30/11/09

Quando a inteligência (radical) dos outros nos reconcilia com o mundo logo pela manhã

«Já não leio livros. Mas continuo a gostar de livrarias. Ontem vi um livro, compilado por Desidério Murcho, sobre o Sentido da Vida. O livro tem 208 páginas. Poucas, para explicar o sentido da vida. Demasiadas, para mim. Há cem anos, no poema V do Guardador de Rebanhos, Caeiro arrumou a cousa em dois versos. “O único sentido íntimo das cousas é elas não terem sentido íntimo nenhum.” Das mais belas páginas de Dawkins em River out of Eden, bem longe do proselitismo ateu da Ilusão de Deus, são sobre o significado oculto das coisas. Este fim de semana li uma reportagem no Público sobre os lobos de Leomil. Se a vida dos lobos dependesse de um referendo aos habitantes de Leomil, mais de 80% viraria o polegar para baixo. O significado da vida dos lobos de Leomil passa agora pelas eólicas. Os de Leomil odeiam os lobos. São poucos os que alguma vez o avistaram mas, se os ouvirem falar, surpreender-se-ão com o súbito amor que estes simples têm pelas vítimas dos lobos. Uma égua, duas ovelhas, uma pastorinha. Excitados contra os predadores nada demove a sua ferocidade. Eles defendem o extermínio dos lobos, dos biólogos, dos ecologistas e da gente dos parques nacionais. Os mais condescendentes aceitariam a vida dos lobos, desde que confinada a um campo de detenção. Mas comovem-se com as pás das eólicas varrendo o horizonte. Não sei se o livro dos filósofos que Murcho reuniu, atentou na vida dos lobos, na vida dos camponeses de Leomil, na vida dos jornalistas, na minha vida de ex-leitor. Mas, sem uma crença que me tivesse bafejado, escapa-me o sentido da vida do lobo, da ovelha, dos seres abatidos à conta do nosso insaciável apetite. Ainda entendo, vá lá, o sentido da vida dos negociantes das eólicas. E em tempos pareceu-me entender o vento assobiando nas cumeadas.»

Roubado ao A Natureza do Mal, um blog que estaria no topo da minha lista se eu fosse dada a listas

29/11/09

Ó caraças com esta do governo electrónico é que me deixaram quêó

Desculpem lá a minha ignorância, mas será que alguém me consegue explicar o que raio quererá dizer somos o primeiro país dos 27, em toda a Europa em matéria de Governo Electrónico?*
*... e a propósito de electrónica... estive aqui há uns dias no Skype a falar com uma amiga a estudar em Inglaterra. A Universidade fica na Cornualha e as paisagens são deslumbrantes. Quanto à electrónica do sítio parece que é bastante banal. No meio da conversa, contou-me uma coisa que a tinha deixado mesmo de boca aberta. Uma das suas colegas sofre de reumatismo nas mãos. Quando está pior, um serviço de voluntariado da Universidade assegura-lhe que alguém vai a casa dela ajudá-la a transportar as tralhas. Nos dias em que as dores apertam, o voluntário fica sentado nas aulas a tirar apontamentos...
Modernices! rematou a minha amiga.
E eu: of course.

26/11/09

E o Formitrol, esqueceram-se do Formitrol?

O senhor está constipado
e ficou mal de repente
porque não teve cuidado
porque foi imprevidente.
Para o mal cujo motivo
está na chuva, frio ou sol
qual o melhor preventivo?
Formitrol, Formitrol, Formitrol!

Com música aqui.

24/11/09

É demasiada informação

A gripe A que nos ameaça com os seus batalhões de vacinas mais as tribos dos antivacinas. As escutas relevantes que nos ocuparam semanas e que foram prá sucata. A Europa dos eurocratas. Primeiro pelo referendo. Depois pela sua repetição. A carne de borrego, coelho e aves que não se pode picar nos talhos (as coisas que uma pessoa aprende ao ir ao supermercado fazer compras para um empadão…). Os oponentes ao casamento gay e os preponentes do mesmo (uma pessoa ouve-os falar e fica naquela do celibato prá vida…). A Apple em paranóia antifumo. O caso de Rom Houben, durante 23 anos considerado em coma e que afinal sentia, via e ouvia absolutamente tudo. O Quinta do Côtto que agora tem rolha de plástico. O semanário Sol salvo pelos angolanos. O reformado octogenário morto por 150 euros. O calendário Maia que acaba em 2012...
Go, go, go, said the bird: human kind//
Cannot bear very much reality

19/11/09

Tudo isto é uma enorme maçada, como diria o Dr. Mário Soares

Supondo, por mera hipótese de raciocínio, serem verdadeiros os vários factos que, segundo o semanário Sol, envolvem José Sócrates, as consequências de tal situação estão à vista: o Governo, o Estado e as instituições ficariam a tal ponto descredibilizados que a solução seria, pura e simplesmente, a demissão do primeiro-ministro pela prática reiterada de batotas várias, de todo incompatíveis com a lei e com a ética, com a dignidade do seu cargo e com o interesse nacional.
É evidente que toda a gente, incluindo os titulares de altos cargos políticos, tem direito à sua privacidade. E também é evidente ter havido uma grave violação (apenas mais uma…) do segredo de justiça.
Os apaniguados de Sócrates desmultiplicaram-se, numa operação mediática sem precedentes, a invocar razões puramente jurídicas em tudo quanto é sítio, procurando desviar as atenções do problema político e da sua real dimensão.
Mas o problema tornou-se escandalosamente político. E tornou-se também uma questão de decência. As coisas são o que são e são assim mesmo.
O presidente do Supremo Tribunal de Justiça e o procurador-geral da República viram-se metidos num verdadeiro imbróglio. Trata-se de dois altos magistrados, cuja idoneidade, rigor, competência e experiência são absolutamente indiscutíveis.
Por muitas explicações que sejam dadas agora quanto ao calendário das remessas e da apreciação das certidões, foi nítido o embaraço decorrente da situação, aliás protelado ao longo de vários dias e artificialmente pontuado por reenvios de competências que deixaram toda a gente perplexa. Ora nada disto terá decorrido da evidente inocuidade dos conteúdos das certidões enviadas. Se fossem inócuos tais conteúdos, qualquer deles poderia ter vindo logo a público dizer isso mesmo, dissipar dúvidas com a sua palavra autorizada e acalmar a opinião pública. Ninguém discutiria então a aplicação da lei.
Mas agora, mandadas destruir as certidões (e quem sabe se algum jornal tem cópia delas...), pode sempre pairar a suspeita de que esses conteúdos não eram afinal tão inócuos quanto isso e apontavam para qualquer coisa de política e juridicamente tão desconfortável que só um procedimento meramente formal conseguiu travar outros desenvolvimentos. No plano político, isso é desastroso e vira-se contra José Sócrates.
E afinal quem é que mandou fazer as escutas e analisou o resultado desses procedimentos. Terão sido políticos da oposição? Jornalistas de tablóides? Paparazzi desempregados? Jovens e ineptos utilizadores do Magalhães?
A resposta é confrangedoramente simples: foram magistrados portugueses, o procurador-coordenador do DIAP de Aveiro e o juiz de instrução criminal, no exercício das respectivas funções, quem sustentou existirem indícios da prática de um crime de atentado ao Estado de direito. Tratar-se-ia de puros incompetentes? De estagiários sem saber nem experiência? De loucos furiosos de justicialismo ultra-esquerdista a dispararem contra revoadas de mosquitos na outra banda? Ou antes de gente que achou ser de tal gravidade a matéria de que lhe chegavam indícios que entendeu do seu dever não agir de outra maneira?
Fosse como fosse, independentemente de apreciações formais, os factos que, pelo processo ínvio e lamentável da violação do segredo de justiça, vieram a público, adquiriram a maior relevância política e não há argumentação jurídica, por muito fundamentada que seja, que possa dissipar o seu efeito negativo.
O que é que faz com que José Sócrates e o seu naipe de ventríloquos e demais criaturas de serviço finjam não perceber o que se passa? Não há "salto à vara" que lhes permita passar airosamente por cima da situação criada, sem um esclarecimento muito sério que, dadas as circunstâncias, devia ser um imperativo político para o primeiro-ministro.
O mais deprimente é a sensação generalizada com que se fica de que Portugal está a caminho de se transformar numa república em que as bananas crescem num lodaçal. É nesses lugares que os valores se evaporam, as leis são impunemente violadas, tudo se degrada, todos os responsáveis são cúmplices e nada nem ninguém consegue evitar isso.
Mas é muitíssimo bem feito. Elegeram essa gente? Pois têm o que merecem… Assoem-se lá a esse guardanapo. Besuntem-se com o resultado. Amanhã ainda vai ser pior...

16/11/09

Treblinka*


* Porque acabo de ler Sou o Último Judeu - Treblinka (1942-1943), Chil Rajchman, Teorema, 2009. E como do campo de extermínio de Treblinka não sobrou nada, existindo mesmo uns celerados que negam que alguma vez tenha existido, assinalo esta entrevista com o SS Franz Suchomel, feita por Claude Lanzmann, com o horror explicado ao pormenor. Aqui, aqui, aqui,aqui, aqui, aqui e aqui.

14/11/09

Aos amigos

Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
— Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De paixão.
Herberto Helder

07/11/09

Vantagens de um governo minoritário (II): agora pelo menos já não falam de campanhas negras e ficam tão-só repetitivos e tristonhos

«Concerteza que telefonei ao dr. Armando Vara porque é meu amigo e meu camarada. Como sabem este processo entristece-me pelo facto de envolver um amigo meu há tantos anos (...) Tenho uma relação de há muitos anos com o dr. Armando Vara. Fiz com ele uma carreira política. Por isso este processo é para mim triste».
Lido aqui.

06/11/09

Champagne taste e o resto é conversa



Do you want to take me cruising on an ocean liner to places I looooooong to see...
Well, with my champagne taste and your beer bottle pockets, don't forget to write me when you get there in your row-boat when you've paddled across the sea without me.
Do you see us dining on caviar and pheasant with decedents of royalty.
Well with my champagne taste and your beer bottle pockets, I'll be having pheasant while you're dining with the peasants dunking donuts in a diner without me.
You said you have ambition to make my dream come true, well brother you just keep right on wishing and all of my dreams will come true... without you.
Do you see me in a Jaguar with all the accessories and one of those accessories is YOU? Well with my champagne taste and your beer bottle pockets, take back your Jaguar accessories etcetera and drive back to your dreamland without me.
And if I wanted diamonds you'd offer me breakfast at tiffanies and luncheons at Cartier's you'd recommend. Well with my champagne taste and your beer bottle pockets you will have to work-on something better than a zircon because your diamonds is this girl's worst friend.
You said you'd promise me anything to make my life a feasssssssst. You didn't give me anything, not even Arpege you beast!
And it wouldn't surprise me if a lady like Godiva had someone like you to give her the stole.
For with her champagne taste and your beer bottle pocket when she couldn't get those dresses she just let down all her tresses and forgot she was a lady after all.
So if you want me to become apart of your permanent employ, before my champagne fizzles come up with the real McCoy. Show me you can separate the MAN from the BOY and bring me a constant life of champagne taste.

05/11/09

04/11/09

03/11/09

Nada de novo no reino de Portugal e dos Algarves

«Este mundo é um vasto naufrágio. Salve-se quem puder» (Voltaire, carta a Cideville, 28 de Janeiro de 1754)
Lido em A Aventura da Memória e Outros Contos, Voltaire, 2009, Estrofes & Versos