A Relógio D’Água presenteou-nos o ano passado com o primeiro título de Arto Paasilinna em português, A Lebre de Vatanen, belíssimo romance burlesco de fundo ecológico que fez merecidamente a fama do seu autor que o escreveu no já longínquo ano de 1975.
Como prometido na altura, a editora reincidiu (publicou depois Um Aprazível Suicídio em Grupo), contando-se agora em três títulos os romances disponíveis entre nós assinados por este escritor nascido na Lapónia em 1942 e que, antes de se ter consagrado às letras, foi lenhador, operário agrícola e jornalista.
As Dez Mulheres do Industrial Rauno Rämekorpi confronta-nos com o périplo delirante do protagonista homónimo, um self-made man que acaba de fazer 60 anos e não sabe como desfazer-se da quantidade imensa de flores com que amigos e conhecidos lhe encheram a casa. Obrigado a ver-se livre delas por causa da alergia da mulher, Annikki, Rauno inicia uma viagem algo nostálgica na companhia de Seppo Sorjonen, motorista de táxi expedito e cúmplice, revisitando (sobretudo) antigas amantes a quem oferece os ramalhetes indesejados.
Os vários capítulos vão tomando os nomes dessas mulheres reencontradas, enquanto Annikki desaparece em parte incerta, adensando-se o insólito e o burlesco à medida que se somam as conquistas do velho sedutor, até que depois, passado mais do meio do livro, a coisa muda de figura.
O romance confronta-nos com a fantasia pícara e acelerada de Arto Paasilinna e com o seu humor que parece alicerçado no simples bom senso (apesar de, paradoxalmente, As Dez Mulheres do Industrial Rauno Rämekorpi transbordar de nonsense), com a sua escrita simples e precisa, e com os seus divertidos retratos femininos: da operária que tem na estante As Obras Completas de Lenine à intelectual perseguida pelo ex-marido, entretanto promovida a responsável do Museu Nacional…, que servem de contraponto ao do industrial fogoso mas ingénuo.
A tudo isto se acrescenta, para prazer do leitor português, a viagem à longínqua Finlândia, com as suas diferentes idiossincrasias e manias, algumas absolutamente identificáveis, outras tão distantes como a geografia: da política e da culinária locais ao tratamento por tu entre as personagens, da visão desprendida do sexo ao desprendido à-vontade entre os dois sexos. Se nunca foi à Finlândia, leia. Se já foi, leia também. Só a imagem do conselheiro para a indústria Rauno Rämekorpi, nu, aspirando alegremente a casa de uma ex-amante vale o livro.
As Dez Mulheres do Industrial Rauno Rämekorpi, Arto Paasilinna, Relógio D’Água, 2010
16/05/10
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