Antes do aparecimento dos navios a vapor, quem se passeasse ao longo das docas de qualquer porto de considerável importância sentiria, com mais frequência do que hoje, a sua atenção desperta por um grupo de marinheiros bronzeados, da marinha de guerra ou mercante, a gozarem em terra a sua licença. Algumas vezes vê-los-ia reunidos à volta de uma figura superlativa, embora da mesma patente, caminhando juntos com Aldebarã entre as estrelas de menos intensidade da sua constelação. Este astro de primeira grandeza era o «Marinheiro Ideal» dos tempos menos prosaicos das marinhas mercante e militar. Não havia nele qualquer ostentação e aceitava essa homenagem espontânea dos seus camaradas com a simplicidade de quem vê reconhecido um direito natural. Lembro-me de um caso particularmente interessante. Há já uns cinquenta anos, vi em Liverpool à sombra do grande paredão imundo de Prince's Dock (há muito deitado abaixo), um simples marinheiro, tão negro que devia ser um nativo africano de puro sangue hamita. Era uma figura bem proporcionada, com uma estatura acima da média. Bailavam sobre o seu peito de ébano as duas pontas de um lenço de seda garrida que tinha amarrado ao pescoço; das orelhas pendiam duas grandes argolas de oiro e a sua cabeça harmoniosa era coroada por um barrete escocês.
(...)
Billy Budd, Herman Melville, Livros dos Brasil, Colecção Miniatura, tradução de José Estêvão Sasportes e capa de Infante do Carmo (2,20 euros numa das minhas livrarias preferidas, a Galileu de Cascais)
12 comentários:
Ela bem dizia que «o começo de um livro é precioso», escreveu Maria Gabriela Llansol
O que me espanta nesse excerto, cara Ana Cristina Leonardo, é a qualidade da tradução.
Fallorca, um começo é um começo, caramba!
Luís, outros marinheiros e outros tradutores?
Então, não se construíam submarinos com ar condicionado e nem se negociavam em contrapartidas!
Por contraponto escreviam-se entradas triunfais, não que hoje se não escrevam, mas mais difícil que sejam lidas, e este é um problema mor da nossa bandeira que anda tão assoberbada com faraónicos bailarinos...
Oh Ana Cristina, desculpar-me-ás contradizer-te mas ainda esta manhã vi uma referência encomiástica ao começo de um livro de um rapazito de quem não gosto nada, mas que é muito reconhecido na praça de algumas letras: «A mãe pousou o livro nas mãos do filho.» :-)
Agora, a sério, essas capas são fantásticas e os começos também. abraço e bom "uikend"
cheirou-me a peixotice. fui confirmar. em cheio! há embirrações que nunca nos atraiçoam
"há embirrações que nunca nos atraiçoam" felizmente :-)
Gostei, sim senhor.
Aliás, o Melville tem um dos meus começos favoritos: o início do Moby Dick. Pode ser uma banalidade dizer isto, mas é um grande começo.
Ana,
É da minha vista ou aquela vírgula antes de "sentiria", logo na segunda linha, é uma argolada das grandes?
E, já agora, de onde veio a fraca
"Não havia nele qualquer ostentação e aceitava essa homenagem espontânea dos seus camaradas com a simplicidade de quem vê reconhecido um direito natural."
O que foi feito da "natural regality" e do "trace of the vainglorious"?
luís, olho de revisor lince para a vírgula - já vou tirar mesmo sem cotejar com o livro
quanto ao resto, teria que ir abrir o link e agora não tenho tempo; mas tb. te digo que nem sempre o litearl é que é bom
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