04/10/10

A book a day keeps the doctor away: "Billy Budd", Melville

Apesar de tudo o que separa a cientificidade de disciplinas como a física do “je ne sais quoi” que faz a literatura, seria útil que não se queimassem etapas. Assim: tal como se mostra impensável saltar de Galileu para Einstein sem passar por Newton, faríamos bem em não esquecer Melville quando damos, por exemplo, com Brandão (a propósito, ainda se lê Raul Brandão? A pergunta é retórica).
Dito isto. Não sei se ainda se lê Melville.
Quanto a Billy Budd, agora reeditado numa tradução de José Sasportes que recua a 1963, o texto só ficaria acessível 33 anos após a morte do autor de Moby-Dick, descoberto por acaso entre os seus papéis. Novela de aventuras náuticas (claro), carregada de nuvens que anunciam tempestade, é um daqueles livros que permitem as mais diversas interpretações, da cristã à queer, sem que isso o belisque minimamente.
Billy Budd encena uma tragédia e o marinheiro homónimo do título será o cordeiro do sacrifício. Exemplo do eterno confronto entre o Bem e o Mal, Melville descreve-nos um herói sem mácula — belo, corajoso e puro — que, ao ser forçado a trocar a vida livre de marinheiro pela de tripulante de um navio de guerra, despertará invejas e ódios que lhe custarão a vida. Porque Billy, personagem da família dos deuses, exibe um defeito aparentado ao de Aquiles; no caso dele, a gaguez, o que se traduzirá pela ausência de eloquência no momento decisivo.
Na sua inocência, o “marinheiro ideal” será incapaz de ler os avisos de perigo, restando-lhe cumprir o destino. Ao invés de Claggart, seu rival demoníaco, Billy não domina a retórica. Perante a falsidade das acusações que pesam sobre si sobrar-lhe-á o gesto irreflectido que o conduz a tribunal, com o capitão do navio, que o admira, a ter de escolher entre a justiça e a lei. Em resumo: a grande literatura a falar do que verdadeiramente interessa.
Billy Budd, Herman Melville, Biblioteca editores Independentes, 2010, trad. José Sasportes

1 comentário:

Anónimo disse...

oRA BoLaS:


AtÃO o Querelle, O de Brest???


é que o Genet não faz 100 ânus este Dezembro? Brincamus ou Quê?...