Já faltou mais. Afinal, já passaram 35 anos desde o 25 de Abril. O que me recorda que também já passaram 35 anos desde que passei uma tarde, adolescente precoce e feita parva (mas muito, muito mais nova...), num café do Estoril aguardando instruções sobre o que fazer, como diria Lenine.
Quem não foi na conversa que o golpe podia ser do Kaúlza foi o meu pai que zarpou cedo para Lisboa de onde apenas regressou haviam passado dois dias, descalço e afónico. Perdera os chinelos de praia que levara calçados com a pressa algures para lá no Chiado e a voz fora-se-lhe de tanto cantar o Grândola.
Lá em casa tinha sido assim:
Bem cedo, a minha mãe levantou-se e ligou como sempre a rádio. Pediam calma aos ouvintes e davam-lhes música. Cheirou-lhe a esturro e não era das torradas. Decidiu chamar o marido: "Vem ouvir! Aconteceu qualquer coisa!"
Este, precipitando-se, de ouvido e coração colados às notícias, terá concluído rápido que a coisa estava do lado dele: o gosto musical coincidia. E enquanto isto eu dormitava ainda, embalada pelas interjeições que chegavam da cozinha.
Despertei para o novo mundo com o barulho da minha mãe na escada, por onde corria atrás do meu pai que, sem poder conter-se mais, galgava ao terceiro andar a avisar o vizinho dos seguros, companheiro de esperançosas tertúlias.
"As calças do pijama! As calças do pijama!" – gritava ela, evitando assim o escândalo de um homem nu pelo prédio, mesmo que só abaixo da linha da cintura.
Quem não foi na conversa que o golpe podia ser do Kaúlza foi o meu pai que zarpou cedo para Lisboa de onde apenas regressou haviam passado dois dias, descalço e afónico. Perdera os chinelos de praia que levara calçados com a pressa algures para lá no Chiado e a voz fora-se-lhe de tanto cantar o Grândola.
Lá em casa tinha sido assim:
Bem cedo, a minha mãe levantou-se e ligou como sempre a rádio. Pediam calma aos ouvintes e davam-lhes música. Cheirou-lhe a esturro e não era das torradas. Decidiu chamar o marido: "Vem ouvir! Aconteceu qualquer coisa!"
Este, precipitando-se, de ouvido e coração colados às notícias, terá concluído rápido que a coisa estava do lado dele: o gosto musical coincidia. E enquanto isto eu dormitava ainda, embalada pelas interjeições que chegavam da cozinha.
Despertei para o novo mundo com o barulho da minha mãe na escada, por onde corria atrás do meu pai que, sem poder conter-se mais, galgava ao terceiro andar a avisar o vizinho dos seguros, companheiro de esperançosas tertúlias.
"As calças do pijama! As calças do pijama!" – gritava ela, evitando assim o escândalo de um homem nu pelo prédio, mesmo que só abaixo da linha da cintura.
E salvando-se naquele momento o pudor, os chinelos de praia, esses, nunca mais apareceriam.
6 comentários:
O 25ABR74 marcou todos os portugueses em geral e alguns em particular...
Este post exprime-o bem. ;)
Que curioso, a minha mãe também saiu de chinelos para o quartel da GNR de Almada, mas não os perdeu. As vivências daquele dia perderam fulgor e eu já nem sei como retomar o fôlego. Abraço com cravos dentro
Pode ser ouvido mas apenas durante uma semana.
Obrigada Táxi!!!
Excelente! As minhas memórias também estão ligadas à minha mãe e ao rádio. Foi através dele que ela descobriu o que se estava a passar e ficou eufórica desde o primeiro momento. Houve alegria, esperança, utopia e cor.
"(...)a coisa estava do lado dele: o gosto musical coincidia".
Saboroso dar com uma frase assim às 3,36.
Já vou ouvir Chavela Vargas. Agora, por acaso, por aqui toca Silvio Rodriguez. "Quin fuera" do disco de 1992.
Obrigado, Ana.
CE
p.(j)s: Processar o Júlio Barulho foi um duplo erro: ele é óptimo em tribunal.
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