de Carlos Correia Monteiro de Oliveira, 164 páginas

4 comentários:

lili disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
lili disse...

Num livro que li, cujo título era somente ''Holocausto, 1936-1945, e foi o mais completo que li até hoje, editado em Portugal em 1968, trouxe-o da biblioteca de V.F. Xira, onde moro, o Verão passado, alguns judeus polacos do Guetto de Varsóvia diziam: Os Alemães eram maus, os polacos eram muito maus, mas os piores eram os ucranianos, soldados às ordens dos nazis e povo que nunca tinha gostado dos polacos.
Neste livro a vida no guetto é transcrita dum modo perfeito, a sua economia, como foi estabelecido um orfanato, e como o seu fundador um professor mundialmente conhecido recusou abandonar as suas crianças e foi com elas no mesmo comboio, várias instituições culturais, uma prova que os nazis não destruiam a moral aos judeus, a não ser com as levas de comboios que os levavam aos milhares apertados nos vagões do comboios, sem ar para respirar, para matarem logo alguns pelo caminho. E mesmo assim ainda havia esperança no campo de concentração Ainda houve quem tenha saído de lá vivo. Foi um mundo terrível.

lili disse...

Foram todos culpados, sobretudo os americanos que apertaram as quotas de emigração.
Quanto a Churchill, não sei muito bem o que tem ele a ver com isto.

Li, nesse livro que citei atrás, que no fim conferência um dos representantes disse que se estavam a preparar para mandar eliminar 6 milhões de judeus da face da terra premonitório, o senhor e lá tinha as suas razões, Hitler nunca enganou Churchill as well

lili disse...

http://pt.wikilingue.com/es/Livro_Branco_de_1939