(...) «Toda a gente já leu sobre como foi difícil para vocês, veteranos do Vietname, a transição para a vida civil. Estavam tão bem nos campos de prisioneiros, a supervisionar a tortura de um ou outro camponês.»
«É melhor ir com calma», disse ele.
«E de repente vêem-se de volta à América e andam por aqui, desconcertados. Não admira que conservem o mesmo sorriso. Eu sei, os camponeses eram perigosos. O inimigo estava por todo o lado.»
«Está a sair dos seus domínios.»
«É verdade», disse ela. «É uma insolência da nossa parte, os não combatentes, criticarmos Os Que Estiveram Lá. Eu compreendo esse ponto de vista e até simpatizo com ele. Ainda assim, sempre senti que a melhor forma de ver as coisas é objectivamente e, às vezes, a distância permite-nos uma visão mais clara e precisa. Uma distância de milhares de quilómetros. Os sofrimentos testemunhados em ambos os lados do conflito podem não passar de uma mentira. Mas você tem razão, em termos gerais. No meu ridículo esforço para ser imparcial, consigo compreender o seu ponto de vista. E, sim, admito que estou fora dos meus domínios. Por isso, voltemos atrás. Falemos antes de coisas que vi e ouvi.»
O táxi seguia agora para o centro da cidade pelo lado oeste do parque.
«Você e o senador andam atrás do mesmo. Eu sei do que se trata, embora não possa dizer que compreenda plenamente que interesse vêem naquilo. Mas não importa. O que importa é que um homem foi morto à conta disso.»
«E acha que isso é importante.»
«Acho que merece ser tido em consideração.»
«A mim não me parece que seja importante.»
Mudger estava inclinado para ela, coarctando-lhe um pouco o espaço, com o seu braço esquerdo estendido sobre o topo do banco.
«Está a aprender a falar comigo?», perguntou ela.
«Como?»
«Disse que não sabia falar comigo. Que por isso é que aqui estava.»
«Estou a aprender alguma coisa. Não sei bem o quê. Acha então que é importante. Um homem foi morto. E há dez anos, também achava que foi importante? No tempo do seu perito em demolições?»
«Está a par disso. Claro.»
«Claro que estou. O grande Gary Penner, já falecido. E ali andava você, muito magra e perdida, no seu casaco com dragonas. Quantas pessoas é que o Gary mandou pelos ares, nas suas aventuras? Você devia saber. Vivendo com ele. Tendo vivido com ele. Meia dúzia de seguranças. Alguns transeuntes. Um braço aqui, uma perna acolá.»
Moll olhou pela janela.
«Você não interveio directamente. Assistir da bancada já era suficientemente divertido. Mas entretanto amadureceu, não é verdade? O terror já não é tão excitante como outrora. Sabemos demasiado. Vimos coisas. Agora dedicamo-nos à jardinagem biológica.»
«Acha mesmo que amadureci?»
«Um pouco», disse ele. «Em certa medida. O suficiente para estabelecer limites.»
(...)
Cão em Fuga, Don DeLillo, Relógio D’ Água, 2009, trad. de José Miguel Silva
«É melhor ir com calma», disse ele.
«E de repente vêem-se de volta à América e andam por aqui, desconcertados. Não admira que conservem o mesmo sorriso. Eu sei, os camponeses eram perigosos. O inimigo estava por todo o lado.»
«Está a sair dos seus domínios.»
«É verdade», disse ela. «É uma insolência da nossa parte, os não combatentes, criticarmos Os Que Estiveram Lá. Eu compreendo esse ponto de vista e até simpatizo com ele. Ainda assim, sempre senti que a melhor forma de ver as coisas é objectivamente e, às vezes, a distância permite-nos uma visão mais clara e precisa. Uma distância de milhares de quilómetros. Os sofrimentos testemunhados em ambos os lados do conflito podem não passar de uma mentira. Mas você tem razão, em termos gerais. No meu ridículo esforço para ser imparcial, consigo compreender o seu ponto de vista. E, sim, admito que estou fora dos meus domínios. Por isso, voltemos atrás. Falemos antes de coisas que vi e ouvi.»
O táxi seguia agora para o centro da cidade pelo lado oeste do parque.
«Você e o senador andam atrás do mesmo. Eu sei do que se trata, embora não possa dizer que compreenda plenamente que interesse vêem naquilo. Mas não importa. O que importa é que um homem foi morto à conta disso.»
«E acha que isso é importante.»
«Acho que merece ser tido em consideração.»
«A mim não me parece que seja importante.»
Mudger estava inclinado para ela, coarctando-lhe um pouco o espaço, com o seu braço esquerdo estendido sobre o topo do banco.
«Está a aprender a falar comigo?», perguntou ela.
«Como?»
«Disse que não sabia falar comigo. Que por isso é que aqui estava.»
«Estou a aprender alguma coisa. Não sei bem o quê. Acha então que é importante. Um homem foi morto. E há dez anos, também achava que foi importante? No tempo do seu perito em demolições?»
«Está a par disso. Claro.»
«Claro que estou. O grande Gary Penner, já falecido. E ali andava você, muito magra e perdida, no seu casaco com dragonas. Quantas pessoas é que o Gary mandou pelos ares, nas suas aventuras? Você devia saber. Vivendo com ele. Tendo vivido com ele. Meia dúzia de seguranças. Alguns transeuntes. Um braço aqui, uma perna acolá.»
Moll olhou pela janela.
«Você não interveio directamente. Assistir da bancada já era suficientemente divertido. Mas entretanto amadureceu, não é verdade? O terror já não é tão excitante como outrora. Sabemos demasiado. Vimos coisas. Agora dedicamo-nos à jardinagem biológica.»
«Acha mesmo que amadureci?»
«Um pouco», disse ele. «Em certa medida. O suficiente para estabelecer limites.»
(...)
Cão em Fuga, Don DeLillo, Relógio D’ Água, 2009, trad. de José Miguel Silva
3 comentários:
Brilhante! Lá vou ter que seguir mais uma sugestão sua :))
É um belíssimo DeLillo cujo pretexto narrativo reside num suposto filme porno realizado no bunker de hitler. mas isso é apenas o pretexto...
Depois de me aguçares o apetite aqui, e nunca pelas bolas de berlim servidas neste estabelecimento, prossigo; ontem tive o azar de te ler «actual»izada e já percebi que tenho de abrir os cordões ao cartão.
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