16/04/09

À atenção de Dona Maria Pulquéria Contente Lúcio

Afastada que tenho andado, só muito devagarinho tive conhecimento da existência de uma senhora chamada Maria Pulquéria [já não nos bastava a Moreira], a qual, fiquei a saber, tem ideias bastante claras sobre o vestuário em geral e o feminino em particular.
É pensando nela que deixo aqui estas notas.

1. A Mary Quant, que partilha com André Courrèges a "invenção" da mini-saia, nasceu em 1934 e, em 1966, receberia da rainha de Inglaterra a Ordem do Império Britânico [quanto a Courrèges, veio ao mundo ainda mais cedo: 1923].
2. A mini-saia, apesar de Madame Chanel a achar uma coisa horrível, foi uma das maiores revoluções da história da moda, se descontarmos precisamente os modelos da Coco e o New Look do Christian Dior.
3. O ditador ugandês Idi Amin, que chegou a declarar-se "rei da Escócia", não gostava de mini-saias. E vai daí proibiu-as embora, ele próprio, não desdenhasse aparecer de kilt.
4. Ainda no Uganda, mas mais recentemente [o ano passado], James Nsaba Buturo, ministro da Ética e Integridade, também veio falar mal das mini-saias acusando as mulheres que as usam de fazer aumentar o número de acidentes na estrada.
5. Em Março de 2008, na África do Sul, centenas de mulheres sairam à rua defendendo o seu direito a vestirem mini-saia
6. A 13 de Abril deste ano, na Rússia, uma mulher de 21 anos foi mandada assassinar pelo próprio pai que não se resignava com o facto da filha andar de mini-saia na rua.
...
Como se vê, Dona Pulquéria andará tapada e bem acompanhada.

22 comentários:

João Lisboa disse...

Quando alguém se preocupa com os direitos dos cidadãos dá nisto. A Dona Pulquéria limitou-se a tomar consciência de que, se um cidadão - ou uma cidadã, sejamos modernos - se dirige a um balcão da LdC e é atendido por uma mini-saia generosa e/ou (o "e", então, é devastador) por um decote vertiginoso, naturalmente, desconcentra-se. E isso pode prejudicar a forma como deveria correctamente lidar com o assunto que iria abordar junto do competente organismo do Estado.

Luis Eme disse...

e tem um nome fabuloso, quase que até tem pulga e tudo...

F disse...

Nos países onde não há mini-saias e decotes existem muitos mais tarados.

Será que a dona Pulquéria também se preocupa com as banhas dos/das funcionários(as), que saem para fora dos limites impostos pelo vestuário, ou será que nestes casos ela obriga a andarem de túnicas largas ao estilo daqueles cantores de Gospel.

Viva a nudez!

lili disse...

Sobre isto já digitei tanto que até uma campanha anti-lili se formou, já sei que não gosta que eu ilustre os meus comentários com links, quando se trata de peixeirada, por isso não deixo nenhum, vou é roubar-lhe o post, se não se importar, que ainda agora recebi amis um post a insultar-me, não imagina o quanto este país é retrógado e pequeno-burgês.

Carlos disse...

É dantesco! Este país, a acreditar nas notícias dos últimos tempos, está repleto de gente pudica. Recomenda-se umas férias numa qualquer ilha das Caraíbas, daquelas onde os locais têm os sentidos à flor da pele, naturalmente, sem artifícios e sem maldade.
Mas confesso que estou particularmente atónito com o facto de o Uganda ter um Ministério da Ética e Integridade (confesso a minha ignorância: desconhecia). Ai, ai, o gozo que me dava termos um ministério desses aqui, neste “paraíso” à beira mar plantado. Sabe Deus o quão precisados estamos, mas provavelmente a pasta seria ocupada por alguém com pouca ética e nenhuma integridade.

Luís Serpa disse...

Não estou absolutamente nada de acordo consigo, cara Ana Cristina Leonardo.

Deixe-me começar por notar que a noção de dress code foi inventada no país de Mary Quant - e que nesse país há muitos mais uniformes em todo o lado do que em qualquer país latino (aliás, este debate seria absolutamente incompreensível no Reino Unido, onde qualquer empresa ou organismo público tem códigos para tudo e mais alguma coisa e ninguém sente a sua liberdade coarctada por tal). Este debate só é possível num país latino, porque nós confundimos liberdade individual e ausência de regras; e valorizamos a não obediência à regra (o que não traz necessariamente mais "liberdade" - compare o peso do social entre qq país latino e qq nórdico ou anglo-saxão e verá o que quero dizer).

Imagine que via algém a ir por exemplo navegar de casaco e gravata - acharia decerto desadequado, não é? No outro sentido passa-se a mesma coisa.

A regra não é o fim do mundo - é o que o torna possível.

Isto dito, os exemplos que apresenta no seu post parecem-me hiperbólicos - mas, claro, inteiramente justificáveis.

candida disse...

não tem nada a ver com pudores hipócritas, mas com a imagem adequada e profissional numa instituição de atendimento público. . e é claro k essas regras seriam extensíveis aos homens.

Táxi Pluvioso disse...

O nosso presidente Baráque vai salvar o dia... (parte2). Acabarão as crises.

Ana Cristina Leonardo disse...

dress code, imagem adequada... os comentaristas que me desculpem mas ninguém aqui defendeu que o atendimento público em faro fosse feito tal qual adão e eva vieram ao mundo. estamos a falar da mini-saia, for god's sake, uma coisa que foi inventada há mais de 40 anos!!!!
(e nem vamos referir os decotes... aí teríamos de recuar uns bons séculos...)
entre a pulquéria e a mary quant ou o corrèges o meu coração não hesita e eu já nem uso mini-saia...
(o que me chateia não é a farda - alguém falou de farda?! - o que me chateia é o puritanismo bacoco - ou as pernas e o peito das mulheres passaram a ser de novo "um atentado à moral e aos bons costumes"?

F disse...

Não é preciso ir para as caraíbas. Basta ir até ao Brasil. Ele é mini-saias, ele é fio dental, ele é decotes... e tudo com sal e pimenta na atitude.

Luís Serpa disse...

Ana Crsitina - o que está em causa não é nem a moral nem os bons costumes: é simplesmente o facto de as pessoas se deverem vestir de acordo com o local onde estão. Se uma empregada de discoteca a atendesse de tailleur acharia normal? Acharia um ataque aos bons costumes o patrão da imaginária discoteca impôr à inimaginável empregada uma roupa mais condizente?

F. - Estive a trabalhar no Brasil (Salvador) várias vezes, por períodos de várias semanas de cada vez. Dada a natureza do meu trabalho estava regularmente em contacto com funcionários públicos. Nunca vi funcionárias de fio dental (se bem não me tenham sequer dado oportunidade: a maioria dos e das funcionárias com quem interagi estavam ou de farda ou vestidos com um certo rigor - que por vezes até me pareceu exagerado). Talvez - sublinho o talvez - se esteja a referir a empregadas de outros sectores, não?

Ana Cristina Leonardo disse...

luís, os tailleurs até que podem ser bem curtos! o karl lagerfeld aqui há uns anos desenhou uns para a chanel... que a devem ter posto aos gritos no túmulo!!!
Claro que as pessoas se vestem de acordo com o local, função ou actividade. o que é que isso tem a ver com a mini-saia e os decotes é que eu gostava de saber. a não ser, repito, que as pernas e os seios das mulheres tenham voltado a ser considerados um atentado ao pudor.
e, aqui para nós, acha que alguém no seu perfeito juízo vai de bikini atender o público de uma repartição?
a não ser que se perfilem, no que ao vestuário diz respeito, tempos semelhantes ao antes do 25 de abril, em que os empregados bancários tinham de andar - obrigatoriamente - de gravata.
E como eu até gosto de ver certos homens de gravata!

Luís Serpa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Lisboa disse...

"a não ser, repito, que as pernas e os seios das mulheres tenham voltado a ser considerados um atentado ao pudor"

Que raio, Leopardo, mas eu já expliquei: não são nenhum atentado ao pudor mas desconcentram pra diabo!

João Lisboa disse...

E acho que, pegando na deixa da gravata, vou citar os clássicos. Stay tuned.

João Lisboa disse...

Játá:

http://lishbuna.blogspot.com/2009/04/gravata-parte-ii-uma-gravata-bem.html

Luís Serpa disse...

Parece que há aí uma certa reciprocidade - eu pelo-me por um longo decote, ou uma saia curta.

As regras fizeram-se para que não haja muitas possibilidades de interpretação de "no seu perfeito juízo". Helena Roseta, por exemplo, acha normal ir de bermudas para a Câmara Municipal de que era Presidente.

Já agora: penso que não partilha da ideia de que a roupa é neutra, e que de um ponto de vista semiológico um decote é igual a uma ausência de decote?

Quanto a mim, perdoe-me a repetição, o problema é a relação que os portugueses em particular e os latinos em geral têm com as regras.

Ana Cristina Leonardo disse...

João, o que te pergunto é isto: gostas ou não gostas que te desconcentrem? (eu sei que nessa matéria um homem em gravata pode ser muito menos "desconcertante"...)
Luís, peço desculpa mas não vejo qual o problema da Helena Roseta ir de bermudas para a câmara, tanto mais que em cascais cultiva-se uma certa descontracção no vestuário; além de que as bermudas até são uma peça bastante recatada, que chega aos joelhos (naturalmente abstenho-me de comentar se a Helena Roseta fica ou não fica bem de bermudas...)
quanto à semiologia, naturalmente um decote é um decote e por vezes não é um decote (mas olhe que uma gola alta também pode ser semiologicamente muito sexy)
quanto à relação dos latinos com as regras é muito ambígua - por um lado aceitam tudo e mais alguma coisa; por outro estão sempre a tentar dar a volta ao texto (mas isso tb. os torna interessantes,embora é verdade que um pouco cansativos não acha?)
Mas já agora recordo, foi da Inglaterra que a mini-saia partiu à conquista do mundo

Luís Serpa disse...

Vê, Ana Cristina, para que é que uma regra é útil? Eu penso que não é apropriado uma Presidente de Câmara ir de bermudas para a Câmara. Não tem nada a ver com o sexy, repito: se a senhora fosse de tailleur (Chanel clássico, apresso-me a precisar) para a praia eu acharia mal, igualmente.

O mesmo se aplica a uma gola alta, ou às gravatas - não sei qual é o equivalente feminino de ser o único homem com (ou sem) gravata num jantar ou numa sessão qualquer, mas posso garantir-lhe que não é agradável.

Acontece que para os latinos "furar" a regra é prova de individualidade, originalidade e criatividade - tudo qualidades que se devem manifestar, a meu ver, de outras formas do que o vestuário no quadro profissional - sobretudo no do Estado.

Não sei exactamente o que está por trás dessa norma em Faro - mas quando vejo a maneira como os alunos liceais e universitários vão vestidos para as aulas; quando vejo a facilidade com que no sector privado se aceita a existência de dress codes específicos para cada empresa o sentido de toda esta polémica escapa-me.

[E não, não está em causa o facto de a senhora ser mais ou menos sexy coberta - desculpe-me, suavizei um bocadinho o comentário, que sofria a meu ver do contexto em que o escrevi].

João Lisboa disse...

"não sei qual é o equivalente feminino de ser o único homem com (ou sem) gravata num jantar ou numa sessão qualquer, mas posso garantir-lhe que não é agradável"

Tenho sobrevido extraordinariamente bem sem nenhuma gravata (nenhuma, mesmo). Mas, a mim, também qualquer trapinho fica bem. E a Monica Belluci pode sempre sentar-se de jeans e t-shirt ao meu lado.

"gostas ou não gostas que te desconcentrem?"

Embora possa provocar problemas sérios na coluna cervical, até é uma experiência mental interessante. Agora, se for entregar a declaração do IRS, preferia francamente ser atendido por uma senhora assim tipo Golda Meir. Nessas alturas, não se pode dar abébias.

Cristina Gomes da Silva disse...

Eu acho que a regra deveria ser universal, ou seja, extensível aos funcionários homens. Ou será que eles podem fazer atendimento ao público de calções, tronco nu e havaianas nos pés com os pêlos todos à mostra, os deprimentes pneus à volta da cintura ou os músculos brilhantes e bem torneados, quais Zézés Camarinha da Loja do Cidadão?

Luís Serpa disse...

Cristina Gomes da Silva: naturalmente.